15 Agosto 2023
A antropóloga e professora ecofeminista Yayo Herrero é clara: a educação não está levando em conta a crise ecossocial que estamos atravessando. Estamos educando, conforme aponta Herrero, contra aspectos essenciais para a vida do futuro. São argumentos que explica detalhadamente em seu novo livro, Educar para la sostenibilidad de la vida (Octaedro), onde também explica o que devemos mudar para poder alcançar o maior bem-estar possível.
A entrevista é de Carlos Madrid, publicada por Ethic, 14-08-2023. A tradução é do Cepat.
A educação está afastada dos problemas reais que temos de enfrentar no momento, como, por exemplo, a mudança climática?
Do meu ponto de vista, sim. Quando dizemos educação, não nos referimos a todas as pessoas que educam, nem a todas as escolas, porque há muitas pessoas fazendo um trabalho valioso.
Estamos falando de problemas que foram anunciados no Relatório Meadows, em 1972, e embora a educação foi nomeando alguns deles, a conclusão é que a crise ecossocial não está presente como deveria estar na educação.
Sobretudo, considerando que as gerações que estão estudando agora são as que terão que enfrentar uma realidade que mudará muito em comparação com a de alguns anos atrás.
No livro, diz que mais do que não se adaptar a esses problemas, a educação se tornou uma estratégia inadaptável. Por quê?
Estamos educando as novas gerações contra a sua própria sobrevivência. Se a escola e a educação reproduzem um modelo que busca estar baseado no crescimento permanente da extração de bens da terra, de consumos e geração de resíduos, estamos educando as pessoas em uma realidade inadaptada.
Na educação, a sacralidade do crescimento econômico como questão básica para manter a vida permanece inquestionável. Um modelo de desenvolvimento que, sem dúvida, proporcionou bem-estar a uma parte não tão grande do planeta, mas que não pode ser mantido.
Por mais que queiramos, a comunidade científica nos diz que teremos que viver com menos energia, com menos materiais, com menos bens da Terra... por isso, continuar educando assim é inadaptável.
Como chegamos até aqui?
A cultura ocidental é uma das únicas que se estabeleceu olhando a Terra a partir do externo, da superioridade e da instrumentalidade. Ou seja, como se não fizéssemos parte da natureza, quando a questão é que não há nada que necessitemos que não proceda dela.
Além disso, temos um modelo de concepção científica que está relacionado com essa visão de controle sobre a natureza e a crença de que o progresso humano é uma forma de escapar desses limites da natureza. E, por último, temos o capitalismo.
Não me refiro ao capitalismo como ideologia, mas como uma espécie de antropologia: uma forma de nos organizarmos materialmente que se declara em rebeldia contra qualquer tipo de limite e cujo elemento básico é o crescimento.
Para isso, utiliza a energia fóssil e a tecnociência. Esta última, aliás, colocou-se a serviço da ideia de progresso material, mas não das condições para que a existência de todos e todas seja boa.
Então, o que deveria mudar? Em suas palavras, como seria uma educação baseada na sustentabilidade da vida?
Em primeiro lugar, seria necessário colocar o conhecimento de como a vida se sustenta no centro de todas as disciplinas e de todas as etapas. É importante que estejamos conscientes de que somos uma espécie ecodependente: dependemos da água, do ar... e estes não são controláveis pelo ser humano (e sem eles, não existiríamos).
Além dessa consciência, seriam necessários conhecimentos acerca do fato de que vivemos em interdependência com o restante: uma vida solitária é impossível, já que nos deram à luz, vão cuidar de nós, precisamos de água, um teto... E outro elemento importante seria aprender a desenvolver, com imaginação e memória, quais são os mundos desejáveis em que gostaríamos de estar.
Quando falamos de mudança ou crises climáticas, projetamos algumas visões distópicas que podem alimentar uma espécie de futurofobia ou ecoansiedade. No momento de educar, também podemos ajudar a buscar novos horizontes de vida desejáveis, novas formas para que todos vivamos dignamente.
Aponta que para a mudança acontecer é preciso criticar nossa própria cultura. Que deveríamos dar mais importância aos cuidados, aos saberes sobre a saúde, a mediação de conflitos e outros pontos, que são os que, ao final, estão na base da sobrevivência. Ou seja, basearmo-nos no ecofeminismo.
As visões ecofeministas não são apenas para as mulheres, permitem organizar a vida de outra maneira. Sua virtude é que raciocinam, propõem e constroem colocando a vida no centro, garantindo uma boa existência para todos e todas. Também para as outras espécies.
Nós nos referimos a não sofrer violência de nenhum tipo, a olhar para o futuro com esperança, que ninguém tenha medo de não comer alimentos de qualidade, de não poder se aquecer quando está muito frio... todas essas coisas que precisamos para estar vivos e que deveriam estar garantidas no contexto material que temos.
Alguns passos que, afirma, vão nos levar a uma nova cultura da Terra. Em que se basearia, exatamente?
Essa é uma ideia muito trabalhada pela comissão de educação de Ecologistas en Acción de Madrid [organização da qual foi coordenadora estadual]. Nela, buscou-se esmiuçar quais são os aspectos essenciais para se ter uma vida digna.
Entre eles, como temos que decrescer, a necessidade de viver do sol atual, do fechamento de ciclos, da cooperação e o apoio mútuo. Em definitivo, trata-se de colocar a vida no centro.
Como tudo isso se acomoda na digitalização do ensino?
É óbvio que, no plano material, a digitalização é uma atividade tremendamente insustentável. Para seu uso é preciso fabricar computadores, celulares, implantar a tecnologia 5G... algo que acarretaria uma quantidade imensa de energia e materiais. É preciso ter consciência de que isso é impossível.
Por outro lado, acredito que boa parte das soluções para esse momento passa por melhorar as relações pessoais. Relações pessoais que não sejam virtuais, já que vemos como nas redes sociais é muito fácil insultar e polarizar, ao passo que nos encontros pessoais há mais possibilidades de criar um marco de consenso positivo, algo que vamos precisar.
Portanto, a escola deve desenvolver todas as habilidades de escuta, de busca de consenso e do bem comum, condições que não se dão tanto nos universos digitais. Dito isto, as tecnologias digitais existem e na educação devemos abrir um debate sobre o para que e como as queremos utilizar, se desejamos colocar a vida no centro.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Estamos educando as novas gerações contra a sua própria sobrevivência”. Entrevista com Yayo Herrero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU