A sinodalidade católica tem uma história longa e rica. Entender essa história ajudará a Igreja a florescer.
A opinião é do teólogo Shaun Blanchard, professor da Universidade de Notre Dame na Austrália. Este texto – publicado originalmente na Commonweal – foi adaptado de um artigo proferido em 19-09-2022, em um simpósio online sobre sinodalidade organizado pela American Cusanus Society, o Nova Forum e o Lumen Christi Institute. Uma versão do artigo também foi apresentada na Universidade de Notre Dame em Indiana, nos Estados Unidos, em 30-08-2023.
O artigo foi publicado por La Croix Internacional, 04-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
As discussões sobre a sinodalidade são sobre o futuro – sobre traçar um caminho a seguir para o catolicismo, do católico individual à comunidade paroquial e à Igreja universal. Mas essas discussões inevitavelmente apelam ao passado: ao testemunho das Escrituras, à prática da Igreja primitiva, aos triunfos e tragédias medievais e, acima de tudo, ao Vaticano II e à sua recepção contestada.
Quando o debate se volta para a história, no entanto, raramente se reconhece que a própria tradição de governança sinodal da Igreja Católica perdurou até ao início da era moderna e funcionou como uma poderosa contranarrativa ao modelo ultramontano centralizado que vivemos hoje. De fato, a evolução do papado até sua forma moderna – como um mestre infalível de doutrina com autoridade jurisdicional direta sobre todos os outros bispos e sobre toda a Igreja – deve-se pelo menos tanto às batalhas eclesiásticas católicas internas no alvorecer da modernidade quanto aos estímulos externos à Igreja, como a secularização e o crescimento dos Estados-nação.
O Concílio Vaticano I, em 1870, pontuou a ascendência dessa nova visão do papado. A dramática vitória eclesiástica de Pio IX, um papa que não hesitou em se equiparar à Igreja e até à própria Tradição, também marcou o naufrágio da outrora poderosa tradição conciliarista. Esse naufrágio foi quase total, mas os destroços do pensamento conciliarista sobreviveram em costas firmemente ortodoxas.
Entre esses destroços, estavam conceitos que os católicos nunca perderam totalmente de vista e, ao longo do século XX, trouxeram de volta à tona: a colegialidade episcopal, o sacerdócio batismal dos leigos, o sensus fidelium e a recepção eclesial. É por isso que Yves Congar, com razão, chamou a derrotada minoria conciliarista do Vaticano I de “a vanguarda do Vaticano II”.
Em vez de lidar com o nosso próprio passado com honestidade, a nossa memória institucional como católicos é muitas vezes reformulada para se adequar a objetivos ideológicos. Os alegres progressistas podem ser tão culpados disso quanto os tradicionalistas mais defensivos e estreitos. Não podemos aprender com os nossos fracassos passados – ou mesmo com os nossos sucessos – a menos que olhemos para a história da Igreja com parrésia e humildade. Para a Igreja, assim como para qualquer família, enfrentar o passado com honestidade envolve muitas vezes desenterrar memórias que foram suprimidas.
As nossas discussões sobre a sinodalidade sofrem de amnésia histórica. Uma razão importante pela qual o desejo do Papa Francisco de relançar a sinodalidade para a Igreja contemporânea exigiu esforços hercúleos – e encontrou uma resistência tão obstinada e às vezes cruel – é que alguns dos antecessores deste papa foram tão eficazes em sua supressão e desfiguração.
É claro que a amnésia não é o único problema que afeta o discurso católico sobre a sinodalidade; ele também é afetado pela polarização e pelo triunfalismo. Recuperar memórias suprimidas sobre o nosso próprio passado conciliarista não resolverá instantaneamente esses outros problemas. Mesmo assim, devemos enfrentar o futuro equipados com um relato honesto sobre como chegamos aonde estamos.
Os católicos estadunidenses parecem particularmente propensos ao sarcasmo e à perplexidade quando discutem o apelo do Papa Francisco à sinodalidade. Alguns expressam (ou fingem?) total confusão, alegando que nem sequer sabem o que significa o termo “sinodalidade”.
Das páginas da First Things aos numerosos canais do YouTube, passando pela EWTN e pelas peculiares perturbações do Twitter católico, as mãos se levantam em frustração em relação ao Sínodo sobre a Sinodalidade. Alguns desses céticos veem o Sínodo deste mês como autorreferencial demais e preveem sombriamente que seu resultado irá emergir natimorto ou levará a mais divisões.
Críticos menos comedidos veem o Sínodo sobre a Sinodalidade como o ápice de um programa deliberado e herético de subversão. Um grupo extremo de críticos, mas de forma alguma insignificante, pensa que ou o próprio papa é um herege ou está pelo menos deliberadamente cego ao avanço generalizado da heresia.
A minha própria visão sobre o Sínodo é de otimismo e esperança. Penso que a ênfase do Papa Francisco na sinodalidade é um desenvolvimento positivo, uma tentativa de recuperar uma eclesiologia antiga com profundas raízes bíblicas e patrísticas. No entanto, acredito que a confusão, senão o veneno, que se encontra em muitos bancos, casas paroquiais e cúrias da Igreja estadunidense é compreensível e deve ser levada a sério.
O que explica isso? Por um lado, uma “hermenêutica da continuidade” bastante rígida tornou-se predominante na catequese, na apologética e em grandes segmentos da vida eclesial na nossa Igreja nacional. Isso ocorreu especialmente nos anos crepusculares de João Paulo II e durante todo o pontificado de Bento XVI, embora este último tenha deixado claro que as reformas do Vaticano II estavam em continuidade e em descontinuidade com o ensino e a prática do passado, embora "em níveis diferentes".
Os nossos seminários enfatizam uma base filosófica para a fé católica, mas muitas vezes negligenciam a história da Igreja, encobrindo sua complexidade e confusão. Nos círculos eclesiais dos Estados Unidos, a história da Igreja é frequentemente reduzida à apologética ou apresentada como uma série de quadros hagiográficos e “mitos anticatólicos” a serem desmascarados.
Não é de se admirar, então, que a sinodalidade seja difícil de entender para muitos bons católicos estadunidenses “ortodoxos”. Convertidos e revertidos, catequizados de uma certa maneira, podem achar que foram enganados. Se a Igreja – isto é, a hierarquia ou o magistério – ainda não possui “a Verdade” em sua plenitude ou não pode comunicá-la adequadamente, então por que ser católico, afinal de contas? – eles podem se perguntar. Para que serve um papa e um magistério supostamente infalíveis? Por que não praticar outro tipo de cristianismo ou mesmo abandonar totalmente a fé cristã?
Tal processo de pensamento provavelmente pareceria redutor para muitos outros católicos. Mas aqueles que trabalham em seminários, capelanias universitárias e muitas outras formas de ministério e pastoral nos Estados Unidos certamente encontrarão tais dúvidas por parte de jovens devotos e inteiramente sinceros.
O Papa Francisco certamente trouxe à tona uma série de tensões eclesiais, e a recepção (ou rejeição) do Vaticano II é relevante para todas elas. No entanto, os pontos básicos de pressão eclesiológica que surgem nas discussões sobre a sinodalidade têm histórias muito mais profundas.
Aponta-se frequentemente que os documentos do Vaticano II – e a Lumen gentium em particular – contêm duas eclesiologias, que se encaixam de forma bastante desajeitada. Como escreveu o historiador jesuíta Klaus Schatz, “a eclesiologia da jurisdictio ou, melhor, a do Vaticano I, e a ainda mais antiga e agora redescoberta eclesiologia da communio são postas lado a lado [no Vaticano II], mas permanecem desconectadas”.
Podemos então falar da eclesiologia do Vaticano II? A maioria conciliar esforçou-se por derrubar um juridicismo neoescolástico e ultramontano que tinha se tornado sufocante. As fontes dessa eclesiologia estavam nos períodos medieval e no início da modernidade. Inspirado pela teologia do ressourcement, o bloco majoritário tentou esboçar uma eclesiologia da “comunhão” que fosse essencialmente patrística. Mas tiveram sucesso apenas em parte.
Como observou o jovem Joseph Ratzinger logo após o Concílio, por mais que se interprete a “nota explicativa” da Lumen gentium - um apêndice ultramontano chamado Nota praevia, acrescentado por decreto papal no último minuto – essa coda certamente não fortaleceu a afirmação por parte do Concílio da colegialidade episcopal e muito menos ajudou a lhe dar alguma forma institucional.
É revelador que as ansiedades da minoria conciliar, outrora tão alarmada com a doutrina da colegialidade episcopal, se dissiparam em grande parte depois de terem visto a nota explicativa. Sobre a questão da autoridade romana centralizada à la Vaticano I, “a minoria nunca perdeu realmente o controle”, escreveu John O’Malley, SJ. De fato, como as últimas décadas “demonstraram de forma irrefutável”, o centro romano “emergiu ainda mais forte” depois do Concílio.
A relação entre a communio patrística e o juridicismo ultramontano no Vaticano II, portanto, foi “estranhamente assimétrica”, para citar o historiador Francis Oakley. “Não podemos deixar de pensar que algo, talvez alguma forma de mediação está faltando”, sugeriu Oakley. “E algo, de fato, está faltando.”
Devido a essa lacuna, é difícil culpar os católicos que afirmam que questionar ou mesmo se opor à sinodalidade não significa rejeitar o Vaticano II. Muitas dessas pessoas fizeram leituras defensáveis e sinceras dos documentos conciliares.
Apesar dessas dúvidas, eu li o projeto de sinodalidade de Francisco tanto como uma implementação adicional do Vaticano II quanto como uma tentativa de suavizar a “estranha assimetria” do Concílio. A evidência dessa assimetria nos documentos do Vaticano II é muitas vezes explicada em termos da política do compromisso, dos limites práticos do possível para a ala reformista, da sombra do Vaticano I ou da “caneta vermelha do Papa Paulo” (isto é, a inserção de intervenções por parte de Paulo VI, como a Nota praevia).
São todas boas explicações até aonde conseguem chegar. Mas uma compreensão mais profunda dessa assimetria só se torna possível se olharmos de perto para as raízes centenárias das tensões, confusões e ambiguidades que assolam o discurso católico sobre a sinodalidade.
Alguns críticos afirmam que o termo “sinodalidade” ainda é indefinido ou mesmo sem sentido. De fato, o significado do termo é bastante simples, e seus proponentes já o explicaram adequadamente muitas vezes para qualquer pessoa com ouvidos para ouvir.
No entanto, vale a pena perguntar por que uma Igreja de 2.000 anos de idade deve recorrer a um neologismo a fim de descrever uma prática eclesiológica que tem uma linhagem tão antiga. Acho que a resposta a essa questão está bem evidente. Tecnicamente, “sínodo” é sinônimo de “concílio”, embora hoje quase sempre usemos “concílio” para denotar apenas um concílio geral ou ecumênico (Niceia, Trento etc.), enquanto “sínodo” normalmente se refere a algo menor ou com menos autoridade.
O “sínodo” grego tem um sabor bíblico, patrístico e oriental; o “concílio” latino é distintamente ocidental. No entanto, até muito recentemente, “sínodo” era frequentemente usado de forma intercambiável com “concílio” – os manuais de teologia do século XX falavam dos erros do “Concílio de Pistoia”, um sínodo diocesano, enquanto o Vaticano II se referia muitas vezes a si mesmo como “este sagrado sínodo”.
Embora o Papa Francisco esteja claramente disposto a sacudir as coisas, ele sabe que promover o “caminho conciliar”, a “conciliaridade” ou um “concílio sobre a conciliaridade” poderia ser complicado demais mesmo para ele. O legado do “conciliarismo” como uma alternativa supostamente herética, não apenas ao ultramontanismo, mas ao próprio primado papal, está profundamente enraizado no DNA do catolicismo pós-Vaticano I. Coisas muito antigas, trazidas do depósito da tradição, às vezes precisam receber nomes novos.
Essa tradição muito antiga da eclesiologia católica oferecia, entre outras coisas, um quadro “constitucionalista” para o governo da Igreja. Esse “constitucionalismo conciliarista” é o elo perdido de Oakley, a “forma mediadora” entre a tradição jurídica papal, que dominou no Vaticano I, e a tradição patrística da communio, que se reafirmou no Vaticano II. Ambas surgem organicamente a partir das Escrituras e da tradição da Igreja. Nenhuma tradição pode ou deve derrotar a outra. O que é urgentemente necessário é encontrar um equilíbrio entre elas, que ainda permita uma consulta real e uma tomada de decisão deliberativa em que todos os batizados participem sob seus bispos, que estão unidos em comunhão hierárquica com o bispo de Roma.
O Papa Francisco vê claramente essa necessidade. Mas como nós, católicos, podemos “esperar construir um futuro capaz de durar”, para citar a assombrosa frase final do estudo de Oakley sobre o conciliarismo, se “persistirmos tentando fazer isso com base em um passado que nunca existiu de verdade?”
O documento de 2018 da Comissão Teológica Internacional sobre sinodalidade tentou traçar a história da sinodalidade desde as Escrituras e a Igreja primitiva até o presente. Embora não tenha considerado herética a tradição conciliarista, como outros fizeram, o documento da comissão evidencia um desconforto inequívoco com esse legado. Ele cita o princípio católico medieval de que “aquilo que diz respeito a todos deve ser tratado e aprovado por todos”, um arranjo que Yves Congar elogiou como “um regime concreto de associação e acordo”. A Comissão Teológica Internacional, no entanto, adverte que “esse axioma não deve ser entendido no sentido do conciliarismo a nível eclesiológico, nem do parlamentarismo em nível político” (n. 65).
Na verdade, monumentos à eclesiologia conciliarista pontilham a paisagem do último milênio da história católica, mas a Comissão Teológica Internacional parece não ter muita certeza do que fazer com eles. O Concílio de Constança (1414-1418), que aplicou a eclesiologia conciliarista à crise provocada por três homens que afirmavam ser papas, é discutido no artigo 34 do documento da comissão. Mas o próprio conciliarismo é descrito como uma reação exagerada a essa crise. O Concílio de Constança, dizem-nos, resolveu o cisma papal aplicando medidas canônicas de emergência, e não fazendo o que o próprio concílio proclamou que estava fazendo no decreto Haec sancta – isto é, representando a Igreja universal em um concílio geral que recebia sua autoridade diretamente de Cristo.
A Comissão Teológica Internacional equipara, então, o conciliarismo às tentativas de “instaurar a superioridade do regime conciliar permanente sobre autoridade do papa” [n. 34]. Provavelmente é uma referência ao decreto Frequens, de Constança, que exigia a convocação de um concílio ecumênico a cada dez anos, uma estipulação que o papado temia profundamente, aceitou com relutância e mais tarde ignorou.
Os Padres conciliares de Constança viam a convocação regular de concílios não apenas como uma forma de evitar o despotismo eclesial ou como um dispositivo para lidar com situações excepcionais, como vários homens que afirmavam ser papa. Não, consultas e deliberações sinodais frequentes foram previstas por Constança como o modo normal para um governo saudável da Igreja.
Mas o artigo 34 do documento de 2018 da Comissão Teológica Internacional descreve esse conciliarismo como uma inovação contrária ao primado papal e, portanto, “não em conformidade com a Tradição”, e não como uma tradição eclesiológica muito antiga que existiu ao lado de outras e foi consagrada nos textos dos concílios ecumênicos.
Alguns dos problemas eclesiológicos que surgiram nessa época problemática da história da Igreja permanecem sem solução. Encontramos vestígios dessa história de trauma eclesial em lugares estranhos e interessantes.
Por exemplo, hoje a lista oficial dos papas válidos no Anuário Pontifício exclui os eleitos pelo Concílio de Pisa (1409), uma tentativa conciliarista de resolver o cisma papal pouco antes de Constança. No entanto, quando o notório Rodrigo Bórgia foi eleito papa em 1492, ele assumiu o nome de Alexandre VI em vez de V, embora Alexandre V (falecido em 1410) tenha sido eleito pelo Concílio de Pisa em oposição ao papa romano, Gregório XII. Consequentemente, a lista oficial de papas salta de forma bastante suspeita de Alexandre IV para Alexandre VI.
Ainda em 1958, Giuseppe Roncalli hesitou antes de escolher o nome João ao ser eleito papa. Ele era o 23º ou o 24º com esse nome? (O sucessor de Alexandre V na linha pisana havia assumido o nome de João XXIII.) Quando o Papa Roncalli finalmente decidiu que usaria o nome de João XXIII, ele deixou claro que não estava emitindo nenhum julgamento definitivo sobre quaisquer questões espinhosas surgidas da era conciliarista. Os editores curiais da Acta Apostolicae Sedis não sofreram tais reticências. Eles fizeram questão de extrair esse registro da humildade do Papa Bom no texto oficial publicado de seu discurso.
O documento da Comissão Teológica Internacional não fez nenhuma tentativa de desembaraçar esses nós históricos e teológicos, que podem ser considerados pouco mais do que curiosidades. Mas lacunas e silêncios mais estranhos aparecem no esboço histórico da Comissão Teológica Internacional.
O documento passa para a Reforma Protestante e a resposta católica a ela no Concílio de Trento. Os sínodos diocesanos e provinciais pós-tridentinos, especialmente os de São Carlos Borromeu em Milão, são destacados com razão. O que não se menciona é que, embora os Padres conciliares de Trento imaginassem os sínodos diocesanos e os concílios regionais como mecanismos principais para a reforma da Igreja, a bula papal que confirmava os decretos de Trento não fazia nenhuma menção aos sínodos.
Por meio de hábeis manobras, o papa e a Cúria conseguiram se apossar da deutungshoheit (soberania interpretativa) sobre o Concílio. Um movimento fundamental para esse fim foi a criação romana da Congregação para o Concílio. O significado de Trento – o que significava ser fiel a Trento e, portanto, à ortodoxia católica – passou a ser definido por Roma. Para os bispos e as Igrejas locais, citando Ulrich Lehner, “a recepção tornou-se o equivalente à observância”.
Portanto, não é surpreendente que no documento da Comissão Teológica Internacional um silêncio conspícuo paire sobre os séculos XVII e XVIII inteiros. A história só é realmente retomada no Concílio Vaticano I, em 1870, quase 300 anos depois. Naquela época, o cardeal Manning podia afirmar com confiança que “o ultramontanismo é o cristianismo católico” – uma afirmação que teria sido ridicularizada no século XVIII.
Em 1870, porém, os remanescentes da outrora poderosa tradição conciliarista certamente não estavam rindo. No Vaticano I, o partido ultramontano conseguiu definir dogmaticamente a supremacia jurisdicional e a infalibilidade papais. Esta última definição foi especificamente elaborada para rejeitar até mesmo a insistência conciliarista mais moderada de que os ensinamentos de um papa devem estar de acordo com o “consentimento da Igreja” anterior ou subsequente para serem considerados irreformáveis. Foi com respeito a essa questão que o Papa Pio IX gritou de forma infame: “Eu, eu sou a Tradição! Eu, eu sou a Igreja!”.
Para seu crédito, a Comissão Teológica Internacional reconhece alguns precedentes para a nossa compreensão contemporânea da sinodalidade no século XIX. O artigo 38 do documento diz:
“A necessidade de uma pertinente e consistente retomada da práxis sinodal na Igreja Católica é anunciada já no século XIX graças à obra de algumas vozes proféticas como Johann Adam Möhler (1796-1838), Antonio Rosmini (1797-1855) e John Henry Newman (1801-1890), que remetem às fontes normativas da Escritura e da Tradição, prenunciando a renovação propiciada pelos movimentos bíblico, litúrgico e patrístico.”
Essas figuras merecem o elogio que recebem como precursores dos movimentos de renovação do século XX e do Concílio Vaticano II. Mas por que, poderíamos perguntar, a “práxis sinodal na Igreja Católica” precisou ser retomada no século XIX?
Poderíamos inferir corretamente – embora a comissão não o diga – que a centralização romana havia se tornado sufocante. Quando e por que isso ocorreu? O documento da Comissão Teológica Internacional elogia a era dos grandes reformadores tridentinos como São Carlos Borromeu. Mas o que aconteceu nos quase 300 anos entre os sínodos provinciais de Borromeu e a afirmação do cardeal Manning de que o ultramontanismo coincide com a ortodoxia católica?
A resposta é que muita coisa aconteceu, mas não muita coisa que pudesse ser plausivelmente organizada em apoio a uma campanha liderada pelo papa em prol da sinodalidade. Meu objetivo não é criticar a Comissão Teológica Internacional. Ela produziu um documento útil e não pretendia oferecer uma visão histórica completa. Em todo o caso, ela estava apenas seguindo uma tendência estabelecida na narratividade histórica eclesial.
As décadas entre Trento e o início do século XIX permanecem como uma espécie de “período morto” eclesiológico. Quando esse período é narrado, geralmente é descartado como uma época monótona e improdutiva – um tempo em que os bajuladores clericais se humilhavam diante dos soberanos e se vendiam aos ideais do Iluminismo ou a várias heresias. Com exceção de alguns defensores ferrenhos do papado que foram justificados pelo Vaticano I, esse período é comumente considerado notável apenas pelo longo inventário de “ismos” condenados que ele produziu – richerismo, jansenismo, galicanismo, cisalpinismo, febronianismo, josefismo etc. Garrett Sweeney escreveu que essas ideias fracassadas foram “lembradas apenas por anátemas e definições preservadas como moscas mortas nas páginas âmbar do Denzinger”.
Pelo menos alguns desses temidos “ismos” eram de fato corrosivos para a unidade católica, especialmente quando apoiavam a interferência indevida do Estado na Igreja. No entanto, a política de terra arrasada de Roma tendia a descartar o bom junto com o mau, especialmente quando se tratava de eclesiologia. A prática sinodal tinha de ser relançada não porque tivesse caído no esquecimento depois de Borromeu, mas porque havia sido ativamente suprimida em uma campanha para estabelecer o poder romano hegemônico na Igreja.
As questões cristalizaram-se quando a luta entre o galicanismo e o ultramontanismo se tornou uma disputa entre duas concepções alternativas de governo da Igreja. No modelo galicano, que todos os jansenistas acabaram apoiando, o ensino e o governo do papa deveriam ser sempre exercidos colegialmente com os bispos. O desejo de uma condenação papal do jansenismo, ironicamente solicitado pelo rei Luís XIV, o grande defensor das liberdades galicanas, forçou a Igreja francesa a articular um modelo preciso para a recepção do ensinamento papal.
O arcebispo de Toulouse, Pierre de Marca (1594-1662), forneceu essa eclesiologia, baseada na antiga Igreja africana, que preservou a universalidade e a comunhão por meio de um compromisso de participação em todos os níveis de governança da Igreja. A Comissão Teológica Internacional menciona essa eclesiologia, mas apenas como uma realidade patrística: o documento de 2018 descreve belamente a eclesiologia sinodal em uma discussão sobre São Cipriano, o bispo de Cartago do século III (n. 25). O documento não menciona que esses princípios também foram defendidos pelos mesmos católicos modernos que os ultramontanistas acusaram com sucesso de hereges no período que antecedeu o Vaticano I.
O historiador da Igreja francês Jacques Gres-Gayer explicou como os primeiros católicos modernos entendiam esse modelo cipriânico e patrístico de eclesiologia sinodal:
“Esse ‘modelo participativo’ parece ter-se desenvolvido segundo os moldes de uma concepção jurídica e política da Igreja, uma vez que sublinhava duas dimensões constitutivas: a comunhão em nível horizontal e a representação em nível vertical. Nessa perspectiva, o que constituía a Igreja Católica era a unidade de fé manifestada pela comunhão das diferentes Igrejas (locais), sendo um elemento necessariamente a sua comunhão com a Igreja romana. A fé comum, porém, pertencia a todo o corpo e, portanto, precisava não apenas ser expressada, mas também ‘verificada’. Essa tarefa foi assumida eminentemente, embora idealmente, pelo Concílio geral, ‘representando a Igreja’, mas apenas na medida em que refletia o culminar de um longo processo de representação, por meio de sínodos, desde a comunidade local até essa assembleia geral. Nessa concepção, os ‘representantes’ não atuavam como delegados – não era um processo democrático – mas como testemunhas. Isto é, representavam a fé de sua Igreja de origem, com o propósito de expor, sob a assistência do Espírito, a fé da Igreja Católica. É por isso que, para ser autenticada, sua decisão tinha que ser aceita, ao longo de um sentido inverso, pelo concílio até às comunidades locais.”
Fica claro na Acta do Vaticano II que o bloco majoritário reformista dos Padres conciliares lidou com bastante habilidade com esse legado. A minoria ultramontana e neoescolástica certamente estava consciente dos paralelos desconfortáveis entre os ideais do ressourcement e as agendas condenadas de reforma católicas do início da modernidade.
Durante os debates do Concílio, os líderes da minoria apontaram para esses paralelos (por exemplo, sobre a liturgia vernácula, a liberdade religiosa e especialmente sobre a colegialidade). Mas sem sucesso: ao reviverem elementos da eclesiologia conciliar, sinodal e participativa, os Padres conciliares recusavam-se a ser encurralados por um ultramontanismo estreito.
Muitas das reformas eclesiológicas do Vaticano II – aquelas que têm a ver com a colegialidade episcopal, uma teologia renovada do laicato, uma concepção mais difusa de infalibilidade, o sensus fidelium, a liberdade religiosa etc. – são agora corretamente entendidas como recuperações da Igreja primitiva. E há boas razões pelas quais os Padres conciliares (e, mais tarde, a Comissão Teológica Internacional) os apresentariam dessa forma.
Mas certamente não é necessário recuar até a Paris do fim da Idade Média ou até Constança, muito menos até a Cartago do século III para encontrar precedentes para essas reformas. Todas foram promovidas ainda no século XIX por católicos no Líbano, na Toscana, em Londres, na Carolina do Sul e no Peru. Esses católicos inspiravam-se profundamente na antiga e venerável tradição do constitucionalismo conciliarista católico. No entanto, quando são lembrados hoje, geralmente são mencionados apenas como os perdedores da história.
Para citar um padre popular que atacou o Papa Francisco e o Sínodo sobre a Família de 2014-2015 em um artigo do Catholic Herald, esses primeiros católicos modernos eram “tios excêntricos e primos peculiares que todos nós sentimos que é melhor esquecer”.
Nos Estados Unidos, a crise em torno de dizer a verdade não é apenas social e política, mas também eclesial. O fracasso sistemático da Igreja em dizer a verdade sobre o abuso sexual clerical é um exemplo particularmente grave dessa crise.
Uma pessoa que não consegue enfrentar o seu próprio passado (ou que mente consistentemente sobre ele) fica impedida de alcançar a plena maturidade e uma integração saudável. Simplificando, tal pessoa não pode crescer. Da mesma forma, a Igreja, se não conseguir ou não quiser dizer a verdade sobre seu próprio passado, não poderá florescer plenamente e estará condenada a uma espécie de imaturidade eclesial.
O Vaticano II deu uma série de primeiros passos importantes: rumo ao ecumenismo, rumo à colegialidade, rumo a visões mais honestas da história apoiadas pela investigação crítica, rumo a uma integração mais significativa de leigos e leigas, rumo a um verdadeiro acerto de contas com os fracassos do passado, sejam eles intelectuais ou morais.
Igualmente importante é o fato de a Igreja se ter afastado de um triunfalismo que muitas vezes se centrava mais no poder institucional, na autoridade e no prestígio do que no pobre carpinteiro de Nazaré e na boa nova que ele pregou.
O Papa Francisco deveria ser elogiado por tomar o Concílio como um ponto de partida para a Igreja peregrina e por confiar que o Espírito Santo está ativo no coração de cada batizado. O catolicismo moderno está repleto de ironias. O papalismo extremo que esteve em ascensão em grande parte do mundo católico a partir de meados do século XIX é obviamente antitético à visão de sinodalidade que está agora sendo vigorosamente promovida por um papa, entre todas as pessoas.
Mas talvez apenas o Romano Pontífice, com sua jurisdição universal e imediata sobre todos os católicos e todas as Igrejas locais, possa devolver o catolicismo a uma constituição mais antiga e mais bíblica. A criação intencional de uma “bagunça” sinodal pelo Papa Francisco pode ser a única forma de desemaranhar o paradigma ultramontano. Uma situação paradoxal, sem dúvida, e arriscada. Mas não sem nenhuma esperança.