06 Julho 2023
"As nossas igrejas estão se esvaziando, mulheres de meia-idade, os jovens e as jovens não as frequentam mais, certamente por aquela ruptura que fez com que se perdesse o código de reconhecimento e da igreja edifício e da Igreja de pedras vivas que somos nós. De fato, um único nome liga o edifício e o mistério", escreve Cettina Militello, teóloga e vice-presidente da Fundação Acadêmica Via Prechritudinis, em artigo publicado por Donne Chiesa Mondo, julho de 2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em uma de minhas últimas conversas com Silvano Maggiani, conhecido liturgista italiano falecido dois anos atrás, confessei a ele meu desconforto em participar da liturgia. Eu lhe disse que para mim tudo parecia falso: os gestos, as palavras, as vestimentas... Se olho em volta – acrescentei – vejo pessoas entediadas, em número cada vez menor e presentes por hábito... Enfim, nada de alegria, nada de comunidade, nada que realmente toca os presentes, inclusive o celebrante, ele também pouco convencido e convincente. Eu dizia isso com dor. Ele respondeu que ele também sentia aquele desconforto. O meu colega tinha vivido o início da reforma litúrgica do Vaticano II, os anos de experimentação e entusiasmo, no sinal da nobre simplicidade a que deviam ser restituídos os ritos e no signo da participação ativa, criativa, do povo de Deus na sinfonia ativa de seus carismas-ministérios.
Quase 60 anos se passaram desde a promulgação da Sacrosanctum Concilium, a carta magna da reforma litúrgica e, olhando em volta, compreende-se que aquela virada e aquele esforço não foram suficientes, até porque tudo está em perpétuo movimento e pede constante e flexível adaptação. Sem falar nos nostálgicos do rito antigo.
Sim, a celebração litúrgica constitui hoje um problema grande, muito grande. E um de seus nós diz respeito às mulheres. Na verdade, uma distonia de “gênero” é evidente nela.
Sua participação nunca foi fácil. Tendo deixado a ekklesia kat'oikon, a Igreja nas casas, onde talvez elas também tenham presidido a Ceia do Senhor, na maioria das vezes foram relegadas num limbo de não participação, aliás, como os leigos. Agostinho testemunha a separação de homens e mulheres dentro da nave e a justifica a partir do entrelaçamento de vozes masculinas e feminino. Crisóstomo, porém, diz que outrora não era assim e lamenta ter se afastado do estilo das comunidades mais antigas. Certamente não se rompe o vínculo entre mulher e oração, tanto que a vida comum, antes informal, depois institucionalizada em formas comunitárias, inscreve o louvor em seus deveres. A sua tarefa é a santificação do tempo; e como o uso dos Salmos e das Escrituras a caracteriza, é graças a isso tarefa "litúrgica" que são obrigadas a saber ler e escrever. Isso produzirá aquela teologia conjugada ao feminino em que se destacam monjas ilustres.
É assim, por exemplo, que na paz do mosteiro da Santa Cruz, a diácona Radegonda encomenda a Venanzio Fortunato o hino que ainda cantamos na Sexta-Feira Santa. E mais adiante com brilhante criatividade a grande Hildegard escreve os serviços, os textos e as músicas para o seu mosteiro. Também no Oriente há traços de uma criatividade litúrgica monástica. É atribuído a Kassia, a noiva rejeitada do imperador Teófilo, o hino ainda cantado no rito bizantino na Quarta-feira Santa…
Essa inventividade e essa função de oração, a mesma que ainda hoje entrega o livro da Liturgia das Horas às monjas no contexto do Rito de profissão, não tem igual no exercício de uma ministerialidade litúrgica ao feminino. No entanto, especialmente no Oriente, houve diáconas. Sua função principal, a mesma que depois determinou seu declínio, era a unção das mulheres no batismo. Na verdade, elas também faziam outras coisas. Mas não temos nenhuma prova irrefutável de seu ministério mesmo que saibamos que eram incluídas dentro do clero. Um leve traço de seu serviço permaneceu nas fórmulas relativas à profissão religiosa e monástica e no privilégio das abadessas de cantar/proclamar o Evangelho no contexto da sua comunidade.
Em nossos dias de tudo isso nada resta. Embora tenha mudado, em muito, a percepção e a condição das mulheres na Igreja, em relação à liturgia elas permanecem à margem. Para presidi-la, exceto no caso de uma celebração dominical na ausência de um presbítero, só há homens. Recentemente, as mulheres foram admitidas nos ministérios do leitorado e acolitado, ou seja, a proclamar as leituras e servir no altar. Funções das quais foram excluídas por muito tempo em razão do seu sexo, considerado não idôneo para o ministério litúrgico. Não por acaso nas disposições relativas à música sacra, Pio X, no início do século XX, as proibiu de cantar, considerando-o justamente um ministério.
De qualquer forma, seria simplista atribuir o desconforto apenas à ausência ministerial das mulheres. O problema as afeta - nem só a elas - do ponto de vista da linguagem. As nossas eucologias, o conjunto das orações, enraizadas em um turvo patriarcalismo, reproduz os estereótipos culturais. Ao se prestar atenção à concordância do Deus "pai", se constatará que a ser invocado/evocado é o pater familias da antiga memória, emulador e substituto do pater deorum. Vale o mesmo para a adjetivação de Deus, pela aura sagrada que o envolve... Muito pouco resta daquele a quem Jesus de Nazaré invocou como abbá, pai, derrubando toda a hierarquia patriarcal. E cria problema, também a nomeação das santas, com exceção das mártires, ligada a estereótipos de gênero. E ainda mais difíceis e distantes resultam os temas de sacrifício, satisfação, pecado, hierarquias de gênero entre os humanos... Acredito que para a maioria das pessoas, a linguagem das nossas liturgias é no mínimo estranha. A ruptura dos locais tradicionais de transmissão da fé tornou incompreensíveis antigas e belas metáforas... Seria preciso pelo menos um tradutor!
Sem falar nas homilias que também são distantes, que se estendem perdidamente para tocar e estigmatizar a atualidade, nunca dirigidas a oferecer a chave do ritual celebrado.
Deixe-me esclarecer, o rito está inscrito em nossa estrutura antropológica. E, de fato, celebramos uma infinidade de ritos seculares. Falamos até da liturgia do estádio com uma inversão de metáfora. Em questão, portanto, não está o rito. O verbo celebrar implica a reiteração de uma ação e a leithurghia resulta de laos (povo) e urghia (ação). Pelos termos, portanto, deveria ser uma ação que envolve todo o povo de Deus, homens e mulheres que depois prestam honra ao Pai por e Cristo e no Espírito. Mas, fora do nosso círculo restrito, quem entenderia do que estou falando?
As nossas igrejas estão se esvaziando, mulheres de meia-idade, os jovens e as jovens não as frequentam mais, certamente por aquela ruptura que fez com que se perdesse o código de reconhecimento e da igreja edifício e da Igreja de pedras vivas que somos nós. De fato, um único nome liga o edifício e o mistério. Aliás, a rigor, o próprio edifício deveria fornecem o código que sinaliza o mistério: o altar é Cristo, o ambão é o monumento de ressurreição, o batistério é o lugar do renascimento. Tornamo-nos cristãos na sinergia de Palavra e Espírito, de Água e do Espírito; e o lugar memorial dessa completude é o Altar, mesa preparada para compartilhar o Corpo e o Sangue do Senhor. Em suma, somos convidados a um banquete festivo, que requer conhecimento e cuidado mútuos, partilha de alegrias e esperanças. E, como em qualquer festa que se preze, cada um deve trazer o seu dom para o crescimento dos outros. Em vez disso, nos entrincheiramos atrás de palavras obscuras, vestimos trajes antiquados, ridículos em certos detalhes; em vez de protagonistas somos espectadores, usuários passivos, a quem ainda por cima se oferece o pão seco, porque não só nós não participamos do cálice, mas nem mesmo do pão partido naquela celebração.
Ninguém percebe o nexo que existe entre os sujeitos que se reúnem e os ministérios que eles prestam fora da liturgia. E a mesma ministerialidade feita também de diferentes ações (escutar, responder, aclamar, levantar-se, sentar-se, proceder em procissão...) parece uma rotina, não o exercício do sacerdócio comum.
Acrescente-se a isso - e o discurso vai muito além da ponta do iceberg da insatisfação feminina - o rompimento da pandemia, a pretensão clerical de celebrar na ausência do povo, a horrenda exposição midiática de missas insignificantes, descaradamente descuidadas ou teatrais. E, além disso, a ideia de que no final das contas nem sequer é necessária a presença física: pode-se participar da Eucaristia mesmo à distância, talvez recitando a horrível fórmula da comunhão espiritual…
Realmente a liturgia é “Igreja em execução” como dizia Crispino Valenciano, por muitos anos docente no Pontifício Instituto Litúrgico Sant'Anselmo, em Roma; realmente é preciso pôr a mão na "reforma da reforma", como dizia Adrien Nocent, um monge belga, um dos maiores especialistas em liturgia, envolvido desde o início na preparação e implementação da reforma litúrgica desejada pelo Concílio Vaticano II... É preciso reinventar a liturgia e abrir espaço para uma nova criatividade e subjetividade. Talvez, caso se queira, até mesmo as chamadas liturgias feministas, na prepotente reivindicação da corporeidade e da natureza, poderiam nos sugerir uma sinalização diferente que não precise de mediação.
Afinal, o “em memória de mim” selou a última ceia do Senhor, mas antes disso selou, em feminino, o gesto de unção da mulher sem nome – gestos e eventos realizados na intimidade eclesiogenética de uma casa! Precisamos disso e precisamos de perfumes e, portanto, de cheiros, sabores, visão, audição e tato. As nossas liturgias devem voltar a expressar a corporeidade da salvação.
Nós somos o corpo de Cristo e não se trata de uma metáfora.
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Que tipo de liturgia. Se as mulheres subissem ao altar: a análise de uma teóloga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU