13 Julho 2023
Guillaume Bardet, o designer escolhido para criar o mobiliário litúrgico da Catedral de Notre-Dame em Paris, relata sua busca para encontrar a forma “justa e necessária”.
Marc Chauveau, um frade dominicano que faz parte da comissão artística que ajudou a escolher Bardet para supervisionar o trabalho, concorda com essa abordagem, elogiando a “dignidade e a forte presença” das obras do artista.
Ambos falaram sobre o novo mobiliário litúrgico para a mundialmente famosa catedral de Paris nesta entrevista exclusiva.
A reportagem é de Sabine Gignoux, publicada por La Croix International, 11-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em 23 de junho, você foi escolhido para projetar cinco peças de mobiliário litúrgico para Notre-Dame. Como você reagiu a essa notícia?
Fiquei surpreso com esse anúncio extraordinário. Principalmente porque, meia hora antes de receber o telefonema do escritório do arcebispo, eu havia acabado de cair da minha motocicleta, e meu quadril doía muito. Eu estava absolutamente exausto depois de meses de trabalho intenso no projeto Notre-Dame. Ainda hoje acho um pouco difícil acreditar na notícia.
Novas peças do mobiliário litúrgico da Catedral de Notre-Dame, em Paris, projetados por Guillaume Bardet (Foto: Notre-Dame)
Vamos voltar à origem de seu projeto. Como isso ocorreu?
Guillaume Bardet – Tudo começou com La Cène, uma grande mesa carregada de jarros, tigelas e xícaras de bronze, cercada por 13 bancos, que eu expus em 2017 no convento dominicano de La Tourette, perto de Lyon. Foi uma oportunidade para um encontro muito forte de três semanas com os dominicanos, incluindo o Frei Marc Chauveau. Tendo vindo de uma família cristã, mas não praticante, eles me acolheram sem me fazer perguntas.
Marc Chauveau – Eu propus que La Cène fosse apresentada em La Tourette durante a Semana Santa. Na noite da Quinta-Feira Santa, compartilhamos uma refeição com os fiéis da nossa comunidade e depois lemos o discurso de despedida de Cristo a seus discípulos no Evangelho de João, ao redor dessa grande mesa esculpida. Depois das últimas palavras do Evangelho, “levantemo-nos e vamos sair daqui”, toda a assembleia permaneceu em silêncio por um longo tempo, como se estivesse paralisada. Várias pessoas me confidenciaram depois: “Tínhamos a impressão de que Cristo havia acabado de partir”. Guillaume Bardet estava presente, junto com seus pais. Mais tarde, ele nos presenteou um cálice, e seus pais acrescentaram uma patena, dois objetos da La Cène. Mais tarde, encomendamos uma grande cruz de bronze para a nossa sala capitular.
Guillaume Bardet – Eu estava no processo de finalização de uma nova exposição da La Cène em 2019, desta vez na galeria Kreo, em Paris, quando ocorreu o incêndio na Notre-Dame, logo ao lado. Ainda me lembro vividamente. Dois dias depois, na inauguração da exposição, alguns visitantes me disseram, em frente à La Cène: “Este é o futuro altar de Notre-Dame”. Foi uma loucura, é claro, mas acendeu um desejo em mim. E, quando surgiu o convite à apresentação de propostas para a criação do mobiliário litúrgico, atrevi-me a me candidatar.
Novas peças do mobiliário litúrgico da Catedral de Notre-Dame, em Paris, projetados por Guillaume Bardet (Foto: Notre-Dame)
Projetar para a Notre-Dame não é terrivelmente intimidador?
Guillaume Bardet – De fato. No dia 3 de janeiro, logo após ser escolhido como um dos cinco finalistas do concurso do mobiliário litúrgico, passei uma noite de ansiedade e de dúvidas. Queria desistir. A arquidiocese havia acabado de nos apresentar especificações muito precisas. Eu tinha medo de não me encontrar no meio de tantos constrangimentos. Por exemplo, as dimensões do altar haviam sido impostas, retomando exatamente as mesmas do antigo altar de Jean Touret, um paralelepípedo maciço. Eu me perguntei: como posso me libertar disso? Em meados de janeiro, uma visita à catedral determinou a escolha do meu material. Candidatei-me com uma fundição e um pedreiro, ambos com sede na região de Drôme, onde eu moro. Uma vez dentro do edifício, o louro da pedra, sua luz reencontrada, apesar dos andaimes, me convenceu a fazer meus móveis em bronze. Eles poderiam existir assim, sem terem que gritar.
(Foto: Notre-Dame)
Qual peça foi a primeira a ganhar forma no estúdio?
Guillaume Bardet – O ambão [imagem acima], uma pequena plataforma para a leitura da Epístola e dos Evangelhos. Desenhei-o como um livro aberto, quase como um tau. É um sinal muito simples. A maioria dos visitantes de Notre-Dame descobrem a catedral fora do tempo litúrgico. Os móveis, portanto, devem falar por si mesmos, com certa evidência, tanto para cristãos quanto para não cristãos. Essa simplicidade é realmente o que eu busco. Para mim, isso se impôs em Notre-Dame, onde a grandeza do monumento incita à humildade. Sou filho de um historiador. Passei minha infância visitando igrejas. Você não entra impunemente em lugares tão movimentados assim.
As outras peças do mobiliário surgiram a partir desse primeiro gesto?
Guillaume Bardet – De certa forma. Deixei-me guiar por essa busca pela forma “justa e necessária”, observando como cada peça dialogava com as demais. Moldei de uma forma muito intuitiva pequenas maquetes com pastilhas de cera. Foi uma espécie de busca obsessiva, que durou cinco meses, sete dias por semana. A forma circular do batistério se impôs como uma obviedade. Imaginei-o como um receptáculo, um cálice. Essa curva, que se alarga e se eleva, deu origem, por sua vez, à forma do altar, que lhe responde no eixo central. As especificações da arquidiocese também exigiam que o batistério também tivesse uma tampa, para evitar que os visitantes jogassem moedas nele. Como podíamos garantir que isso não obscurecesse o simbolismo do batismo, o primeiro sacramento pelo qual o cristão nasceu? A ideia era lhe dar o aspecto de uma superfície de água muito suave, em bronze polido e brilhante.
Marc Chauveau – Eu fiz parte da comissão artística responsável por assessorar a arquidiocese em sua escolha. Cada finalista nos apresentou maquetes em escala 1/5 e imagens 3D in loco na catedral. Quando vi pela primeira vez esse batistério, com sua tampa, como que transparente, tendo a onda no meio, da qual emerge uma cruz, pareceu-me muito adequado ao mistério do batismo. Com efeito, a imersão simboliza a passagem pela morte antes da ressurreição. Além disso, essa pequena e graciosa cruz de 30 centímetros, que surge diante dos nossos olhos, responde à grande cruz dourada de Marc Couturier na parte de trás da catedral.
Enquanto o batistério evoca um cálice, o altar parece ter a forma de uma taça...
Guillaume Bardet – Meu objetivo era fazer sua forma respirar para alcançar uma elevação. Procedi por meio de clareamentos sucessivos. Ao mesmo tempo, tinha que manter um certo poder para que o altar permanecesse ancorado e sólido como uma rocha. Fiz seis ou sete versões diferentes antes de encontrar o equilíbrio certo. Na atual plataforma litúrgica, acrescentei apenas um degrau, talhado no mesmo material, um calcário de Portugal, para uma perfeita continuidade.
Marc Chauveau – O resultado, na minha opinião, é um altar muito elegante, esbelto, mas não instável. É claro, pode parecer pequeno, mas essa era a especificação. Fico comovido com sua forma bem recortada, que será perceptível assim que você entrar na catedral. Evoca a Eucaristia. Também evoca o momento em que o padre levanta os dois braços abertos.
Sacrário que compõe o novo mobiliário litúrgico da Catedral de Notre-Dame, em Paris, projetado por Guillaume Bardet (Foto: Notre-Dame)
Como você projetou o sacrário, que guarda o cibório e as hóstias?
Guillaume Bardet – Em Notre-Dame, o sacrário [imagem acima] será colocado no antigo altar projetado por Viollet-le-Duc, em um ambiente muito movimentado, com obras barrocas como a Pietà, Le Vœu de Luís XIII, a estátua de Luís XIV... Então optei pela sobriedade. Voltei à etimologia da palavra “tabernáculo”, que significa “tenda”. Imaginei-o como uma pequena tenda ou casa de bronze marrom, gravada com uma bela cruz dourada, com uma vela acesa na frente. Essa habitação será aberta com duas abas, como um livro. E, em seu interior, a luz brilhará intensamente, graças ao polimento espelhado do bronze. Simbolizará a presença de Cristo, cujo corpo está conservado no cibório.
Marc Chauveau – O público mal verá essa luz, se é que verá. Em suma, o que é precioso está escondido aqui. Essa intuição muito espiritual de Guillaume Bardet parece-me expressar sua modéstia. Sua arte não é ostensiva. Esse homem que trabalha longe do barulho do mundo tem uma visão oposta ao excesso e ao espetacular. No entanto, seus móveis exibem uma dignidade, uma forte presença.
Cátedra e assentos laterais que compõem o novo mobiliário litúrgico da Catedral de Notre-Dame, em Paris, projetado por Guillaume Bardet (Foto: Notre-Dame)
Uma fina cruz dourada também aparece na cátedra, o assento reservado ao arcebispo...
Guillaume Bardet – Na cátedra, essa cruz não será gravada, mas cortada na espessura polida de uma folha de bronze. Será apenas uma faísca. Para mim, o desafio dessa cátedra foi descobrir qual poderia ser a forma de um “trono” em 2023. Aqui, novamente, optei por me inspirar em uma forma arquetípica, capaz de abarcar o passado, o presente e o futuro ao mesmo tempo: a curul. Essa banqueta romana pode ser encontrada em muitas igrejas. Decidi que ela formaria a base da cátedra e dos dois assentos a ela associados, para que todos se sentassem da mesma maneira. Apenas um grande véu de bronze e sua cruz subindo ao céu marcarão o lugar do arcebispo.
Quais são os próximos passos na produção desse móvel?
Guillaume Bardet – Ao longo do verão, trabalharei com prazer na produção das peças em tamanho real. No fim de setembro, começaremos a fabricar os moldes na fundição Barthélémy Art, em Crest, a 30 quilômetros de Dieulefit (Drôme), onde tenho meu ateliê. Trabalho com eles desde 2015 e já é quase meu segundo ateliê. A fundição me acompanhou com entusiasmo nesse projeto para Notre-Dame. O fato de ter sido escolhido foi uma grande alegria para a equipe. É um projeto unificador magnífico. A fundição das peças deve começar no início de 2024. A pátina marrom será aplicada por último, in loco, na luz da catedral, para encontrar o efeito certo.
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“A simplicidade do design foi essencial em Notre-Dame.” Entrevista com Guillaume Bardet, artista francês que projetou o novo mobiliário litúrgico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU