24 Outubro 2023
Apesar de mais de 70% dos focos de incêndio ocorrerem em áreas desmatadas, os destruidores já avançam sobre a mata nativa, afirma Rodrigo Agostinho em entrevista exclusiva para a Amazônia Real. Segundo ele, os efeitos da seca ainda perdurarão por mais de um mês.
A reportagem é de Tainá Aragão, publicada por Amazônia Real, 20-10-2023.
O Amazonas enfrenta a pior seca do século, com mais de mil focos de calor, rios virando desertos, populações isoladas que agora lutam para ter o que beber e comer. A estiagem prolongada agravada pelo fenômeno do El Niño é parte responsável pela situação que afeta mais de 500 mil habitantes. Mas não só ela. A falta de um planejamento preventivo dos governos desemboca em uma grave crise humanitária que já dura cerca de um mês e meio e afeta quase 99 mil hectares de áreas de influência de fogo.
Em uma coletiva de imprensa na sexta-feira (13), o governo federal admitiu ter encontrado apenas 25 mil reais nos cofres para combater emergências desse porte, um legado bolsonarista marcado pela negação da crise climática. O presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), autorizou a implementação de Medida Provisória como uma resposta à crise humanitária, que prevê recursos destinados diretamente para os municípios a partir de planos de trabalho ainda em execução.
Ações emergenciais já estão sendo implementadas, como o envio de 150 brigadistas adicionais, a aplicação de mais de 11 mil multas ambientais e o direcionamento de 35 milhões de reais do Fundo Amazônia para prevenção e combate a incêndios pelos brigadistas dos Corpos de Bombeiros estaduais. A implementação de um modelo de monitoramento da qualidade do ar, assim como a formulação de um inventário e plano estadual de emissões atmosféricas, evidenciam uma tentativa de resposta à crise em curso.
O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, detalhou como o governo federal vem atuando para atenuar a crise. Em entrevista exclusiva à Amazônia Real, ele admite que é preciso “melhorar de forma contínua nossa capacidade de resposta”, já alertando que outras crises virão nos próximos anos.
A inércia governamental de Jair Bolsonaro (PL) em relação à política de prevenção das consequências da crise climática contribuiu para a escalada da atual catástrofe, em um cenário em que mais de 60 municípios se encontram em estado de emergência só no Amazonas. Governos estaduais aliados ao bolsonarismo facilitaram a vida de desmatadores, grileiros e invasores de terras indígenas, mantendo ativa a lógica destrutiva. Hoje, 73,5% dos focos de incêndio foram registrados em áreas já desmatadas. “A seca está tão intensa e a gente começou a ter fogo em floresta, sim, não apenas em áreas desmatadas”, alerta Agostinho.
Ex-deputado federal pelo PSB (de 2019 a 2023), Rodrigo Agostinho é biólogo, ambientalista e advogado. Ele já foi membro titular do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) por mais de 10 anos e ingressou pela primeira vez no Ibama como estagiário, nos anos 1990. A seguir, a entrevista com o presidente do Ibama na íntegra.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, durante entrevista coletiva sobre seca e incêndios no Amazonas. (Foto: José Cruz | Agência Brasil)
As pessoas em geral e as autoridades no Amazonas dizem que foram surpreendidas pela seca, que é a maior em 121 anos. Mas cientistas de renome como Philip Fearnside e os próprios dados do Inpe já alertavam desse risco. Como avalia a desinformação e o negacionismo da população sobre a crise climática?
O problema da crise climática é que ninguém acredita que vai acontecer e que será agora agora. Temos previsão de chuva forte nos próximos dias nas regiões Sul e Sudeste e uma seca muito pesada na Amazônia, que é capaz de avançar para dentro do Nordeste. A crise climática está aí, o mundo inteiro está sofrendo. Essa é uma crise que não será resolvida no curto prazo. O ser humano está viciado em combustíveis fósseis, as pessoas utilizam gasolina, queimam florestas, emitem gases como o metano. A transição energética vai levar tempo, assim como a retirada desse carbono da atmosfera. A gente tem aí um desafio amplo que a gente precisa agir, todo mundo. Mesmo Estados como o Amazonas estão sofrendo. Ninguém estará imune, e obviamente que quem vai sofrer mais com as mudanças climáticas são as populações mais vulneráveis, os mais pobres que, de fato, não têm condições, nem para onde correr. Temos que ter essa sensibilidade.
Além do Amazonas, outros Estados na Amazônia Legal também vêm passando por secas extremas e enfrentam queimadas e desmatamento, como é o caso do Oeste do Pará e Roraima. Ações preventivas podem evitar um futuro colapso na região?
O fogo do Pará do Oeste do Pará foi responsável por parte da fumaça de Manaus. As pessoas precisam entender que tudo está conectado. As emissões de gases no país desenvolvido ajuda a mexer no clima aqui e em outros países com baixa emissão. Precisamos que a política de mudança climática seja implementada e que façamos a transição energética e que o Brasil pare de desmatar. Temos 60 milhões de hectares na Amazônia já desmatados, então não precisamos continuar desmatando. Precisamos estimular uma economia diferente, circular, da sustentabilidade. O Brasil também vai precisar melhorar nossa capacidade de respostas. Faltam grandes aeronaves de combate a incêndios florestais. Este ano, batemos o recorde de uma contratação de brigadistas, mas pode ser que se mostre um número reduzido diante de uma mudança climática que pode se agravar. Os nossos brigadistas de incêndios florestais passarão a ser brigadistas climáticos. A gente tem um grande desafio de melhorar de forma contínua nossa capacidade de resposta. Obviamente com toda a dificuldade de logística que a gente está tendo por conta da seca na Amazônia, a gente não vai conseguir atender a todo mundo ao mesmo tempo.
Quais são as principais causas identificadas pelo Ibama para a intensificação das queimadas na Amazônia neste ano? Haveria alguma forma de ter agido com prevenção à crise?
O Ibama está numa fase de reorganizar sua estrutura. Um dos setores reorganizado, inclusive com recursos do fundo Amazônia, foi o de prevenção e combate de incêndios florestais. É o nosso programa chamado Prevfogo. A gente aumentou o número de brigadistas em 17% e fomos até o limite do nosso orçamento. Compramos um número muito grande de equipamentos, fizemos os cursos de capacitação, falamos da sala de situação. Mais recentemente tivemos uma intensificação muito grande do fenômeno El Niño, principalmente baseado em mudanças climáticas.
A gente percebeu que mais ou menos 73% de todos os focos de incêndio são em áreas que já foram desmatadas. A maior parte do fogo foi em vegetação rasteira ou capim e os focos estavam localizados no sul do Amazonas, na região de Lábrea, Apuí e Manicoré. Também tínhamos uma série de focos ao longo do corredor Apuí e da BR-319, e um número menor, mas nem por isso menos importante, no entorno de Manaus. A cidade de Manaus praticamente esgotou o seu território, então a expansão agora se dá nos municípios vizinhos.
Percebemos uma intensificação de eventos de fogo em Altares Careiro, Careiro da Várzea, Iranduba e naquelas ilhas de Manaus, Manaquiri. No total, quase 99 mil hectares de áreas de influência de fogo. Mais recentemente, com essa intensificação de muito fogo ao longo das várzeas do rio Amazonas, a fumaça acabou parando em cima de Manaus, que está no corredor do Amazonas. A gente resolveu intensificar e começamos a levar brigadistas de outras regiões principalmente para o entorno de Manaus.
O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, durante entrevista coletiva sobre seca e incêndios no Amazonas. (Foto: José Cruz | Agência Brasil)
Como o Ibama está coordenando esforços com as autoridades locais e regionais para controlar e conter a propagação das queimadas na Amazônia?
Estamos tendo reuniões diárias na sala de crise do governo federal. É uma orientação do presidente Lula e da ministra Marina Silva, que tem participado diariamente dessas reuniões. Mas o problema não se resume apenas ao fogo. Temos problemas relacionados a energia, ao abastecimento e ao transporte. Há animais morrendo porque a água está contaminada. As pessoas não estão recebendo alimento. A crise é mais ampla. Inclusive estava numa reunião com a Casa Civil discutindo esse tema com o governo do Amazonas, que pediu ajuda do governo federal. Tenho dialogado quase que diariamente com o secretário de Meio Ambiente do Estado do Amazonas.
Estamos trabalhando com várias frentes, já que a melhor ação de prevenção justamente é o combate ao desmatamento: 73% do que está pegando fogo é área que já foi desmatada. Tanto que a gente acabou colocando o número maior de brigadistas nas áreas com maior taxa de desmatamento. Um outro ponto importante é que estamos vendo uma degradação da floresta em outros lugares. A seca está tão intensa e a gente começou a ter fogo em floresta, sim, não apenas em áreas desmatadas. Esse é um grande desafio. Com as chuvas dos últimos dias, reduziu significativamente o problema do fogo e da fumaça.
Mesmo assim, a seca vai durar pelo menos mais 30 dias. Existe um risco de mais queimadas. Estamos fazendo os rescaldos em sete municípios do Amazonas e ajudando a estruturar as brigadas do governo do Amazonas com compra de EPI (equipamento de proteção individual). O efetivo é de 275 brigadistas no Amazonas, mas a qualquer momento podemos ampliar isso tendo necessidade. Vou colocar brigadistas do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Mato Grosso do Sul. Vou tirar os brigadistas, onde eles estiverem, e mandar para o Amazonas mesmo que sejam em voos comerciais.
Quais são as medidas específicas que o Ibama está tomando para proteger os povos e comunidades tradicionais afetadas pelas queimadas na Amazônia?
O Ibama tem uma atuação pela legislação prioritária em glebas federais, Unidade de Conservação Federais e Terras Indígenas. O ICMBio é notadamente de Unidades de Conservação, sendo que muitas áreas e povos e comunidades tradicionais estão dentro de reservas extrativistas. Estamos trabalhando de maneira integrada, a gente sabe que muitas dessas áreas as pessoas utilizam o fogo, inclusive que vão conseguir controlar esse fogo para limpeza do pasto. É costume ancestral do brasileiro. A gente percebe que as pessoas tocam fogo e a situação foge do controle. Estamos olhando muito para as áreas de assentamentos, as áreas mais sensíveis, onde obviamente o fogo pode causar danos permanentes e prejudicar muito a população do Amazonas.
De que maneira o Ibama está aplicando a legislação ambiental para responsabilizar e penalizar os infratores envolvidos no desmatamento e nas queimadas ilegais na região amazônica?
Estamos trabalhando de forma muito intensa no combate ao desmatamento. Primeiro se derruba a floresta e depois se coloca fogo em todo o material disposto no solo. Tivemos uma queda de desmatamento na Amazônia acumulada de janeiro a setembro de 49,4%, no Estado do Amazonas, o resultado foi melhor ainda de janeiro a setembro 74%. E isso está sendo feito com uma série de estratégias: tem a fiscalização e o Ibama vem aplicando multas; tem embargo das áreas. Estamos restringindo créditos das pessoas que desmatam ilegalmente.
O secretário extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial está no Amazonas discutindo com os prefeitos algumas estratégias, inclusive anunciando recursos que serão liberados dos municípios que tiveram as maiores reduções de desmatamento. Os municípios que tiveram as maiores reduções serão premiados com recursos do governo federal, justamente na ideia de não ficar apenas na fiscalização, mas ter outros incentivos econômicos para que de fato a gente possa conciliar as coisas.
Nos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro (PL), os órgãos ambientais foram desmontados, o que contribuiu para o aumento do desmatamento e das queimadas. Ainda estamos vivendo as consequências da política anti-ambiental bolsonarista?
Todos os milhões de hectares que a floresta perdeu nos últimos anos, o destino final delas acaba sendo fogo. Mas também há um outro desafio grande que é o desafio climático. Estamos desde os anos 1990 dizendo que as mudanças climáticas iriam chegar e que mesmo as regiões mais úmidas do planeta, como a Amazônia com 17% da água do planeta, o fenômeno da mudança climática seria assustador. Uma parte significativa das emissões de efeito estufa do Brasil é decorrente de desmatamento e de queimadas. Temos um desafio de romper com esse ciclo para atingir a meta de desmatamento zero em 2030. Se conseguirmos manter até o final do ano essa taxa de redução de desmatamento de 50%, teríamos poupado 500 mil hectares de floresta, que é um número muito grande.
Teremos mais colapsos em breve?
As pessoas sempre acham que os ambientalistas eram catastrofistas quando falavam que as mudanças climáticas iriam chegar. As pessoas não acreditam e falavam que “o Brasil é um País abençoado, que chove muito, tem grandes rios”. Mas em uma grande seca o Brasil depende de energia hidrelétrica e ela está parando. As hidrelétricas de Rondônia estão paralisadas. Quando comunidades ao longo do maior rio do mundo não estão conseguindo ter acesso à água, ninguém acreditaria nisso num passado bem recente. Quando falava que a Amazônia poderia ter um problema de seca, ninguém imaginava que pudesse acontecer. As mudanças climáticas chegaram e temos atuar na prevenção e melhorar nossa capacidade de resposta. E, obviamente, o mundo inteiro precisa reduzir e compensar as suas emissões.
Queimada em desmatamento recente na Gleba Abelhas, uma floresta pública localizada no município de Canutama, Amazonas, muito próxima da TI Juma. (Fotos: Marizilda Cruppe | Greenpeace)
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“Começou a ter fogo em floresta, sim”, alerta presidente do Ibama - Instituto Humanitas Unisinos - IHU