11 Janeiro 2024
"Uma história, aquela dos Cristãos pelo socialismo, morta, mas que não acabada", escreve Iacopo Scaramuzzi, jornalista italiano, em artigo publicado por la Repubblica, 10-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Poderíamos pensar que a superação de barreiras leva a um destino ingrato, lendo a história dos Cristãos pelo socialismo 1973-1984, reconstruída pelo jornalista Luca Kocci para a editora Il pozzo de Giacobbe; que quando se desenvolve um diálogo difícil acaba se levando tapas a torto e a direito. Mas também se poderia pensar que certos fermentos, embora dominados pelas forças da história, sobrevivem ao seu tempo. Porque tentaram responder a perguntas que ainda estão presentes.
O livro Cristiani per il socialismo 1973-1984di Luca Kocci (il Pozzo di Giacobbe, pagg. 256, euro 23) | Foto: Divulgação.
Redescobrir “a mensagem revolucionária do Evangelho” e infringir “o “mandamento" da unidade política dos católicos na Democracia Cristã-DC" são uma só coisa para esse movimento fundado em Bolonha em 1973 por católicos e valdenses de esquerda com o objetivo de “transformar a sociedade em sentido socialista e renovar a Igreja em sentido evangélico”.
“Não se trata de reduzir a fé à política, mas de recusar que ela seja reduzida a uma esfera ‘espiritual’, alheia aos conflitos em que se joga o destino do homem", explica Kocci. Não faltam conflitos. A conjuntura é marcada pela lufada de ar fresco do Concílio Vaticano II (1962-1965), pelos Movimentos de 1968, pela Guerra do Vietnã, pelo "compromisso histórico". O movimento se inspira no Chile, onde nasce o primeiro núcleo de Cristãos pelo socialismo e onde, poucos dias antes do congresso fundador italiano, ocorre o golpe de estado de Augusto Pinochet.
O volume reconstrói o debate interno desses “não democrata-cristãos” que se descobrem cristãos na esquerda e socialistas na Igreja. Mas acompanha, de forma mais geral, a história do dissenso católico, os referendos sobre o divórcio e o aborto, os confrontos com as hierarquias. São mencionadas as revistas que marcaram época, Con Nuovi Tempi e Adista, personalidades como Pietro Scoppola, Raniero La Valle, Dom Roberto Sardelli (o padre das favelas romanas que, muitos anos depois, Bergoglio chamou ao telefone), Dom Giovanni Franzoni (o abade contestador de San Paolo que, muitos anos depois, Bergoglio não chamou).
A introdução é de Monsenhor Luigi Bettazzi: é o último texto do padre conciliar, recentemente falecido, conhecido pela sua correspondência com Luigi Berlinguer.
A experiência se esgotou devido a tensões internas, mas também foi esmagada por três forças da história. Uma “atitude de frieza geral por parte do PCI em relação ao mundo católico de base", principalmente, "causada justamente pelas duras críticas deste último em relação à DC (e à Igreja institucional), com a qual o partido pretendia mais ter um confronto positivo, evitando embates frontais": problema recorrente de uma esquerda que privilegiou como interlocutor o catolicismo oficial, hierárquico e conservador, ignorando as posições mais reformistas entre os crentes.
Em segundo lugar, a eleição de João Paulo II ao papado, que marcou “o início da ‘restauração’ na Igreja” e congelou muitas convulsões internas. E, finalmente, o “refluxo da militância" que, observa Kocci, "embora não constitua uma categoria interpretativa capaz de explicar essa fase de forma unívoca, envolve muitas organizações políticas da esquerda."
O panorama, efetivamente, parece hoje irreconhecível. Ou, em vez disso, muito familiar. Um intelectual como Goffredo Fofi disse que a Igreja, ou melhor, uma sua parte, é a única que não traiu o Movimento de 1968. Lendo essa história hoje chama a atenção como os problemas levantados pelos Cristãos pelo socialismo ainda sejam atuais.
Reaparecem ciclicamente na esquerda, quando surge a questão da identidade, dos valores e da justiça. Impõem-se à Igreja de hoje, com um Papa, Francisco, que sobre os migrantes, à crise climática e os desequilíbrios econômicos intercepta os temas clássicos da esquerda, e que, com alguma hesitação, abriu um debate sobre as questões internas - o papel das mulheres, a homossexualidade, o celibato obrigatório - que dá continuidade àquele dos anos 1970. Uma história, aquela dos Cristãos pelo socialismo, morta, mas que não acabada.