21 Outubro 2023
"Bartolomeu de Constantinopla, que já havia falado perante à direção da Conferência das Igrejas Europeias - KEK em março passado, colocou o dedo na ferida da divisão, especialmente intraortodoxa. Depois de recordar a crescente impossibilidade de identificar as filiações nacionais com aquela confessional, defendeu a necessidade de um novo ecumenismo, face às ruínas produzidas pela justificação da guerra pela Igreja Russa e pela ruptura entre tradição eslava e helênica", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 28-06-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Cristãos de toda a Europa reuniram-se em Tallinn, Estônia, para a assembleia geral de 2023 da Conferência das Igrejas da Europa (KEK). Na assembleia foi lembrado que ser abençoados significa ser libertados da ansiedade pela nossa própria segurança ou controle... que a teologia é pública, que nós, cristãos, devemos aceitar o desafio de contribuir para um discurso político cada vez mais secularizado.
Trezentos participantes representando as 114 Igrejas Europeias (protestantes, anglicanas, ortodoxas) que pertencem à KEK desenvolveram o tema “Sob a bênção de Deus para moldar o futuro” (14 a 20 de junho).
Fundada em 1959, a instituição representa 380 milhões de cidadãos europeus. Não estiveram presentes a Igreja Ortodoxa russa (autossuspensa desde 2008 devido aos interesses considerados demasiado sociais e políticos pela entidade) e a Igreja sérvia (devido à presença da Igreja Ortodoxa ucraniana autocéfala).
Não foram abordados temas teológicos, recordou Letizia Tomassone, valdense e uma das cinco presenças italianas, “mas naturalmente eles aparecem: quando se fala sobre o que a Igreja pode propor à Europa está se falando do que a Igreja é hoje”.
Entre as questões abordadas podemos mencionar o ecumenismo, alguns problemas emergentes, a identidade da Europa e as novas nomeações na KEK.
“Enquanto alguns dos movimentos políticos da nossa época continuam a recuar atrás da segurança das fronteiras e de uma identidade estreitamente definida, as Igrejas Cristãs não podem dar-se ao luxo de caminhar separadas umas das outras... As Igrejas devem atender ao chamado de Deus em Jesus Cristo e ser agentes de esperança, publicamente preparadas para carregar as cicatrizes de sofrimentos injustos. Isso significa manter sem medo o caminho reconciliador da esperança da ressurreição em Cristo que nos chama a assumir a responsabilidade, sob a bênção de Deus, de moldar o futuro” (Mensagem).
O Pastor Grzegorz Giemza, do Conselho ecumênico das Igrejas, apresentou o projeto de reconciliação entre as Igrejas europeias, divididas sobre o juízo da guerra na Ucrânia, a partir do processo de reconciliação polonês-alemão. Embora hoje seja difícil falar de perdão mútuo, é bom preparar-se para o pós-guerra.
O ex-arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, explorou o significado da bênção, fora dos territórios da injustiça, da agressividade, da posse e do controle obsessivo. “Existem muitas forças na Europa cuja moeda é o medo. Um medo incompatível com a confiança na fidelidade de Deus”.
Bartolomeu de Constantinopla, que já havia falado perante à direção da KEK em março passado, colocou o dedo na ferida da divisão, especialmente intraortodoxa. Depois de recordar a crescente impossibilidade de identificar as filiações nacionais com aquela confessional, defendeu a necessidade de um novo ecumenismo, face às ruínas produzidas pela justificação da guerra pela Igreja Russa e pela ruptura entre tradição eslava e helênica.
Muitos e dramáticos os testemunhos sobre a guerra em curso. Onde está Deus quando crianças são mortas, quando pessoas são torturadas, quando uma geração inteira é traumatizada? Onde está Deus nesta guerra?
As palavras de V. Burcha, de P. Schwartz, do Metropolita Yevstratiy, de S. Zan Fabian ressoaram no grande salão do Kultuurikatel em Tallinn.
Sviatlana Tsikhanouskaya, membro do partido de oposição na Bielorrússia e hoje no exílio, denunciou a guerra fratricida na Bielorrússia e na Ucrânia, alertando para os perigos dos impérios que falam de fraternidade, mas estrangulam as nações nos chamados “abraços fraternos”. “Pessoas cuja força moral é alimentada pela fé em Deus são muito perigosas para as ditaduras, mas extremamente necessárias para as democracias.”
Foi dado amplo espaço às questões relacionadas com o meio ambiente, a emergência ecológica, bem como com o fenômeno das migrações e os problemas que levanta.
Cativante e sugestiva foi a palestra fundamental do sociólogo alemão Hartmut Rosa, “Ser Europeu – uma avaliação sociológica da situação em 2023 e no futuro”. A pergunta básica gira em torno do possível papel das fés no contexto socioeconômico do continente.
Forçada à unidade para não perder toda significância no novo contexto global, a Europa parece destinada, como todo o Ocidente, a um “imobilismo frenético”, a uma corrida sem fim ao consumo de energia, do ambiente e do tempo, das forças políticas e pessoais para permanecer estagnada, presa num equilíbrio precário em que já ninguém mais acredita no futuro.
A questão não é que “a sociedade cresça, por exemplo em termos de população ou de produção econômica, ou que acelere em muitos aspectos, mas que seja obrigada a fazê-lo para manter o status quo”.
Todas as nossas instituições sociais têm uma relação agressiva com o mundo que se reflete na angústia crescente dos habitantes. Até a forma democrática desliza para uma sistemática contraposição que não deixa mais espaço ao dissidente, negando a si mesma. A democracia “precisa de um coração cheio de discernimento”, como solicitado por Salomão (1 Reis 3,9). Uma capacidade de escuta que Harmut Rosa chama de “ressonância”.
Desenvolve-se em quatro etapas: apelo, autoeficácia, transformação, não automatismo. Sair da modalidade agressiva para parar e perceber uma forma diferente de se relacionar com as coisas, consigo mesmos e com as instituições.
“A minha tese é que são as Igrejas em particular que dispõem de histórias, da reserva cognitiva, de ritos e práticas de espaços onde um coração capaz de escuta pode entrar em exercício e ser vivenciado... Conhecemos uma crise da capacidade de nos deixarmos chamar e isso se manifesta tanto na crise de fé quanto na crise da democracia”.
“As Igrejas correm o risco de trair a promessa (de uma ressonância vertical) caso se tornarem uma autoridade rígida como o aço, que não escuta, que pretende saber tudo e por isso não escuta as pessoas, dando ordens e, eventualmente, abusando dele”.
A força da religião é a oferta de uma promessa que pode ser traduzida assim: “No fundo da minha existência não existe um universo silencioso, frio, hostil e indiferente, mas uma relação de resposta... Há alguém que falou contigo, que te chamou, que te escuta mesmo que não esteja à tua disposição aqui e agora."
“A religião tem a força, a reserva de ideias, um arsenal ritual cheio de cantos, gestos apropriados, espaços adequados, tradições e práticas que abrem um sentido ao que significa deixar-se chamar, transformar, entrar em ressonância. Se a sociedade perder tudo isso, se esquecer a possibilidade da relação, está condenada. À pergunta de saber se a sociedade atual ainda precisa da Igreja ou da religião, a resposta só pode ser: sim”.
A assembleia procedeu à eleição dos novos dirigentes. O Arcebispo Ortodoxo do Patriarcado Ecumênico Nikitas de Tiatira e Grã-Bretanha ocupa o lugar do pastor protestante francês Christian Krieger. Os vice-presidentes são o anglicano inglês Dagmar Winter e o protestante alemão Frank Kopania.
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Europa-KEK: os recursos do cristianismo. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU