08 Julho 2021
A dificuldade de ter água para beber, água de qualidade num lugar onde a abundância de água impressiona. Isso acontece na região do Alto Solimões, na Tríplice Fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru, no coração da Amazônia. Numa floresta de grande biodiversidade, muitas vezes sua riqueza é saqueada por parte de potências econômicas estrangeiras e também brasileiras.
Mapa da Tríplice Fronteira Brasil, Peru e Colômbia
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Trata-se de uma região com grande presença indígena, onde o povo mais numeroso é o povo Tikuna. Ao mesmo tempo, essa é uma região com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e de acesso a serviços de saneamento básico no Brasil. Nesta região, no município de Santo Antônio do Iça, se encontra a paróquia de Santo Antônio de Lisboa, que conta com 36 comunidades, a grande maioria no interior do município, 3 na beira do Solimões e 25 nas margens do Rio Iça. Além disso existem mais 27 comunidades de outras igrejas.
Mapa das microrregiões do Amazonas
Diante da realidade que é vivida nas comunidades, desde a paróquia “todas queremos acompanhar na defesa e promoção da vida, pois a água é um bem e um direito fundamental. O Deus da Vida não faz diferenças de religiões!”, segundo o padre Gabriel Carlotti, que junto com o padre Gabriel Burani, são missionários fidei donum na paróquia. Segundo os missionários da diocese de Reggio Emilia, na Itália, “apesar de o bioma Amazônico ser abundante em recursos hídricos o acesso à água potável e de qualidade não está garantido à maioria dessas comunidades. Seja pela sazonalidade do rio, com cheias e secas extremas, seja pela má qualidade da água que é captada bruta em rios, córregos ou poços”.
Comunidade de Santo Antônio do Içá
Uma alternativa usada pelas comunidades é a captação da água da chuva, um projeto em que a paróquia de Santo Antônio de Lisboa está colaborando, oferecendo para as comunidades caixas d’água de polietileno com capacidade de 500 litros para viabilizar a captação da água da chuva. Segundo os missionários, “temos consciência que isso não resolve todos os problemas, precisamos também de uma educação para a captação, o tratamento e a conservação da água da chuva para que não fique contaminada”.
Ao mesmo tempo denunciam que “o poder público teria as condições de viabilizar uma melhor solução ao problema da falta de água de boa qualidade, mas, infelizmente, muitas vezes falta vontade política”. Junto com isso, afirmam que “nos dias de hoje uma política em favor da vida é mais difícil de se ver em nosso País”. Na região amazônica, “aumentou o desmatamento em favor das madeireiras, da criação de gado e do agronegócio. Com o aumento dos garimpos ilegais, de ouro e diamantes, sem nenhum controle dos Órgãos competentes, também estão sendo destruídas áreas ainda não contaminadas na nossa região. Esperando tempos melhores, nosso povo está adoecendo e morrendo!”, contam os missionários.
Esse projeto surgiu a partir da situação em que o povo vive. Segundo o padre Gabriel Carlotti, “nossa atenção para a qualidade da água foi provocada por um encontro que se deu por ocasião de uma visita à comunidade de São Pedro, no rio Içá, a 180 km da sede do município. Chegamos no horário marcado para a celebração, mas ninguém estava no lugar. Perguntamos se as famílias estavam sabendo e nos responderam: ‘Sim, padre, o cacique avisou todo mundo, mas temos muitos doentes na comunidade, com febre alta e diarreia’”.
Comunidade de Santo Antônio de Içá
Diante da situação o padre perguntou a causa, chegando na conclusão de que a origem deveria estar no fato de beber água do rio, pois na comunidade não tem igarapé onde pegar água. O povo bebia água sem nenhum tratamento com hipoclorito, por falta de agente de saúde. Isso levou os missionários a procurar ajuda que possibilitasse adquirir caixas de 500 litros para a captação da água da chuva. Já foram distribuídas 150 caixas e cada mês são levadas mais 40 caixas na lancha da paróquia.
Junto com as caixas, no intuito de chamar a atenção para os perigos que podem decorrer da ingestão de uma água contaminada e/ou poluída a paróquia elaborou também uma cartilha orientadora sobre a importância dos cuidados com a caixa d’água, com as calhas, com as vasilhas e com a própria água a fim de evitar doenças. A cartilha explica com texto e desenhos como saber quando a água é poluída e os passos a serem dados para instalar e conservar as caixas d´água, o telhado e as calhas. A cartilha informa sobre diferentes métodos para deixar a água potável. Também informa sobre as doenças provocadas pela água contaminada, remédios caseiros e medidas importantes para prevenir doenças.
Segundo os missionários, “temos consciência que ‘melhor que dar o peixe, é ensinar a pescar’, por isso confiamos que a gratuidade de ter recebido uma caixa de 500 litros para a captação da chuva, desperte para o cuidado com a água para que não seja contaminada. Calhas para o telhado e instalação da caixa ficam ao cuidado de cada família. Sabemos que nem todo mundo vai fazer, mas optamos por correr o risco, responsabilizando as pessoas e pedindo a colaboração de quem será beneficiado”.
Missionário padre Gabriel Burani
Os missionários dizem ter outra esperança, “conseguir ‘contagiar’ o poder público para que melhore a saúde, o saneamento básico e o tratamento da água potável”. Sua inspiração está em Francisco de Assis, lembrando o que ele dizia aos seus companheiros: “Vamos trabalhar, que ainda não fizemos nada...”.
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Garantir água de qualidade nas comunidades: mais uma missão da Igreja na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU