21 Agosto 2015
Para economizar, a população recebe incentivos nos EUA e Austrália. Entenda como é importante a cultura da economia no combate à escassez.
Quase 800 milhões de pessoas não têm acesso a água no mundo e uma das principais saídas para a crise hídrica é estimular a população a economizar. Esse é o tema da terceira reportagem na série "Água - Planeta em Crise".
A série de reportagens é de Tonico Ferreira, em parceria com Globo Natureza, publicada pelo portal G1, 19-08-2015.
Com um açude bem no centro da cidade, Campina Grande, na Paraíba, dá a impressão de que tem água sobrando, mas não. O açude está poluído por esgoto. Resta para a cidade o reservatório Boqueirão, a 45 km do centro, que está com menos de 18% da capacidade.
Resultado: os 400 mil habitantes de Campina Grande estão submetidos a um rodízio de água rigoroso. O fornecimento é interrompido às 5 da tarde de sábado e só volta às 5 da manhã de terça-feira.
As caixas d'água de um conjunto habitacional na cidade são pequenas: 500 litros. As pessoas não conseguem armazenar a quantidade de água que precisam. Todos reclamam. "Enchi cinco baldes para trabalhar hoje. Eu só tenho esse aí agora. Depois que terminar esse dou uma parada para não gastar mais agua", conta o pedreiro Ermano Nascimento Alvez.
Não era para ser assim. "Hoje nós estamos pagando uma conta dessa crise por falta de planejamento, essa é uma tragédia anunciada, para quem é do setor sabe que nós não fomos dormir com água e acordamos sem água", diz Newton Azevedo, do Conselho Mundial de Água.
No caso do Boqueirão isso fica claro. Ele está perdendo volume de água desde 2011. São quatro anos de aviso.
INCENTIVO PARA ECONOMIZAR
E como uma cidade rica como Los Angeles está enfrentando a seca? Como ela fica em uma região onde normalmente chove pouco, tudo o que o dinheiro poderia fazer para trazer água para lá foi feito no passado e continua sendo feito hoje. Mas, depois de três anos de seca forte e prolongada, é preciso fazer algo mais: mudar os hábitos da população.
A prefeitura da cidade americana orienta os moradores e dá ajuda financeira. Ryan, por exemplo, trocou o vaso sanitário por um que permite meia descarga. Ele gastou o equivalente a R$ 600, mas só pôs R$ 60 do próprio bolso. A prefeitura entrou com R$ 540.
Ele comprou chuveiro com arejador que consome metade da água dos chuveiros comuns e também ganhou uma compensação por isso. O chamado "rebate", em português "desconto", que nada mais é do que o governo pagar parte dos gastos que o cidadão tem com equipamentos que economizam água.
Ryan também aprendeu técnicas para manter a umidade do solo do jardim e trocou a grama verdadeira por uma artificial, que não precisa ser regada. Ele ganhou o equivalente a R$ 100 por metro quadrado.
A conta de água caiu para o equivalente a R$ 180 por mês, R$ 100 a menos do que antes. Mas não é só por dinheiro. Ele diz que é um apaixonado pelo meio ambiente e defende medidas mais efetivas. "O melhor é mudar as políticas e começar a reusar mais água. Nós devemos usar a água tres, quatro vezes antes de ela ir para qualquer outro lugar", diz o empresário Ryan McEvoy.
QUEM FAZ A DIFERENÇA
No Brasil, a população tem que se virar. Em Campina Grande, Carlécio construiu sozinho um sistema de reúso no seu lava-jato: um filtro com pedras e areia. O consumo de água caiu 80%. O projeto foi feito com informações colhidas na internet e custou R$ 5 mil reais bancados por ele. "Aqui é só da gente mesmo e Deus dando força", conta Carlécio A. Mendonça, dono do lava-jato.
Em Montadas, na Paraíba, Vânia montou um recolhimento de água de chuva com pedaços de calha e canos. "Ah é tem que ser assim né. Se não for assim como é que nós fazemos para juntar aguinha. Mas vai chover se Deus quiser, né?", diz a dona de casa Vânia Félix.
Um casal de Cingapurax, com três filhos, economiza água com medidas bem conhecidas, mas que são aplicadas sistematicamente. Christina lava verduras e a louça em bacia, só liga a máquina de lavar quando ela está cheia de roupa e todos tomam banho abrindo e fechando o chuveiro.
Christina, que lembra que, quando pequena, o suprimento era cortado durante um dia inteiro e ela era obrigada a buscar água com balde. "É um exercício. É um exercício onde eles nos fazem passar por alguns tipos de experiências de escassez de água", conta a dona de casa Christina Cheah.
A conta dos serviços públicos (água, luz e gás) é conjunta e vem por celular e tem a comparação com o gasto médio dos vizinhos. Neste mês eles gastaram com água metade da média. No total, eles pagaram o equivalente a R$ 223.
COMO FUNCIONA NA AUSTRÁLIA
Brasileiros que moram em Brisbane, na Austrália, há 21 anos, também passaram por treinamento durante a seca do milênio que durou dez anos. Eles tiveram de acabar com a irrigação do jardim e diminuir o tempo do banho.
No auge da crise de água o governo fez uma recomendação de que os banhos durassem, no máximo, quatro minutos. E o governo mandou para todas as casas da cidade uma ampulheta que marca quatro minutos. A pessoa ficava tomando banho e quando desse quatro minutos era hora de fechar o chuveiro. A estudante Juliana Ribeiro detestou: "Não dava para lavar o cabelo".
A mãe gaúcha só não se acostumou com uma medida: lavar pratos em bacias. "Tira, passa e limpa. Não esfrego, tu come a comida de ontem, tem que tirar pelo menos o sabão", relata Carmem Ribeiro, consultora de informática.
A conta de água traz o gasto médio da vizinhança e também de toda a cidade. Como em Los Angeles, o governo dá ajuda financeira, o "rebate" (desconto). Por este sistema que recolhe água de chuva, Jachson recebeu o equivalente a R$ 4,5 mil.
Leith Boully é da Comissão Australiana da Água. Conhece a situação do Brasil e já esteve no nosso país para trocar experiências. Ela tem um conselho para nós.
"Tudo se resume a conhecer o problema, planejar e implementar esses planos e ser disciplinado sobre isso. Quanto maior a nossa população fica, e certamente no Brasil vocês têm muito mais pessoas que nós aqui, maior o esforço necessário para garantir que todos os planos sejam implementados e para que se invista em infraestrutura para manter o suprimento de água", alerta Leith Boully, da Comissão Nacional de Água da Austrália.
Em pleno século 21 ainda há quase 800 milhões de pessoas sem acesso à água no mundo. E elas estão no nosso continente, na África, na Ásia, na Oceania e até nos países ricos. Conscientizar e incentivar as iniciativas individuais estão entre as saídas para a crise de água no mundo.
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Quase 800 milhões de pessoas não têm acesso à água no mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU