05 Agosto 2023
"As informações oficiais indicam que a falta de água potável e esgotamento sanitário é largamente vivido na região norte, mas o Relatório do CIMI confirma que entre os povos indígenas esse problema é vivido de forma mais agravada".
O artigo é de Sandoval Alves Rocha, SJ, doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
O Conselho Indígena Missionário – CIMI apresentou à sociedade o relatório Violência contra os Povos Indígenas com dados de 2022, mostrando as agressões que essas populações têm sofrido ao longo dos últimos anos. O documento fornece informações impactantes, trazendo à tona a política genocida implantada no Brasil, sobretudo no último quadriênio.
Em um dos textos que compõe o Relatório Dom Roque Paloschi, Arcebispo de Porto Velho (RO) e presidente do CIMI, denuncia a articulação de um movimento no interior do Governo Bolsonaro, que tinha a clara intenção de exterminar pessoas, comunidades e povos originários. Para o clérigo, nos últimos anos, a perversidade foi alimentada por discursos de governantes e por medidas que promoviam os crimes, dando a eles ares de legitimidade.
O que mais causou asco e indignação, segundo Paloschi, foi perceber a satisfação dos agressores naquilo que se fazia contra os povos indígenas. Nada os continha; ao contrário. Aqueles que deveriam agir e pôr fim às agressões, na verdade as incentivavam. A morte era uma predileção. Parecia uma caçada aos originários filhos e filhas do Brasil.
Entre as agressões a esses povos, o Relatório menciona a falta de água potável e esgotamento sanitário, configurando uma violação aos direitos mais básicos dessas comunidades, como o direito à saúde. Em 2022, o documento registra 87 casos de desassistência na área da saúde, afetando indígenas em 17 Estados brasileiros. Todos os Estado da Amazônia foram vítimas desse tipo de violência: Acre (2 casos), Amapá (1 caso), Amazonas (14 casos), Pará (5 casos), Rondônia (3 casos), Roraima (9 casos) e Tocantins (5 casos).
Como casos de desassistência à saúde, destacam-se aqueles que dizem respeito a situações de vulnerabilidade ocasionadas por falta de sistema de abastecimento de água potável e saneamento básico. No norte, a falta de acesso à água potável e saneamento foi registrada em comunidades, aldeias e territórios indígenas do Acre, Amazonas, Pará, Roraima e Tocantins. Sem esses serviços, as comunidades são obrigadas a beber água do rio e da chuva, o que tem provocado adoecimentos frequentes e infecções gastrointestinais, com casos de diarreia e vômito em crianças.
Muitos problemas de saúde decorrem das disputas territoriais que envolvem os povos indígenas, ocasionando a poluição dos cursos d’água por agrotóxicos, com a consequente contaminação de comunidades, especialmente de crianças.
Na Amazônia, a contaminação das águas se dá principalmente pelo mercúrio utilizado nos garimpos ilegais. Em Julho de 2022, a Hutukara Associação Yanomami relatou numa carta que das comunidades atendidas pelo Dsei-YY (Yanomami e Ye’kwana) apenas 10% tem acesso à água potável por poços artesianos e outros sistemas de captação hídrica. A imensa maioria dos indígenas precisa se abastecer da água de rios poluídos pelo garimpo.
No Estado do Amazonas, o Relatório mostra, por exemplo, o caso da terra indígena Kalina do Médio Juruá, do Povo Kalina, que fica no município de Eirunepé. Os indígenas vêm denunciando há tempos a falta de água potável e saneamento básico nas comunidades. Muitas solicitações já foram ignoradas. O poder público tem descumprido suas obrigações junto a esses povos e a situação vem se agravando a cada ano.
Em Manaus, já tivemos oportunidade de socializar o problema da falta de água e esgotamento sanitário entre os povos indígenas. Esse sofrimento é vivido tanto nas áreas rurais quanto nas zonas urbanas da cidade, mas a concessionária de água e esgoto ignora essas necessidades, descumprindo o contrato de concessão. A discriminação e o racismo muitas vezes fazem com que os indígenas desistam de buscar atendimento e fiquem totalmente desassistidos.
As informações oficiais indicam que a falta de água potável e esgotamento sanitário é largamente vivido na região norte, mas o Relatório do CIMI confirma que entre os povos indígenas esse problema é vivido de forma mais agravada. A trajetória de discriminação e agressões contra esses coletivos é reforçada no descumprimento desses direitos fundamentais. Juntamente com a negação de suas terras, tais crimes confirmam a intenção de tornar a vida dessas pessoas mais difíceis.
Os violentos se alimentam com a angústia e o sangue de inocentes, com a voraz insanidade de manter em curso a economia da destruição, que não permite o Bem Viver em plenitude dos povos originários. Por uma questão de sobrevivência, esses povos são obrigados a se manterem em resistência.
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A falta de saneamento reforça o genocídio indígena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU