03 Mai 2023
"Luke Coppen lembrou, no site The Pillar, que na Alemanha quase 360.000 católicos abandonaram a igreja em 2021, último dado disponível. Um número muito mais alto que dos protestantes, que no mesmo período se retiraram das cerca de vinte denominações federadas na Evangelische Kirche na Alemanha: 280.000, embora no ano passado os abandonos tenham saltado para 380.000", escreve Giovanni Maria Vian, historiador e ex-diretor do Osservatore Romano, em artigo publicado por Domani, 30-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Quanto do conflito entre Roma e Alemanha, recorrente nos séculos passados, pesa nas difíceis relações atuais? “Os estereótipos nacionais com que nos deparamos em ambos os lados dos Alpes – escreveu o historiador Volker Reinhardt – ainda são em grande parte filhos do repertório dos humanistas e da Reforma”. A afirmação é certamente fundada, mesmo que a relação seja realmente muito mais complexa e remonte à Idade Média. Mesmo em âmbito religioso, onde as diversidades e as contraposições sempre foram fortes.
Um ressentimento ardente emerge do que Lutero escrevia “à nobreza cristã de nação alemã”, criticando o uso de óleo de oliva em vez de banha durante a Quaresma: “Em Roma, não observam o jejum, enquanto nós somos obrigados a comer um óleo que nem usaríamos para engraxar os sapatos. Além disso, eles nos vendem o direito de comer alimentos com gordura e de nos alimentarmos com todos os tipos de alimentos, embora o santo apóstolo nos disse que o evangelho doa a todos a liberdade”.
O teólogo Hans Urs von Balthasar, que estudou com sutileza em um livro memorável "o complexo antirromano" (antirömische Affekt), embora não o considerasse exclusivo da Alemanha, afirmou que na origem do império alemão está "o radical ‘sentimento antirromano’ de Agostinho”. E, no entanto, o papado deve em grande parte justamente ao império o movimento de reforma, mais tarde chamado de gregoriano, que no século XI alivia a sede romana da "pornocracia" à qual os papas a haviam reduzido.
Depois vieram os papas que enfrentam duramente o império, interlocutor temível que, no entanto, permanece "sagrado" até a supressão napoleônica. Emblemática nesse contexto é a escassez de cardeais alemães na Idade Média, definidos como mais raros do que um corvo branco. A razão é a divisão de poderes: de fato, deve ser assegurado – escrevem os teólogos romanos - o equilíbrio entre o imperium, próprio da nação germânica, e o sacerdotium, cuja independência deve ser garantida.
Mas em 1875 será precisamente uma declaração coletiva dos bispos alemães que oportunamente restringe a magnitude do novo dogma da infalibilidade papal, interpretação imediatamente confirmada pelo próprio Pio IX. Neste caso, um serviço prestado pela Alemanha a Roma, segundo uma harmonia mais geral com a Itália sonhada meio século antes numa sugestiva pintura alegórica de Friedrich Overbeck.
Ainda hoje, a difícil relação entre Roma e o catolicismo alemão continua nas manchetes. Enquanto o Papa Francisco completava alguns ajustes na composição das próximas assembleias sinodais para abri-las a uma presença controlada dos leigos, chegava de Colônia a enésima intervenção sobre o sistema de financiamento da Igreja Católica, que tem estado no centro dos debates e controvérsias há anos.
Em jogo está o famoso Kirchensteuer ("imposto para a igreja"), baseado no antiquíssimo costume dos dízimos - com raízes até na Bíblia hebraica - e que na Alemanha é obrigatório para membros de denominações reconhecidas pelo Estado. De fato, devem ser adicionados aos impostos a serem pagos oito ou nove por cento destinados às igrejas.
Um mecanismo, portanto, muito mais sério e exigente para os fiéis alemães do que aqueles concebidos em países como Itália e Espanha. Existe certamente a possibilidade de não pagar o imposto, mas essa decisão - que economiza no imposto - deve ser formalizada, e implica o abandono da confissão de pertença. Como se pode entender, não é um problema pequeno, dados os números da hemorragia dos fiéis. Luke Coppen lembrou, no site The Pillar, que na Alemanha quase 360.000 católicos abandonaram a igreja em 2021, último dado disponível. Um número muito mais alto que dos protestantes, que no mesmo período se retiraram das cerca de vinte denominações federadas na Evangelische Kirche na Alemanha: 280.000, embora no ano passado os abandonos tenham saltado para 380.000.
Bento XVI havia intervindo sobre isso no início de seu pontificado com uma notificação do Conselho para os Textos Legislativos. De fato, o texto ressaltava que "o ato jurídico-administrativo" de abandono da igreja "não pode constituir em si um ato formal de defecção", dado que "poderia permanecer a vontade de perseverar na comunhão da fé", implicando que o abandono muitas vezes visa uma economia nos impostos.
Ajustes posteriores foram feitos para conter o fenômeno, mas a conferência episcopal alemã confirmou substancialmente a prática vigente, fundamental para as estruturas eclesiásticas que empregam cerca de 800 mil pessoas em todo o país. Em 2011, em Freiburg – não só por isso, e dirigido não só aos católicos alemães – Bento XVI havia reiterado sua crítica àquela atitude da Igreja que muitas vezes dá mais importância à “organização e à institucionalização do que ao chamado para ser aberta a Deus e a uma abertura do mundo para o próximo".
No domingo passado, Ansgar Puff, bispo auxiliar de Colônia pertencente à minoria conservadora do episcopado, de fato relançou a preocupação de Ratzinger porque, diante da hemorragia dos fiéis, se perguntou se realmente perderam a fé aqueles católicos que, para evitar o imposto eclesiástico, declararam sua saída da igreja. A maioria não, respondeu o prelado, colocando assim o problema novamente.
O tema não foi abordado pelo sínodo alemão – mais propriamente “caminho sinodal” (synodaler Weg) – que após quase quatro anos acaba de concluir seus trabalhos. Alguns pedidos do sínodo causaram grande rebuliço, desde um maior papel institucional das mulheres na Igreja até a bênção de casais homossexuais, até o nó do celibato dos padres. Pedidos que preocupam Roma e levaram a falar, no quadro do positivo processo sinodal mundial, mas em sentido crítico, de um "caminho especial" (Sonderweg): certamente não o mais importante, acaba de observar em uma entrevista na Tagespost Arborelius o cardeal Anders, bispo de Estocolmo.
No entanto, não se deve esquecer de onde teve origem o sínodo alemão, ou seja, do escândalo dos abusos, como lembrou Paola Colombo no Il Regno, revista que acompanhou o "caminho" dos católicos alemães desde o início de 2019. Infelizmente, um fato inegável e dramaticamente demonstrado nas últimas semanas por notícias envolvendo importantes dioceses e personalidades de destaque. Confirmando a natureza "sistêmica" desse escândalo, denunciado em termos inequívocos em 2021 pelo arcebispo de Munique e Freising, cardeal Reinhard Marx.
Precisamente em Freiburg, onde o Papa Ratzinger havia proferido seu discurso aos católicos engajados na Igreja e na sociedade, uma investigação independente revelou abusos e encobrimentos nos últimos vinte anos, inclusive do arcebispo emérito Robert Zollitsch. O prelado de 84 anos, membro da ala progressista que presidiu com eficácia a conferência episcopal de 2008 a 2014, reconheceu seus erros na gestão dos abusos e, com dois gestos clamorosos, devolveu ao presidente federal a Grã-Cruz da Ordem ao mérito e comunicou ao seu sucessor que renunciava ao privilégio de ser sepultado na cripta da catedral.
Pelas mesmas razões, um mês atrás, outro bispo da mesma linha, Franz-Josef Bode, renunciou à liderança da diocese setentrional de Osnabrück. Muito ativo sobretudo em prol da presença feminina na igreja durante os trabalhos do sínodo alemão, Bode tinha frisado a esse respeito a impossibilidade de ignorar isso com uma imagem plástica, porque "não se pode colocar a pasta dental de volta ao tubo de onde saiu".
Roma reagiu repetidamente aos aspectos mais explosivos que emergiram do debate sinodal alemão, e o próprio Papa Francisco interveio: em 2019 com uma longa carta pessoal, embora sem evocar pontos precisos, e algumas semanas atrás, em entrevista à Associated Press, com frases contundentes, às quais alguns expoentes leigos alemães responderam imediatamente. Terminado o sínodo, um novo concílio sinodal terá que ser constituído, mas a ideia foi rejeitada por Roma. E, nesse quadro, assume um significado inequívoco a clamorosa falta de reconfirmação de Marx no conselho dos cardeais conselheiros do papa.
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Caminhos sinodais e confrontos frontais. As raízes pré-luteranas do conflito eclesial entre Roma e Alemanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU