20 Dezembro 2023
Khaled el-Qaisi está finalmente livre. O estudante ítalo-palestino regressou a Roma no dia 9 de dezembro, após um mês de detenção (sem acusação) em uma prisão israelense e outros dois meses confinado em Belém devido ao confisco de seu passaporte.
A reportagem é de Chiara Cruciati, publicada por Il Manifesto, 19-12-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Vamos começar do fim. Depois do ataque do Hamas em 7 de outubro, você estava em Belém, quando Israel lançou sua ofensiva militar contra Gaza. Enquanto isso, na Cisjordânia, assistimos a uma escalada de violência contra as comunidades palestinas, tanto por parte do exército quanto dos colonos. E prisões em massa.
A situação é tensa: desde o dia 7 de outubro, está em curso uma campanha de detenções em toda a Cisjordânia. Belém é a segunda maior cidade em número de detidos, depois de Hebron. As blitzes são diárias, a qualquer hora, à noite, de manhã, no fim da tarde. Muitas prisões foram feitas em postos de controle. Basta um precedente ou algum tipo de indicação, e você acaba em detenção administrativa. Grande parte dos detidos já não passam mais pela fase dos interrogatórios, vão direto para a prisão administrativa. É evidente a tentativa de aumentar o número de detidos, tanto para uma troca futura quanto porque as prisões preventivas incentivam as pessoas a não se mobilizarem.
Voltemos ao dia 31 de agosto. Após sua prisão repentina na passagem de Allenby, você foi levado para Petah Tikva e interrogado sem poder falar com seu advogado.
Nas primeiras duas semanas, não tive nenhum tipo de contato com o advogado, embora a proibição inicial fosse de 48 horas. Assim que fui preso na fronteira, fui levado a um posto policial no lado israelense da passagem. Apresentaram-me uma série de documentos que presumo que fossem o mandado de prisão e explicações sobre os meus direitos, tudo em hebraico. Não assinei nada, não conhecia o seu conteúdo. Recusei-me a responder na ausência do advogado. Fui transferido para Petah Tikva, mesmo que nos primeiros dias eu não tenha entendido exatamente em qual estrutura eu estava.
Ao longo do caminho, tentei seguir as placas de sinalização. Entendi que não estava no centro de interrogatório de Jalamah nem em Moscobiyeh. Fui posto em uma cela da seção provisória, uma espécie de seção “de acolhida”. Deram-me um uniforme marrom, do detento que eles chamam “de segurança”. Na mesma noite, começaram os interrogatórios, e, no primeiro período, são realizados pelo Shabak (Shin Bet, agência de segurança de Israel). No dia seguinte, houve uma sessão no tribunal, e a prisão foi prorrogada por uma semana. Normalmente, você acaba perante um tribunal militar na Cisjordânia, mas eu estava em um tribunal civil, acho que devido à minha cidadania italiana. Nos primeiros dias, recusei qualquer interação nos interrogatórios, porque não pude ver o advogado. Quatro dias após a prisão, fui informado de que a proibição havia sido renovada até a próxima sessão do tribunal, que seria na quinta-feira seguinte.
Você passou mais de um mês na prisão. Em que condições ocorreu sua detenção?
Desde o momento em que cheguei, perdi completamente a noção do tempo. Procurei me orientar contando as refeições que deveriam ser três por dia, café da manhã, almoço e jantar. Porém, são todas iguais, razão pela qual eu não entendia se era dia ou noite. Sempre estive sozinho, isolado em uma cela apertada, com a luz acesa 24 horas por dia, muito forte, era difícil pegar no sono. Não havia janelas. As paredes ásperas de gesso eram cinza-escuras, assim como o chão. Havia uma bacia turca entupida, e eu evitei dar a descarga para não alagar a cela. Havia uma pia minúscula para se lavar e beber, só com água quente, e uma grade de ventilação que lançava um jato de ar gelado, posta em um ponto no qual era impossível dormir sem ficar debaixo do jato. O colchão tinha apenas de dois a três centímetros de altura.
Não me deixavam ficar com nada. Eu só tinha um copo de plástico transparente que era trocado a cada poucos dias mediante solicitação, uma toalha de mãos e um pequeno cobertor de lã marrom fedorento. Eu também tinha uma colher de plástico que eles trocavam depois de dias e dias e muita insistência. Os interrogatórios duravam horas. Eu me dava conta disso porque, quando voltava para a cela, encontrava duas refeições. Acredito que em média duravam de 10 a 14 horas, até porque os funcionários se alternavam entre um turno e outro. Eu estava sentado em uma cadeira fixada ao chão, daquelas que se usam na escola, mas elevada no centro e inclinada para a frente: era impossível ficar sentado por mais do que alguns minutos sem sentir um desconforto considerável. Eu tinha as mãos e os pés amarrados à cadeira e um ar condicionado a 40-50 centímetros de distância soprando ar frio.
Depois, você foi transferido para Ashkelon. Ali também em isolamento?
Na prisão de Ashkelon, mandaram-me para a “seção-farsa”, com cerca de 40 detentos. Farsa, porque depois descobri que eram todos colaboradores do Shabak. Esta é uma das técnicas utilizadas: transferir você para um centro de detenção com prisioneiros falsos para lhe extorquir informações. Fiquei quatro dias lá, mais ou menos. E depois me transferiram para o centro de interrogatório de Ashkelon, sempre em isolamento, em uma cela idêntica à de Petah Tikva. Por fim, sem pré-aviso, uma noite fui levado a Belém. Lá, me colocaram em uma caminhonete do exército rumo à base militar que está acima de Beit Jala. Eles me transferiram para outra caminhonete, vendado, e me levaram para casa. Não para me libertar, como eu entendi depois.
Tentaram derrubar a porta, mas não conseguiram, porque é um velho portão de ferro. Telefonaram para meu irmão e o intimaram a se apresentar ali com a chave, ameaçando-o, dizendo que eu também estava presente e que ele devia se apressar. Eram 4h da manhã, ele veio correndo. Os soldados revistaram a casa, devastando e destruindo tudo. Depois colocaram a mim e a ele na caminhonete e nos levaram para a base militar. Fui levado de volta para Petah Tikva, sem ter a menor ideia do que havia acontecido com meu irmão. Os interrogatórios recomeçaram, com uma nova pressão, porque me convenceram de que meu irmão também estava sendo interrogado. Mas pelo menos consegui encontrar o meu advogado depois de duas semanas de detenção. Ele estava completamente desinformado de tudo, porque meu arquivo era confidencial. Pelo advogado, soube que meu irmão havia sido libertado poucas horas depois.
Um mês depois, você foi liberado. O que aconteceu?
O prazo legal para manter alguém sob interrogatório é de 30 dias. Depois disso, existem três possibilidades. A primeira é a liberação, caso não surja nenhuma informação útil para formalizar uma acusação. A segunda é o pedido de prorrogação especial à Corte Suprema, que pode conceder uma renovação por no máximo 90 dias no total. A terceira é o envio para o regime de detenção administrativa, caso não haja elementos para formalizar uma acusação, mas se queira prolongar a prisão. No meu caso, não havia elementos para formalizar as acusações. Pelo que me disseram, iam pedir uma prorrogação, mas não foi concedida. Restava apenas a liberação ou a detenção administrativa.
E, de fato, uma das ameaças do último período foi precisamente esta: se você não nos der elementos para formalizar as acusações, iremos mandá-lo para a prisão administrativa, onde poderá ficar infinitamente. Eles diziam assim, e é melhor para você ter as acusações formalizadas, até porque você vai pegar um pouco de prisão de qualquer maneira, e é melhor saber quando você poderá voltar para casa, em vez de ficar preso a renovações de seis em seis meses. Por que não seguiram em frente com a detenção administrativa? Por um motivo simples, a cidadania italiana. Teria sido embaraçoso condenar um cidadão estrangeiro a um tipo de detenção em que você não é submetido a um julgamento justo. O que deveria ser um direito torna-se um privilégio, que infelizmente muitos não têm. Assim como meus primos, ambos presos para me pressionarem. No dia 8 de outubro, um deles foi condenado a cinco meses de detenção administrativa, sem nem sequer ter sido levado a tribunal.
Após sua liberação, confiscaram seus documentos. Você não podia voltar à Itália.
No dia 1º de outubro, fui liberado após 32 dias, com restrições: não podia ter nenhum tipo de contato com pessoas envolvidas no meu processo. Mas o arquivo é confidencial, eu não tinha a menor ideia de quem podia estar dentro dele. Não tive contato com absolutamente ninguém para evitar que me prendessem de novo por violar os termos impostos pelo tribunal. O advogado conseguiu arrancar uma exceção para os familiares de primeiro grau, minha mãe, meu irmão, minha esposa e meu filho. Um parente meu teve que servir de fiador e assinar uma garantia de 10 mil shekels caso eu não respeitasse os termos.
A proibição de expatriação também pesava, concretizada na retenção do meu passaporte. Ele devia ficar detido até o dia 8 de outubro, mas no dia anterior tudo mudou, e não conseguimos mais descobrir onde estavam os meus documentos. Eu não só não tinha passaporte como sequer tinha a carteira de identidade palestina necessária para atravessar a passagem de Allenby. Para solicitar uma nova, eu tinha que fazer um documento da Cruz Vermelha em que se atestava que eu havia sido detido na prisão tal, no tal período... mas não pude receber visitas da Cruz Vermelha, que, portanto, não podia emitir a declaração. No fim, depois de mil peripécias, obtive novamente o passaporte no fim de novembro por meio de outro advogado, porque, nesse meio tempo, o meu foi detido.
Por quê?
Ele ainda está na prisão. O Ministério Público deveria formalizar a acusação de incitação ao terrorismo. O que ele fez foi participar de uma manifestação em Umm el-Fahem (uma cidade palestina dentro de Israel) contra os bombardeios em Gaza. Ele falou por alguns minutos ao microfone, mas nem com toda a imaginação do mundo se poderia encontrar uma incitação ao terrorismo: ele se limitou a pedir o fim dos bombardeios da Faixa de Gaza, denunciando a morte de milhares de civis.
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“Fui interrogado 10 horas por dia, amarrado à cadeira”, afirma estudante ítalo-palestino preso em Israel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU