03 Janeiro 2024
"Com Fiducia supplicans, parte da desconfiança em relação às ciências humanas é superada por uma antropologia da compreensão evolutiva (não fixista) capaz de afetividade, comprometimento, sacrifício, lealdade e bênção".
O artigo é de Roberto Oliva, presbítero da Diocese de San Marco Scalea, Itália, publicado por Settimana News, 23-12-2023.
A fé tem uma história, a história de Jesus de Nazaré capaz de se entrelaçar com as múltiplas histórias daqueles que expressam a riqueza de sua humanidade em diferentes épocas. A escuta e a acolhida do Evangelho por parte de cada ser humano finito e mutável expõem a própria fé a variabilidades de desenvolvimento e crescimento inimagináveis.
Assim, a Igreja em si cresce na compreensão da Revelação quando o dogma a aprofunda e o Magistério se move com agilidade a serviço do próprio desenvolvimento dogmático. Essa missão "dinâmica" da Igreja é parte integrante da evangelização "para que sua luz seja critério para compreender o significado da existência, especialmente diante das perguntas colocadas pelo progresso das ciências e pelo desenvolvimento da sociedade" (Fidem servare, 2).
A multiplicidade das experiências humanas contribui para o desenvolvimento da doutrina cristã mais do que qualquer "mecanismo de controle" (Papa Francisco, Carta ao Cardeal V. Fernandez, 1º de julho de 2023), uma vez que torna, a cada momento, viva e atual a própria Boa Nova.
O recente debate surgido após a publicação da declaração Fiducia supplicans convida a uma releitura em chave sinótica com o Responsum da CDF sobre as bênçãos das uniões de pessoas do mesmo sexo (15 de março de 2021).
Essa sinopse nos permite avaliar o real peso inovador de Fiducia supplicans, além de alarmismos estéreis ou entusiasmos fáceis. O sinal a ser percebido na recente declaração reside no equilíbrio dinâmico ao qual o magistério se expõe, não seguindo a lógica da oposição, mas da ampliação. A referência sacramental ao matrimônio cristão encontrada nos dois documentos corresponde à continuidade decisiva que não menospreza o desenvolvimento, mas o garante.
Não se trata, de fato, de evitar o sacramento do matrimônio nem de equipará-lo a outras formas de união afetiva, mas de perceber as diferenças, percorrendo o caminho que mais ajuda a "reconhecer e valorizar os elementos positivos presentes nessas relações" (Responsum de 2021).
O método subjacente ao Responsum, no entanto, não consegue captar a modalidade: como valorizar esses elementos positivos, que não são suficientes para receber uma bênção da Igreja porque "estão a serviço de uma união não ordenada ao plano do Criador"?
O Responsum esclarece, de fato, que o exercício da sexualidade em um casal homoafetivo está ligado, a priori, a uma "forma de autocomplacência" (citando Homosexualitas problema, 7). A incapacidade de valorizar os elementos positivos surge, portanto, de um mecanismo de controle que, em parte, é superado em Fiducia supplicans: sem prática sexual (definida como mero autocomplacência), essas pessoas podem ser abençoadas (mesmo que vivam relações afetivas).
Fiducia supplicans move-se na esteira da continuidade adotando o método pastoral (inaugurado por João XXIII). Até a leitura teológica das bênçãos pode se tornar pastoral para favorecer uma compreensão mais ampla: tenta-se distinguir para facilitar. É considerada a série de bênçãos não litúrgicas típicas do espaço criativo da pastoral popular (uma sugestão surge da leitura de Fiducia supplicans: o ministro ordenado é realmente indispensável se não se trata de bênçãos litúrgicas?):
"A prudência e a sabedoria pastoral podem sugerir que, evitando formas graves de escândalo ou confusão entre os fiéis, o ministro ordenado se una à oração daqueles que, mesmo em uma união que de forma alguma pode ser comparada ao matrimônio, desejam se confiar ao Senhor e à sua misericórdia, invocar sua ajuda, ser guiados a uma compreensão maior de seu plano de amor e verdade" (FS, 30)
Já o Catecismo da Igreja Católica (1670) esclarece que as bênçãos preparam para colaborar com a graça. Em Fiducia supplicans, a lógica da pré-condição moral dá lugar à valorização das disposições para a graça, pois os diferentes tipos de relacionamentos (ditos "irregulares") "imploram que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido em sua vida e relacionamentos seja investido, curado e elevado pela presença do Espírito Santo" (FS 31).
O renomado teólogo alemão Karl Rahner defendeu a possibilidade de outras e variadas formas de mediação sacramental à luz de sua antropologia transcendental.
Ele delineia o perfil de mediações quase sacramentais nas quais a graça pode se comunicar mesmo em condições diferentes das conhecidas: a Igreja, sendo o sacramento fundamental, permite o acesso ao amor gratuito de Deus através de numerosas formas e a qualquer pessoa que esteja em jornada. Na verdade, "onde quer que o homem aceite sua própria vida, onde quer que ele se abra e se entregue a Deus [...] no amor, na fidelidade, em uma tarefa aberta também ao futuro da humanidade" (K. Rahner, Curso Fundamental sobre a Fé, 522), ele experimenta implicitamente a gratuidade divina. O dado da pré-condição moral, vinculante no Responsum para receber a bênção, se desenvolve graças a uma concepção mais ampla da graça, uma vez que "o mundo é impregnado pela graça de Deus" (K. Rahner, Reflexões sobre a celebração pessoal do evento sacramental, Novos Ensaios V, 516).
Em tudo o que a história pessoal atravessa, "experimenta, realiza e sofre, quando se atualiza, ou seja, quando ri e quando chora; quando assume uma responsabilidade, ama, é amada e morre [...] Aqui ocorre o evento da graça" (K. Rahner, Reflexões sobre a celebração pessoal do evento sacramental, Novos Ensaios V, 518-19).
Através da porta da devoção popular, é reconhecida no magistério a possibilidade de relacionamentos afetivos que ultrapassam a etiqueta "do mero autocomplacimento", pois já estão prontos para dar o passo possível no meio das limitações que caracterizam todo relacionamento humano.
Com Fiducia supplicans, parte da desconfiança em relação às ciências humanas é superada por uma antropologia da compreensão evolutiva (não fixista) capaz de afetividade, comprometimento, sacrifício, lealdade e bênção.
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A bênção possível. Artigo de Roberto Oliva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU