09 Outubro 2023
Em setembro de 2023, o Cardeal Álvaro Ramazzini foi eleito presidente da Rede Clamor, uma organização da Igreja Católica que acompanha migrantes e refugiados na América Latina e no Caribe. O Papa Francisco pede para acolher, proteger, promover e integrar, a fim de enfrentar "uma realidade dolorosa por causa de tudo o que vimos acontecer", nas palavras do Bispo de Huehuetenango, Guatemala, que já se perguntou repetidamente "como colocar em prática esses quatro verbos que o Papa nos propõe".
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
O cardeal afirma que "alguns deles já estamos fazendo, o que continua a ser um desafio, pelo menos pessoalmente, é a questão da promoção, como conseguir inserir muitas pessoas em uma nova sociedade, onde muitas vezes os empregos exigem um alto nível de qualificação profissional". O Cardeal fala da realidade de seu país, a Guatemala, onde muitas pessoas nem sequer têm a educação formal necessária e, portanto, vão fazer os trabalhos, no caso dos Estados Unidos, onde há uma imigração muito forte de guatemaltecos, o que os norte-americanos não fazem.
Diante dessa situação, ele pergunta: "Como podemos realmente garantir que essa recepção também seja dada por sociedades nas quais o que importa é que você tenha dinheiro e produza dinheiro? O presidente da Rede Clamor responde que "os quatro verbos ainda são desafiadores e continuarão a exigir políticas migratórias abrangentes". Ele também questiona qual país está atualmente colocando os quatro verbos em prática, mesmo que eles possam justificar que isso vem do Papa.
Na realidade, "os quatro verbos implicam ações que poderiam realmente ajudar a enfrentar e confrontar a questão da migração de uma forma humana", insistindo que "é aqui que temos que continuar fazendo esforços para entender que não é uma questão de lei, mas uma questão que vai muito além das leis, é uma questão de sofrimento humano, de deficiências humanas, de problemas humanos, que devem ser vistos de uma perspectiva humana". Reconhecendo que o que é legal deve existir, o cardeal guatemalteco afirma que "nos esquecemos de que, abaixo da legalidade, deve sempre haver um espírito no qual a humanidade é respeitada".
Um desprezo pelos migrantes, uma xenofobia que está presente em pessoas que se dizem cristãs, católicas. Diante disso, o presidente da Rede Clamor afirma que "a primeira coisa que eu diria àqueles que desprezam os migrantes é que eles não deveriam se considerar cristãos". Isso porque a essência da identidade cristã é "viver o Evangelho, porque para nós não é apenas a norma que deve reger nossas vidas, mas é a palavra que nos dá vida", lembrando que "foi isso que disseram ao Senhor Jesus, só você tem as palavras de vida eterna", algo que o cardeal considera "uma consideração que muitas vezes esquecemos", e que seremos julgados no final de nossas vidas "se acolhemos ou não o migrante".
Segundo o cardeal guatemalteco, "uma pessoa que não se coloca diante do Evangelho e não questiona o que o Evangelho propõe e exige para ser verdadeiramente cristão, certamente não será capaz de entrar em um processo de conversão que ajude não apenas a acolher, mas também a promover uma pessoa migrante", o que ele considera lógico "a partir de uma lógica do mundo no sentido joanino, de uma lógica do dinheiro, de uma lógica do que importa para mim o que acontece com os outros se eu estiver bem", o que ele considera "nada cristão". Para o presidente da Rede Clamor, o desafio é que "se alguém realmente quer se comprometer com os migrantes, deve fazê-lo a partir da fé em Jesus Cristo e do desejo de ser um discípulo de Jesus Cristo".
Com relação à assembleia sinodal que iniciou sua primeira sessão em 4 de outubro, ele disse que gostaria de "poder ir juntos buscando a aplicação nos vários níveis da sociedade em geral daquilo que sempre dissemos: todo migrante é meu irmão, todo migrante é minha irmã, ninguém na Igreja deve ser estrangeiro". Em suas palavras, ele reflete sobre a clara separação em muitos estados entre a Igreja e o Estado, afirmando que "o desafio não é tanto que, para nós cristãos, o Evangelho seja a palavra que dá vida, mas, acima de tudo, retornar verdadeiramente às raízes de quem somos".
O cardeal insiste que "somos seres humanos e, na medida em que eu me considero um ser humano e considero os outros seres humanos, logicamente deve haver uma reação, e a reação é que estamos no mesmo barco, estamos no mesmo planeta, por que não deveríamos ajudar uns aos outros". Em sua reflexão, ele lembrou "O Drama do Humanismo Ateu", de Henri de Lubac, em que aborda a questão da perda do verdadeiro humanismo, afirmando que os ateus viam nos outros um próximo para ajudar, algo que ele considera que estamos perdendo, "estamos perdendo essa valorização dos outros como pessoas, e que eles esperam que eu os trate como pessoas, que os respeite como pessoas e que os ajude como pessoas", enfatizando que "estamos em uma fase de esquecimento de quem somos nesta terra".
Algo que ele critica nos Estados Unidos, questionando "como é possível que, em um país como os Estados Unidos, que geralmente é considerado cristão, protestante e católico, como é possível que a essência do cristianismo: 'Eu era um estrangeiro e você me acolheu', não seja vivida". Nesse momento, ele reconhece a existência da separação entre Igreja e Estado, mas afirma que "temos um sistema legal que, em um país que se diz cristão, no entanto, os fundamentos dessa essência do cristianismo são deixados de lado porque estamos em uma sociedade totalmente secular, secular no sentido estrito da palavra", algo que ele diz não entender.
Nesse sentido, ele diz que denunciou em seu país "como é possível que deputados que se dizem cristãos, católicos e não católicos, atuem de tal maneira no Congresso quando se trata de elaborar leis nas quais se esquecem de sua identidade religiosa". Sabendo que o Congresso é laico, ele questionou se esses deputados ainda são crentes ou não.
Em vista de seu reconhecimento como cidadãos e membros de comunidades eclesiais, o cardeal se refere ao caso dos Estados Unidos, com 2,2 milhões de migrantes guatemaltecos sem documentos, pedindo "uma reforma imigratória abrangente" como primeiro passo, algo que ele sempre disse. Nesse sentido, ele ressalta que "os Estados Unidos são o único país do hemisfério norte - o México já o fez - que não assinou o acordo da OIT sobre a reunificação dos trabalhadores migrantes com suas famílias", denunciando que "a reforma imigratória nos Estados Unidos continua sendo uma quimera, um sonho".
Como Igreja, ele insiste que "temos que continuar a nos manifestar, temos que continuar a tocar as consciências, ser os primeiros a ser um exemplo de acolhida". Por isso, denuncia que "me dói quando, em uma comunidade cristã católica, as atitudes dos fiéis dessa comunidade se fecham para aqueles que vêm de fora, dizendo que são estrangeiros", repetindo que "ninguém é estrangeiro na Igreja", e perguntando "como conseguir essa mudança de mentalidade", algo que ele vê como um desafio, "neste caso, aqueles de nós que têm maior responsabilidade na Igreja".
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Cardeal Ramazzini: “A primeira coisa que eu diria àqueles que desprezam os migrantes é que eles não deveriam se considerar cristãos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU