Mundo amado, não condenado. Artigo de Enrico Peyretti

Foto: Belén Hernández | Cathopic

Mais Lidos

  • “A emoção substituiu a expertise, e nosso cérebro adora isso!” Entrevista com Samah Karaki

    LER MAIS
  • “Marco temporal”, o absurdo como política de Estado? Artigo de Dora Nassif

    LER MAIS
  • A desigualdade mundial está aumentando: 10% da população detém 75% da riqueza

    LER MAIS

Assine a Newsletter

Receba as notícias e atualizações do Instituto Humanitas Unisinos – IHU em primeira mão. Junte-se a nós!

Conheça nossa Política de Privacidade.

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

09 Janeiro 2024

"A autêntica resposta cristã é a pessoa e a vida de Jesus de Nazaré, e a sua “boa nova”: em toda a parte, e acima de tudo, é que existe um Amor vivo que salva toda vida do nada, da falta de sentido, do mal, do desespero. É compreender que o mundo é amado, não condenado", escreve Enrico Peyretti, teólogo, ativista italiano, padre casado e ex-presidente da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), em artigo publicado por Rocca Nº 1, 01-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Antigamente (sabem disso muito bem os idosos como eu) a nossa religião repreendia mais que confortava. Você se sentiu oficialmente colocado na categoria dos culpados, os funcionários religiosos tornavam você cliente das suas fórmulas salvíficas. Não era bom ser religiosos. Com a teoria do pecado original nascemos culpados: massa damnata.

Um remédio rápido era sair da religião severa: faço o que posso, não passo por cima de ninguém, deixe-me viver meu pedaço de vida.

Com o Concílio, a religião é mais branda, mais fraterna, mas a esperança de vida, neste mundo violento, não se alimenta da sua espiritualidade, dos seus ritos, da sua sabedoria. Ou talvez faça isso de forma diferente? Tudo muda. Talvez haja um despertar cristão, juntamente com a crise das igrejas, que estão cientes disso. Estará surgindo um cristianismo não-religioso, como Bonhoeffer via?

A necessidade de salvação, melhor que como culpa julgada, parece-me ser entendida como aquele vazio íntimo, aquela carência de vida, de luz, de bem profundo. Essa é a mais verdadeira sede humana, para cada espírito vivente. É o sopro esperado, que as injustiças e a violência sufocam.

Sentimo-nos infelizes porque não temos aquela felicidade na caixinha que a publicidade nos oferece? Ou, muito mais profundamente, sentimo-nos infelizes porque falta justiça e humanidade, e nós mesmos não somos como gostaríamos? Uma necessidade de humanidade, um pedido sedento, mais que uma culpa a ser lavada.

E talvez a religião hoje se torne capaz de ajudar nisso, não em governar as consciências: a verdadeira miséria é não nos sentirmos infelizes e reduzirmos a alma à satisfação das coisas imediatas, no mercado. Mas, se eu ignorar minha sede, acabarei ressequido.

Existe um mal poderoso no mundo e uma grande sede de bem. A resposta cristã mais verdadeira não é uma religião que se aproveita do problema humano para tornar-se dona das consciências dependentes.

A autêntica resposta cristã é a pessoa e a vida de Jesus de Nazaré, e a sua “boa nova”: em toda a parte, e acima de tudo, é que existe um Amor vivo que salva toda vida do nada, da falta de sentido, do mal, do desespero. É compreender que o mundo é amado, não condenado. O choque da fé é ver que o bem responde ao mal com o bem; ver que o bem, mesmo quando sucumbe, sobrevive a tudo, e sempre recomeça a doar. Na pessoa de Jesus é possível encontrar uma vida mais viva que a nossa, oferecida a nós desesperançados, perdidos, até pecadores e sofredores.

A salvação de Jesus não é a salvação do inferno depois da morte (o inferno é este mundo feroz), mas da falta de sentido, da vida banal, do “tudo acaba aqui”, da resignação à prepotência. O inferno é o mundo dominado pelos espertos e pelos violentos: é uma ideia de vida, sobre a qual paira o Grande Nada (dois filmes nucleares: Oppenheimer, de Nolan, e L'ordine del tempo, de Liliana Cavani), para a qual importa agarrar tudo o que puder agora, antes dos outros: o mundo é dos espertos. "Quem pode faz, quem não pode, cala." Mas como nasce uma fé que nos salva de tudo isso? Surge do assombro de ver que o amor responde ao mal com o bem. Então a vida existe, estamos vivos, somos amados. Nosso mundo é amado, não condenado.

Leia mais