19 Abril 2023
O Conselho indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul lamenta a morte do Grande Ñanderu Kaiowá Atanásio Teixeira.
A nota é produzida e publicada por Cimi Regional Mato Grosso do Sul, 18-04-2023.
“Podemos plantar. E tudo o que plantarmos certamente vamos colher”
Profundamente consternado, o Conselho indigenista Missionário – Cimi Regional Mato Grosso do Sul sente a morte do Grande Ñanderu (nosso pai) Kaiowá Atanásio Teixeira, tido como um dos maiores rezadores da história do povo Kaiowá e Guarani e falecido neste dia 18 de abril.
Iluminando a vida de todos e deixando testemunhos mágicos do poder que carregava junto a seu Mbaraka, Atanásio enfrentou todos os tipos de batalha. Guiando e dialogando com os encantados, sendo elo da marcha atual do povo com seus ancestrais, foi pilar irredutível para seu povo e seus territórios.
Não tombou em nenhuma destas lutas, não caiu nem mesmo nos ataques sofridos quando defendeu com sua própria vida o território de Mbarakai. Nunca desmoronou, nem por cansaço ou fraqueza, mesmo agora com suas mais de dez décadas de vida. Caiu, por fim, de tristeza – uma tristeza que é a cicatriz maior de todo este genocídio.
Triste tem sido o destino dos rezadores de Limão Verde, reserva onde Atanásio encontrou exílio, esperando ver a demarcação de Mbarakai, sua terra natal. Partiu sem ver.
Em vida viu Ramão, seu companheiro e também filho de Mbarakai, outro rezador, deixar o mundo por problemas de saúde adquiridos depois de ter sido espancado. Atanásio, amado mestre, não foi espancado fisicamente, mas sim em sua alma.
Vanda Teixeira, sua filha, foi brutalmente violada e assassinada há pouco mais de uma semana. ninguém foi preso. “Qual a maior dor de um pai?”, questionou o Nhanderu, para responder, ele mesmo: “Perder uma filha”.
Mestre Ataná! Nhanderu Pai de Todos! Esta chuva que cai hoje por todo o Cone Sul é inequívoca manifestação dos encantados que já te recebem. Você, que tantas vezes mudou a direção dos ventos, que pediu a tantas nuvens de chuva paciência para poder acabar as assembleias da Aty Guasu, que desarmou tantos temporais – sejam eles de chuva ou destes que vêm de Brasília para atormentar teu povo.
Lembraremos sempre em nosso testemunho missionário que quando Atanásio chegava, a geometria, a dança, o canto dos Ñanderu e Nhandesy, se reorganizava e reorquestrava. Tudo assumia lugar, físico e espiritual, para que Atanásio ficasse ao centro: centro do mundo e do que havia de mais sagrado. A ninguém vimos tamanha dádiva. Não importa onde, não importa quando, Ataná chegava, e todos os mbaraka lhe faziam referência, lhe cantavam canções, entonadas e comandadas por sua voz.
É dia de luto para todo o povo Kaiowá. Em especial para aqueles que formavam filas e mais filas para ele abençoar. E pacientemente ele abençoava. E quantos batizados, quantas gerações caminham hoje protegidas pela bênção sagrada destas mãos tão quentes e mágicas. E os Kunumi Pepy, o rito tradicional de passagem Kaiowá e Guarani, prática da qual Atanásio era um dos poucos guardiões?
É de deixar sem chão imaginar o tamanho do que se foi. Há uma tristeza que não pode ser narrada nem mensurada quando parte um Nhanderu. Ainda mais quando este Nhanderu é Hechakara, talvez o último em atividade.
Atanásio foi e sempre será uma liderança espiritual que, por sua capacidade de falar com o sobrenatural, conseguiu fazer coisas extraordinárias em vida. Seu poder sempre mobilizara o povo de forma única. E por isso, tem o reconhecimento de todos os Nhanderu como aquele que caminha como um Pai de Todos.
Mas companheiro Atanásio! Mestre dos mestres, nós do Cimi temos certeza de que não deixará teus filhos órfãos. Porque da tua força fomos e seremos eterno testemunho.
Assim como você carregava sementes, plantava remédios e plantas mágicas, sabemos que também plantou segredos e saberes junto aos yvyraijá. E que eles crescerão, ficarão cada vez mais fortes. Ouvirão tua voz sussurrando com o vento, falando através das árvores, através da Terra. Chegará o momento que eles mesmos se tornarão o que você foi. E então veremos os Mbaraka tocando, todos em um só bater, para eles. Veremos uma assembleia inteira abrindo espaços para teus ensinados e aprendizes. E reverenciando a eles, estarão fazendo, uma vez mais, esta honraria para você.
O Cimi se solidariza com toda a família de Atanásio, neste momento de dor e perda inestimável. A Atanásio e sua memória, prometemos lutar até que Mbarakai esteja demarcada e, focados em teu exemplo, seguir acreditando na luta eterna e na luz dos Nhanderu. Descansa em paz, querido pai, o pai de todos.
“Eu já tenho quase 100 anos e quero ajudar no que puder. Assim estarei junto com vocês. Para isso, eu vim para que todos nós sejamos abençoados e para que a divindade que está lá no céu possa estar junto conosco, e eu estou aqui junto com vocês. Estou aqui para falar um pouco do que estará acontecendo aos nossos arredores e no mundo.
As chuvas que estarão vindo nos próximos dias estarão vindo. Esta chuva que está vindo virá muito forte, mas estarei cantando para que passe distante daqui, em outros lugares, para que não atinja as pessoas, e para isso estarei fazendo uma reza. Eu vim aqui para cumprir minha função como Ñanderu, que é se comunicar sempre com a divindade. Eu vim aqui fortalecer todos nós e todos vocês. Até aqui eu quero falar, seguir todos juntos. Podemos plantar. E tudo o que plantarmos certamente vamos colher”.
Relato de Ñamoe Atanasio Teixeira no lançamento do livro Canto dos animais primordiais – Isaac – UEMS CEPEGRE – 06 de junho de 2022
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Homenagem a Atanásio Teixeira: parte o Pai de Todos, e com ele parte das rezas ancestrais e do próprio espirito Kaiowá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU