06 Julho 2023
Assim comenta Luigi Accattoli em seu blog uma passagem da carta do Papa Francisco ao novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, dom Vítor Manuel Fernández.
"O Dicastério que você presidirá em outros tempos chegou a usar métodos imorais". Assim escreve Francisco na carta ao novo prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé publicada no sábado, 1º de julho. Os métodos imorais causaram uma tempestade e talvez o autor da carta tenha previsto tal tempestade. Nos comentários tentarei interpretar as palavras do papa que veio quase do fim do mundo: a que tempos e a que métodos se referiria. Em suma: a tempos distantes e a métodos pelos quais no mea culpa jubilar de 2000 foi pedido o perdão, qualificando-os como "não evangélicos", "de intolerância", "de coação".
A reportagem foi publicada por Il Regno, 04-07-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
No Dia do Perdão, 12-03-2000, o papa polonês proferiu sete pedidos de perdão, que envolviam uma revisão do juízo histórico sobre o comportamento dos cristãos católicos em relação à luta contra a heresia, às divisões entre igrejas, à perseguição aos judeus, à paz e aos direitos dos povos, ao machismo e ao racismo, aos direitos fundamentais da pessoa. O segundo desses pedidos intitulava-se "Confissão das culpas no serviço da verdade" e o convite que o introduzia foi lido pelo cardeal Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação (hoje Dicastério) para a Doutrina da Fé: “Oremos para que reconhecendo que houve também homens de Igreja que, em nome da fé e da moral, às vezes lançaram mão de métodos não evangélicos no cumprimento da obrigação de defender a verdade, cada um de nós, saiba imitar o Senhor Jesus, manso e humilde de coração”.
E esta foi a oração proferida por João Paulo II: “Senhor, Deus de todos os homens, em determinadas épocas da história, os cristãos às vezes contemporizaram com métodos de intolerância e afastaram-se do grande mandamento do amor, desvirtuando assim o rosto da Igreja, vossa Esposa. Tende misericórdia dos vossos filhos pecadores e acolhei o nosso propósito de procurar e promover a verdade na suavidade da caridade, certos de que a verdade não se impõe senão com a força da própria verdade. Por Cristo Senhor nosso."
A mesma linguagem havia sido usada pelo cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado, em carta enviada em 17-02-2000 a um encontro da faculdade de teologia da Itália Meridional, 400 anos depois da fogueira à qual o Santo Ofício havia condenado Giordano Bruno: “Os membros do Tribunal da Inquisição o processaram com os métodos de coerção então comuns, proferindo um veredito que, em conformidade com o direito da época, foi inevitavelmente o prenúncio de uma morte atroz”. Conclusão do cardeal, que fala em nome do papa: para aqueles métodos [prisão dura e tortura] e para aquela morte [queimado vivo], “triste episódio da história cristã moderna”, hoje a Igreja olha “com profundo pesar”.
O cardeal Ratzinger, em 24-09-1997, respondendo a perguntas de jornalistas por ocasião de um discurso público em Bolonha, durante a última semana do XXIII Congresso Eucarístico Nacional, respondeu assim a uma pergunta sobre Giordano Bruno e os outros hereges que a Igreja sentenciou à fogueira nos séculos da Inquisição: “Acho que esta é uma culpa que nos deve fazer pensar e deve guiar-nos ao arrependimento. Não sei se sou a pessoa certa para pedir perdão, mas estou convencido de que devemos estar sempre cientes da tentação da Igreja, como instituição, de se transformar em um Estado que persegue seus inimigos. A Igreja deve ser sempre tolerante. Peçamos perdão ao Senhor por esses acontecimentos passados e para que não voltemos a cair nesses erros. Que o Senhor nos faça compreender que a Igreja não deve fazer mártires, mas ser Igreja de mártires”.
Métodos não evangélicos, métodos de intolerância, métodos de coerção: assim falam os textos do mea culpa jubilar. Francisco pretende fazer a mesma afirmação, mas simplifica e traduz em sua linguagem informal e direta: métodos imorais. Esse salto para a linguagem comum é semelhante ao que Francisco já havia feito com a pena de morte, que com uma modificação de 2018 de um artigo do Catecismo da Igreja Católica [n. 2267] havia qualificado como "inadmissível à luz do Evangelho porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa", enquanto havia sido tradicionalmente admitida e também praticada pelos papas. Francisco não está interessado tanto na continuidade formal com a tradição do magistério papal quanto na clareza e transparência evangélica da pregação atual da Igreja: deveríamos ser gratos a ele por essa mudança da atenção. Eu sou grato a ele.
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Sobre Francisco e os métodos imorais usados em outros tempos pelo Santo Ofício - Instituto Humanitas Unisinos - IHU