19 Dezembro 2023
Para construir uma realidade mais justa com toda a vida e o planeta, é fundamental decrescer na escala material e energética e combater a acumulação injusta de riquezas.
A reportagem é de Milena Radovich e Diego Astiz, publicada por Ctxt, 18-12-2023. A tradução é do Cepat.
Verões com temperaturas históricas, secas e tempestades torrenciais; escaladas de conflitos armados em diferentes partes do planeta; o Mar Menor morre, centenas de pessoas chegam de canoa às Ilhas Canárias, enquanto outras morrem no caminho; a Sexta Extinção em Massa… Não é uma tarefa política simples parar ou ao menos compreender a crise ecossocial em que estamos.
O bombardeio de informações é enorme. Os celulares se enchem de manchetes atraentes em busca do clickbait, que nos envolvem em uma sensação de alarme constante. Vivemos momentos de excepcionalidade, mas quando o excepcionalismo se torna a norma, perde o seu potencial político. É impossível reagirmos e nos contrapormos a cada acontecimento que nos atravessa hoje, com a mesma intensidade e indignação, e sermos capazes de construir alternativas desejáveis.
Há tempo, o movimento ambientalista vem explicando as causas científicas dos processos de declínio e alarme ecológico em que estamos, mas também propondo iniciativas e alternativas que nos permitam pensar que há saída. No entanto, a multiplicidade de processos e sintomas com que nos deparamos hoje pode gerar um sentimento de agonia e abatimento. Por isso, é vital compreender, mas também sintetizar e ordenar os acontecimentos que fazem com que as nossas vidas sejam atravessadas de diferentes formas pela atual crise multissistêmica. Desmantelar e repensar os pressupostos culturais que os sustentam. Além disso, ter a capacidade de ordenar as ideias é condição necessária para construir alternativas, saídas e soluções.
Esta ordenação das ideias deve ter como objetivo uma mudança cultural, uma nova forma de olhar o planeta, não como uma fonte inesgotável de recursos, mas como um sujeito político do qual depende a nossa sobrevivência. Precisamos de uma Nova Cultura da Terra.
Esta Nova Cultura da Terra se atreve a resumir em sete ideias a mudança de paradigma que precisamos para construir uma realidade mais justa com toda a vida e o planeta.
É vital compreender que a cultura do crescimento econômico é uma cultura suicida. Vivemos em um planeta de recursos limitados e estamos em uma situação de transbordamento. O decrescimento não é uma opção, mas um fato inevitável. A questão é se este decrescimento será desordenado, prorrogando o estilo de vida opulento de uma minoria planetária sobre zonas de sacrifício cada vez maiores (especialmente povos periféricos, mulheres e ecossistemas) ou se decresceremos redistribuindo com critérios de suficiência, justiça social e ecossistêmico.
Todos nós queremos nos salvar. A desigualdade é sustentada pela monopolização de recursos por elites que aumentam a sua porcentagem de lucros todos os anos (em paralelo com a sua porcentagem de emissões de CO2). Atualmente, a responsabilidade social e ecológica é dolorosamente assimétrica. A redistribuição de recursos e a justiça ambiental se tornam condições indispensáveis para garantir a sobrevivência da vida humana e não humana em condições dignas. Dada a impossibilidade de crescer na esfera material e energética, cabe combater a acumulação injusta de riqueza e repartir e compartilhar, dentro dos limites entre o teto ecológico e o piso social de necessidades mínimas.
A Sexta Grande Extinção de espécies é uma catástrofe que ameaça o equilíbrio que mantém toda a biosfera. Esta é imprescindível para a funcionalidade dos sistemas e processos vitais como a fotossíntese, a polinização e a fertilização dos solos, que são responsáveis em sustentar a complexidade da vida na Terra. Entender nossa natureza ecodependente passa pela superação da ideia do ser humano como ápice da evolução e compreender que a saída desta crise não virá de tecnologias que superem qualquer processo natural, mas, sim, da nossa capacidade de imitar e regenerar as milhares de relações simbióticas entre espécies que hoje mantêm a vida no planeta. A ideia de dependência e diversidade (ecológica e cultural) nos fortalece como espécie.
O modo de vida do Norte global enriquecido se baseia em uma cultura profundamente petrodependente. O consumo de combustíveis fósseis não só está em perigo devido ao seu esgotamento, mas também está nos levando a uma situação de caos climático. O aumento da temperatura da atmosfera é um fato, a questão é até que ponto vamos permitir que esse aumento ocorra e quais consequências climáticas serão causadas. A energia nuclear não é uma tábua de salvação, pois, entre muitas outras razões, sua produção de resíduos aprofunda a situação de transbordamento de sumidouros. Precisamos de uma conversão do modelo energético para energias renováveis, de forma descentralizada e justa.
O lixo é uma criação exclusivamente humana, por isso devemos deter a acumulação de resíduos no ar, na terra e na água. Tanto buscando a sua redução quanto a sua biocompatibilidade, inserindo-o no ciclo circular da vida. Para isso, é imprescindível abandonar a linearidade do atual processo produtivo que acumula resíduos, dando origem a enormes aterros, e substituí-la por um processo baseado na suficiência, proximidade, lentidão e reintegração nos ecossistemas. Embora menos conhecida, nossa disrupção sobre os grandes ciclos biogeoquímicos (carbono, nitrogênio, fósforo) é um assunto tão primordial e urgente quanto o desequilíbrio climático e a perda em massa de espécies.
Além de seres ecodependentes, somos seres interdependentes. Nós, seres humanos, habitamos corpos vulneráveis que precisam de cuidados. Estes têm sido sustentados, de forma remunerada ou não, principalmente por mulheres. O avanço nos direitos e liberdades das mulheres do Norte global não pode ser sustentado nos corpos das mulheres precarizadas do Sul global. Os cuidados são uma tarefa básica, cabe valorizá-los e reparti-los. Colocar a vida no centro é impulsionar uma cultura que promova vidas dignas de serem vividas dentro dos limites ecológicos, que aposte na não violência para a resolução de conflitos e que enfatize a cooperação sobre a competição.
Não podemos fazer a mudança de paradigma sem as outras pessoas, primeiro porque não conhecemos todas as respostas, sensibilidades, reflexões, vivências e lutas que cada pessoa e coletivo tem ou experimenta, e segundo porque quanto mais pessoas se somarem a esta mudança, mais perto estaremos de alcançá-la. Propomos a participação acrescentando uma nova ideia que impulsione esta guinada e enriqueça esta Nova Cultura da Terra.
Talvez se possa pensar que os manifestos estão fora de moda, mas precisamos tornar explícitos os pressupostos essenciais de uma nova cultura. Em tempos de saturação, de estresse e esgotamento, é necessário parar e organizar ideias, alternativas e estruturas para podermos ser estratégicos e, sobretudo, vermos uma saída.