19 Mai 2023
“Não, porque se trata do papa. Nem todos os homens em Roma são o papa. Eu falei pessoalmente duas vezes com o papa sobre essas questões. Eu sei pelas minhas conversas qual é a minha relação com o papa Francisco – falamos 'cum petro et sub petro'- Mas nem todo o Vaticano é 'cum petro et sub petro'”, reconhece dom Johan Bonny, bispo de Antuérpia, em entrevista a Katholisch, sobre as bênçãos a casais homossexuais.
A entrevista é publicada por DomRadio, 17-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A sua intervenção no Caminho Sinodal foi significativa para muitos. O bispo Johan Bonny e seus coirmãos das Flandres introduziram a bênção dos casais homossexuais. Sem oposição de Roma. O que eles fizeram de diferente em relação à Alemanha?
Em março, sua manifestação como convidado na assembleia geral do Caminho Sinodal Alemão suscitou intensas reações, ao explicar à Igreja alemã por que os bispos flamengos puderam tornar pública uma diretriz sobre a celebração de bênção a casais do mesmo sexo sem receber nenhuma oposição do Vaticano. Você mesmo defende essas celebrações de bênção desde 2015. Mesmo por escrito, já se declarou a favor como bispo, contra a vontade do Vaticano, ao qual deve obediência. Você diz que é preciso colocar o problema de outra forma, mas isso não o leva a um conflito de consciência?
Não, porque se trata do papa. Nem todos os homens em Roma são o papa. Eu falei pessoalmente duas vezes com o papa sobre essas questões. Eu sei pelas minhas conversas qual é a minha relação com o papa Francisco – falamos “cum petro et sub petro”- Mas nem todo o Vaticano é “cum petro et sub petro”.
Também no Vaticano existem diferentes posições e diferentes modos de proceder. Também as faculdades teológicas em Roma pertencem ao Vaticano e à Igreja Católica em Roma. Roma não é apenas um documento ou um cardeal. Não. Roma é também unidade na diversidade.
Sobre a obediência ao papa: nenhum de nós quer ser desobediente ao papa. Seria a última coisa que eu quero. É por isso que tive duas conversas com o papa. Foram conversas pessoais. Não exporei publicamente o que ele disse e como o disse, mas sei que eu, que nós não estamos indo contra o papa. Isso é muito importante para mim e para os outros bispos nas Flandres.
Então, também conseguiu que até agora para seus projetos de bênção para os casais homossexuais não chegasse nenhuma objeção de Roma. Quando se olham os projetos da Alemanha, parece que ali existe um conflito permanente com o Vaticano. Onde está a diferença? O que você conseguiu fazer que nós não conseguimos?
Somos uma pequena Conferência Episcopal. Somos apenas oito bispos diocesanos. Somos poucos. E sobre o tema estamos em perfeito acordo. Falamos a uma só voz. Não há divisões ou subgrupos sobre o tema. Também o Papa perguntou em Roma se estávamos todos de acordo. E nós dissemos que estávamos. Claro que sempre há opiniões ligeiramente diferentes entre nós, mas basicamente estamos de acordo. Por isso também quisemos escrever um único texto e não oito textos diferentes.
Não temos todas as dinâmicas e tensões entre Roma e Alemanha sobre o Caminho Sinodal. O contexto não é problemático ou pesado, o que acho que torna a situação um pouco mais simples. Nós somos uma pequena Conferência, sobre os grandes temas estamos de acordo. Poderíamos dizer também: não somos um grave perigo para Roma.
Em Roma não se lê alemão e muito menos flamengo. É uma língua pouco difundida. Estudantes de teologia alemã, professores e bispos estão presentes em todos os continentes, e também em Roma. A voz dos alemães é mais importante que a dos flamengos. Eu também acredito que em Roma se enxerga melhor o que acontece na Alemanha. Há também vários bispos e cardeais alemães em Roma. Nós, em vez disso, não temos nenhum. Não temos ninguém no Vaticano. Não temos uma grande presença no Vaticano de bispos e cardeais. Isso torna as coisas mais fáceis para nós, creio eu.
No entanto, o que é muito importante para mim e ao qual posso dar minha contribuição é o seguinte: as tensões entre a Alemanha e Roma não são úteis. Em Roma, eles deveriam de alguma forma escutar melhor e não ser tão críticos. Isso não ajuda ninguém. Há mais preconceitos do que juízos nessa discussão. Há mais preconceitos, feridas pessoais, histórias pessoais também dos bispos e cardeais em Roma. Há uma mistura de experiências pessoais e feridas pessoais com questões teológicas e diferenças teológicas.
Talvez o conflito também esteja na distinta mentalidade? Os alemães sempre querem tudo 100% certo e tudo preto no branco. Você conhece os dois lados, pois também trabalhou por onze anos na cúria.
Claro, e eu também disse isso aos bispos alemães em minha saudação à assembleia geral de outono de 2022 em Fulda. Roma tem uma mentalidade latina, em todos os âmbitos. A Alemanha é proto-germânica e nós também nas Flandres somos germânicos. Há uma grande diferença. Em Roma costuma se dizer, por exemplo: fazer é possível, mas nada de falar. Conosco, por outro lado, o que se faz e o que se fala deveriam coincidir o máximo possível.
Não é assim no sul. No sul se deve causar uma "bela impressão". Aqui não é assim, "causar bela impressão" aqui não serve. Em primeiro lugar, tudo deve ser certo e correto. O "certo" para nós é mais importante que o belo. Não deve parecer belo, mas deve ser certo. Aqui entre nós um grande professor pode dar aula de jeans. Na Itália, não. Primeiro de tudo, deve ter um aspecto adequado, e depois pode também falar.
São mentalidades diferentes. E a precisão alemã com muitas notas de rodapé não é latina.
Ambos os lados são importantes. Ambos os lados têm algo de bom, mas deveriam se acertar melhor. Nos últimos séculos, muitas vezes houve tensões que fundamentalmente não eram teológicas, mas culturais.
Toda a Reforma do século XVI foi basicamente um problema cultural e não teológico. Tornou-se um problema teológico mais tarde, mas começou do ponto de vista cultural. O que Lutero pedia no começo era justamente germânico. Mas quis se encontrar uma solução latina para seu problema germânico, e isso não funciona. Assim como hoje não conseguimos encontrar uma solução alemã para as questões latinas. Mas na Igreja ambas devem de alguma forma se encontrar - para o bem da Igreja.
Voltemos à assembleia do Caminho Sinodal e ao impulso que você deu. Há pessoas que disseram que justamente esse ímpeto levou a votação sobre o tema da bênção para os casais do mesmo sexo a ter maioria, porque muitas pessoas no plenário viram que funcionou na Flandres e que, portanto, nós também podíamos dar aquele passo. Você considera positivo que a Alemanha tenha seguido as suas palavras?
Por um lado, dessa forma, foi posto um sinal muito forte, pelo outro lado, assim aprofunda-se ainda mais o conflito já existente com Roma.
Não sei se as minhas palavras mudaram a votação. Não tenho como ver dentro dos corações. Muitos depois me agradeceram. Algo deve ter acontecido. Se queremos ser uma igreja missionária que expresse as boas novas de Jesus de uma nova maneira aqui no Ocidente, devemos também encontrar uma solução para o problema da homossexualidade.
Não é assim na África – ainda não – nem na Ásia por enquanto. Também vai chegar lá, mas aqui se deveria encontrar uma solução para o problema, que na opinião de todos tem um fundamento nas ciências humanas e na bíblia e, além disso, também um fundamento teológico-moral e pastoral.
Até o papa sabe disso. Ele deve ser pastor, pai para todos. Nós entendemos isso. Ele não deve necessariamente dizer sempre sim ou não a todas as perguntas. O papado não existe para dizer sim ou não a todas as perguntas como na Idade Média, mas para que exista um bom pastor, um bom pai para toda a comunidade, para manter a comunidade unida. É um serviço pela unidade na Igreja, unidade na diferença. Deve manter a família unida.
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“Mais preconceitos do que juízos”. Entrevista com Johan Bonny - Instituto Humanitas Unisinos - IHU