12 Julho 2023
A entrevista concedida pelo pontífice ao jornal al-Ittihād confirma a profundidade das relações entre os Emirados e o Vaticano.
A reportagem é de Claudio Fontana, publicada no sítio da Fundação Oasis, 10-07-2023.
A entrevista concedida pelo Papa Francisco ao jornal al-Ittihād dos Emirados Árabes Unidos despertou grande interesse por muitos e diversos motivos. A primeira é que o Papa nunca teve um diálogo com um órgão de imprensa do Oriente Médio, muito menos do governo. Esta novidade confirma que o diálogo inter-religioso, especialmente o islâmico-cristão, é um aspecto não secundário do pontificado de Francisco.
Marrocos, Iraque, Bahrein e Emirados Árabes Unidos (onde em 2019 o Papa celebrou a primeira missa pública na Península Arábica) são apenas alguns dos treze países de maioria muçulmana (ou com forte presença islâmica) que o Papa visitou durante o seu Pontificado. Afinal, as relações com a liderança do Emirado são profundas: foi na capital da Federação que, em 2019, Francisco assinou o "Documento sobre a fraternidade humana para a paz mundial e a coexistência comum" junto com o Grande Imã de al-Azhar, um leitmotiv do toda a entrevista concedida a al-Ittihād. O diálogo com Hamad al-Ka'bī, diretor do jornal dos Emirados Árabes Unidos, também permite entender como a assinatura do documento, que poderia ter sido um simples momento cerimonial, se revelou frutífera. Isso testemunha como a conduta do Papa Francisco é iluminada pela convicção de que é preciso “iniciar processos” em vez de “ocupar espaços”, favorecendo “ações que gerem novos dinamismos na sociedade e envolvam outras pessoas e grupos que os levarão adiante , até que dêem frutos em importantes acontecimentos históricos" (Evangelii Gaudium).
O diálogo publicado por al-Ittihād destaca que é isso que está acontecendo: não apenas porque se refere às iniciativas implementadas tanto pelos Emirados quanto por outros sujeitos após a assinatura do documento sobre Fraternidade (pense, por exemplo, na implementação de a Abrahamic Family House), mas também ao fato de que enquanto o diálogo começou principalmente devido às solicitações causadas pela emergência jihadista, agora os tópicos de discussão se estenderam. Passámos de um diálogo centrado na condenação do terrorismo a uma interlocução que, também graças a um contexto internacional alterado, se estendeu a outros temas: a educação dos jovens, a luta contra a injustiça, a proteção da saúde, a sustentabilidade e a ambiente. Mas também - reiterou o Papa mais uma vez - a plena aplicação da liberdade religiosa, que ainda luta para se estabelecer nas sociedades de maioria islâmica e que não pode se limitar apenas à liberdade de culto, por mais importante que seja.
O outro aspecto significativo da entrevista são precisamente as perguntas que Hamad al-Ka'bī dirigiu ao Pontífice. Depois de averiguar o estado de saúde do Papa, a recuperar de uma operação cirúrgica, o entrevistador perguntou de facto: «como vê o papel dos Emirados e de Sua Alteza o Shaykh Muhammad bin Zayed Al Nahyan [...] um parceiro chave no apoio aos esforços de paz e tolerância?” (tradução completa disponível aqui). Além disso, a escolha do título dá ênfase aos Emirados: “A liderança dos Emirados Árabes Unidos está interessada em construir o futuro e a paz no mundo”, diz a página do jornal Gulf. Visto de Abu Dhabi, o assunto da entrevista não é nem o Papa nem os julgamentos iniciados junto com seus amigos muçulmanos, mas os próprios Emirados, sua liderança e seu status internacional. O título e o constante convite a comentar as políticas de Muhammad bin Zayed (MbZ) mostram como para Abu Dhabi o diálogo com o Vaticano assume um forte valor simbólico, quase legitimando o modelo.
Um modelo que, por um lado, não tolera interferências religiosas, especialmente islâmicas, na esfera política, considerada uma ameaça existencial à liderança do governo, mas que, por outro lado, faz uso da religião como ferramenta diplomática de poder suave. Com isso em mente, uma figura proeminente como o embaixador Youssef al-Otaiba disse que seu governo acredita firmemente na separação entre Estado e religião. De fato, o modelo dos Emirados Árabes Unidos transformou a tolerância atualmente existente no país (selada pela presença de um Ministério da Tolerância, pela insistência contínua neste valor em torno da Grande Mesquita e, por último, mas não menos importante, pelo espaço usufruído pelos cristãos) em uma marca a ser exportada, em oposição ao modelo do Islã político.
Em última análise, portanto, a insistência dos Emirados em valores como fraternidade e tolerância não leva necessariamente à marginalização do papel do Islã nas sociedades do Oriente Médio, mas à neutralização de suas reivindicações políticas. Desde a eclosão da Primavera Árabe em 2011, o Oriente Médio foi dividido ao longo dessa linha de falha, com os Emirados no lado oposto de países próximos à Irmandade Muçulmana, como Turquia e Catar. O Papa, confirma esta entrevista, escolheu quem são os seus interlocutores.
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Porque Abu Dhabi busca o diálogo com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU