27 Setembro 2023
"Matei o professor Vittorio Bachelet em 12-02-1980, no fim de uma aula na Faculdade de Ciências Políticas. Eu estava esperando por ele. Desceu as escadas seguido e cercado por seus alunos. Eu estava vestida como um deles, casacão, calças, botas, e um gorro de lã na cabeça. Fui em direção a ele e disparei onze tiros. Só levou um instante. Apenas enquanto ele caia olhei para ele, vi seus cabelos grisalhos, os óculos, o casaco azul… Não havia sido eu quem identificou o alvo nem conduziu a pesquisa. O professor Bachelet era um alvo muito fácil, não tinha escolta e fazia sempre os mesmos caminhos".
Conheci o “alvo muito fácil” de quem fala Anna Laura Braghetti em seu O Prisioneiro. Eu tinha 21 anos e era vereador em Roma. Bachelet havia sido eleito pela DC, creio que por vontade de Moro, e durante as longas sessões da assembleia entre nós se estabeleceu uma relação especial. Falávamos do compromisso histórico, da DC e do PCI, das nossas famílias, de Deus e do ser humano. Quando o mataram, o “alvo muito fácil”, eu sofri. Ao lado dele naquele dia estava a sua assistente, Rosy Bindi. Poucos dias depois, no seu funeral, ouvi, emocionado pela grande força, o seu filho Giovanni pronunciar estas palavras, inéditas naquele tempo de ódio e sangue: “Rezemos pelos nossos governantes, pelo nosso presidente Sandro Pertini, por Francesco Cossiga. Por todos os juízes, polícias, carabineiros, agentes penitenciários e todos aqueles que hoje, nas suas diversas responsabilidades, na sociedade, no Parlamento, nas ruas, continuam a combater na primeira fila a batalha pela democracia, com coragem e amor. Queremos rezar também por aqueles que atingiram o meu pai, para que sem tirar nada da justiça, que deve triunfar, haja sempre o perdão nas nossas bocas e nunca a vingança, sempre a vida e nunca o pedido da morte alheia”.
A entrevista com Giovanni Bachelet é de Walter Veltroni, publicada por Corriere della Sera, 25-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Hoje peço a Giovanni que pense no seu pai, em como ele era.
Uma pessoa terna, inclusiva, perdia tempo persuadindo também a nós, adolescentes rebeldes. Sabia liderar, teve papéis importantes, mas fazia isso com convicção. Eu estudava na escola municipal Mamiani, entre 1968 e 1975. Na época, alguns pais tendiam a não mandar seus filhos para esse tipo de escola para protegê-las do risco do contágio extremista. Eu estudei até a oitava série numa escola de padres irlandeses. Queria ficar lá, mas meus pais me matricularam, quase à força, na Mamiani: ‘É preciso frequentar a escola de todo mundo, não se fechar na bolha, não se separar em reservas indígenas onde todos são iguais. É preciso viver no mundo de todos, não apenas no restrito mundo pessoal. É preciso aprender a ficar com todos. Você vai participar das assembleias, mas precisa formar a sua própria opinião, não se agregar passivamente. Pensar com a sua própria cabeça, não fugir’. Ele era aberto, mas com princípios importantes, não era do tipo ‘quem não está comigo está contra mim’.
Pergunto a Giovanni se o pai dele sentia medo.
Não, medo não, mas ele certamente não era inconsciente. Naquele tempo, do qual não devemos sentir saudades, qualquer pessoa que assumisse um cargo importante tinha que levar em conta os riscos. Ele dizia: ‘Se todos nos andarmos com quatro pessoas ao nosso redor corremos o risco de dar razão a quem diz que a Itália é um país militarizado. Eu aceitei esse cargo, se tivesse medo renunciaria'.
Ele não tinha medo, mas estava consciente.
Naquele período matavam uma pessoa por semana. Lembro-me de quando não se conseguia compor o júri do processo das Brigadas Vermelhas de Turim porque os terroristas haviam dito que matariam qualquer um que aceitasse aquela função. Na televisão entrevistaram um dos poucos que aceitou e perguntaram se ele estava com medo. Aquele homem respondeu: ‘Sim, tenho medo, mas o guardo para mim’. Meu pai comentou: ‘Que bom, outra pessoa teria feito um discurso, uma proclamação ética moral, em vez disso ele apenas disse a verdade’. Talvez aquelas palavras também valiam para ele, para o seu estado de espírito.
Como vocês viveram os dias de Moro em família?
Os dias do sequestro foram muito difíceis. Com o tempo entendi melhor as razões de quem pedia iniciativas humanitárias para salvá-lo, mas quem sabe... Meu pai nunca falou sobre esse tema publicamente, mas nos disse que, se o tivessem sequestrado, não deveríamos acreditar nas palavras que lhe seriam atribuídas porque naquela condição a dimensão da autonomia de pensamento é fortemente condicionado pela remoção da liberdade. Então acredito que ele realmente esperasse que Moro pudesse ser libertado e estivesse preocupado com o destino da democracia. As Brigadas Vermelhas atiravam nas pessoas, como os católicos democráticos da época, que tentavam ir além dos limites da Guerra Fria antes que a guerra fria acabasse. Havia, entre eles e a esquerda e o PCI, uma curiosidade também cultural, havia a matriz comum da Resistência, havia o estar do lado dos últimos, por fé e/ou por consciência civil. Os terroristas atiravam contra quem dialogava, mas também contra outros, por interesses mais obscuros, penso na P2, eles queriam fechar aquela fase de encontro que talvez, talvez mais para Moro do que para Berlinguer, deveria ter sido apenas uma passagem de legitimação, após a qual se teria conhecido a alternância no governo. A loucura subversiva dos terroristas se encontrou com interesses mais sólidos. Só para exemplificar: Ruffilli estava trabalhando em uma reforma institucional nesse sentido, o que aconteceu ao meu pai no CSM, um da P2, se esforçou para conseguir o passaporte para Calvi....
As suas palavras no funeral foram de rejeição ao ódio, não de remoção da violência.
Aquela oração não foi só minha, foi produto de toda a família. Nós a elaboramos juntos. Era um texto muito ponderado, também politicamente. A oração, a rejeição do ódio e do espírito de vingança não significava vamos cancelar tudo, estamos todos em guerra, vamos fazer a paz. Nós não temos nada para vingar, mas cada um tem a sua responsabilidade. Quando se tenta justificar o terrorismo com o ‘clima político’ daqueles anos, lembro-me sempre que o artigo 27.º da Constituição diz que a responsabilidade penal é pessoal. Quando você pega uma arma para matar um sujeito é você quem faz isso, não ‘o clima político’. Eu conheci Braghetti fugazmente numa conferência da Caritas no Campidoglio. O irmão do meu pai, Adolfo, os encontrava seguidamente na prisão e ele manteve o diálogo com eles. Fiquei feliz em delegar essa função a ele, porque houve um período em que se dizia, vamos virar a página, vamos esquecer o passado... Como se estivéssemos na África do Sul, tivesse havido a guerra civil e nos devêssemos reconciliar. Falou-se muito das palavras da minha oração na igreja, mas eu não pensava que devêssemos nos reconciliar. Não éramos iguais, eu não atirava em ninguém e meu pai também não. Naquele tempo alguns atiravam e outros eram mortos. Era uma assimetria terrível. Outra coisa era superar as restrições impostas pelas leis Cossiga. Ninguém lembra que o CSM, meu pai vice-presidente, deu um parecer negativo porque percebeu uma alteração das garantias democráticas, por exemplo na triplicação da duração das penas aflitivas. Justiça e direitos foram a sua inspiração.
Como ficou sabendo do atentado contra o seu pai?
Às seis da manhã, eu estava em Nova Jersey. Vieram dois amigos, um avisado por um jornalista da Ansa e outro por minha mãe e minha irmã. Acho que meus familiares fizeram isso porque, dado o meu histórico de depressão, preferiram que estivesse presente alguém quando eu ficasse sabendo da notícia. Lembro-me do último telefonema que tive com meu pai, alguns dias antes que o matassem. Eu estava nos EUA a trabalho e disse a ele: "Como o senhor está, pai?" "Bem, quando ouço a tua voz".
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“Meu pai Vittorio estava com medo, mas o guardava para si. Rezei pelos terroristas, mas nunca pensei que devêssemos nos reconciliar”. Entrevista com Giovanni Bachelet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU