04 Julho 2024
"Se a nossa Igreja persistir em descrever-se "a serviço e pobre", a expressão parecerá, sem dúvida, apenas um slogan, em vez da missão que deve cumprir. Se ela tentar dar ou mostrar uma imagem mais credível de si mesma, não deverá recear desiludir aqueles que dela esperam esplendor e prestígio", escreve Robert Favrou, em artigo publicado por baptises.fr, 02-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Robert Favrou, nascido em 1940, é padre na diocese de Luçon. Depois de ter ensinado filosofia e francês no seminário menor de Les Herbiers, depois de ter sido capelão da Instrução Pública, vigário e pároco, vive a sua aposentadoria na costa da Vendée, onde continua a ajudar amigos e paroquianos, com um olhar livre, lúcido e benevolente sobre as pessoas, o mundo e a Igreja
Era uma das convicções do Cura d'Ars: um padre que raramente mudava de batina e reduzia drasticamente a sua alimentação, sacrificando o dinheiro que poupava para embelezar a sua igreja e renovar os ornamentos e os objetos litúrgicos. Será que os responsáveis da diocese de Paris se inspiraram nessa convicção, tendo em vista a celebração da reabertura de Notre-Dame, em 8 de dezembro próximo?
Apostamos que a cerimônia estará entre as mais grandiosas, pois reunirá 170 bispos, 700 padres e 700 diáconos... Se somarmos as personalidades oficiais, ao redor do Presidente da República, proprietário do prédio, os lugares serão muito limitados para os leigos que desejarem participar. Está sendo dada uma oportunidade para a Igreja prestigiar a sua própria imagem, enquanto as ordenações sacerdotais estão diminuindo há vários anos.
Não faltará pompa e ostentação para acompanhar a cerimônia. No entanto, o Arcebispo de Paris congratula-se por ter ordenado aos diferentes artesãos dos objetos litúrgicos "sobriedade e discrição". Até o alfaiate J. Ch. de Castelbajac, que foi contratado para os ornamentos, garante que buscou a simplicidade na criação de casulas, dalmáticas e mantos (mesmo assim, 2.000 peças!) que estarão prontos para o evento. Ele que já tinha manifestado a sua criatividade na Jornada Mundial da Juventude de 1997, sente-se gratificado por se ter tornado "o grande fabricante de casulas", em detrimento dos mosteiros que dependem dessa atividade para viver.
Poderíamos nos perguntar que destino terão os ornamentos, embora já tenha sido anunciado que serão usados para as próximas festividades. Pessoalmente, receio que se juntem àqueles, numerosos, que "dormem" nos armários das sacristias, muitas vezes cobertos de pó e "fora de moda"!
Então, podemos nos questionar sobre a necessidade da fabricação de tais objetos que, afinal, apenas servirão para exaltar o decoro da celebração. Além disso, serão realmente uma novidade aqueles propostos pelo grande alfaiate? Pelo que vejo nos esboços que apareceram nos jornais, as casulas parecem ser de um estilo que eu definiria como "retrô", aquelas que antigamente eram chamadas "caixas de violino", aquelas que têm a preferência dos celebrantes integristas ou que só são usadas apenas para as missas segundo a forma extraordinária definida por Bento XVI.
Esse desdobramento do vestuário trouxe-me à memória uma sequência do filme Roma, de Fellini.
O autor, mais anticlerical do que não crente, humanista e até espiritualista, como se revelava em A estrada da vida, divertiu-se em mostrar um desfile de moda no Vaticano. Freiras, padres e bispos exibindo (o termo não é exagerado) trajes extremamente rebuscados com ornamentos carregados de pedras preciosas, mitras luminosas, num concurso de vistosidade e originalidade. O desfile termina em apoteose com a apresentação de um traje papal, onde o personagem substitui a tradicional noiva dos desfiles de moda, vestido com um deslumbrante manto branco e vistosamente adornado de ouro!
Alguns censurar-me-ão por ter caído numa "disputa de trapos" e sei muito bem que esta crítica à pompa e ao exibicionismo não é compartilhada por todos os cristãos, pelo menos aqueles católicos. Entre estes últimos, não faltam aqueles que se queixam de falta de decoro nas celebrações, lamentando, entre outras coisas, as procissões que davam a oportunidade de se vestir a rigor. Diante dessa tendência permanente e triunfalista, o arcebispo e o alfaiate falam, de comum acordo, em "sobriedade litúrgica" respeitada na criação dos ornamentos. Sobriedade que não encontra a unanimidade e que é até mesmo imputada ao Concílio Vaticano II de onde provém a tendência. Tive experiência disso no dia em que um jovem veio me censurar por não usar a casula na missa e acusou-me, por esse motivo, simplesmente de falta de Fé! Hoje, eu opor-lhe-ia o exemplo daqueles moradores de uma residência para idosos que me aconselhavam a evitar aquele adorno num dia de calor. A missa celebrada daquela maneira não carecia de recolhimento nem de Fé entre os participantes!
"Pour chanter Veni Creator il faut avoir chasuble d'or" ("Para cantar Veni Creator é preciso ter uma casula de ouro"): assim começa o cântico dos canuts (tecelões pobres) de Lyon, e continua assim:
"Nous en tissons pour vous grands de l'Église, et nous, pauvres canuts, n'avons pas de chemise" (Nós tecemos para vós, grandes da Igreja, e nós, pobres tecelões, não temos nem camisa"). A canção não deixa de ser virulenta ao denunciar a exploração de um mundo operário que a Igreja da época tinha negligenciado. O próprio Papa Pio XI o reconhecia ao declarar, no século seguinte: "A Igreja perdeu a classe operária". É evidente que não é com o uso da pompa na liturgia que este mundo encontrará lugar nas assembleias....
Se a nossa Igreja persistir em descrever-se "a serviço e pobre", a expressão parecerá, sem dúvida, apenas um slogan, em vez da missão que deve cumprir. Se ela tentar dar ou mostrar uma imagem mais credível de si mesma, não deverá recear desiludir aqueles que dela esperam esplendor e prestígio. A sobriedade, que parece estar no centro das
preocupações atuais de todos os defensores da vida e do futuro do nosso planeta, poderia tornar-se também um dos objetivos desta Igreja. Então sim que se mostraria fiel à tarefa evangélica dada aos Apóstolos quando foram enviados em missão: "Não tomeis alforje nem dinheiro, e não useis duas túnicas" (Mc 6,8). Será que o Cura d'Ars seguiu essa indicação apenas pela metade?
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