06 Abril 2023
De vários lados, diante da atual situação de profunda crise que a fé cristã atravessa em nossas sociedades ocidentais, as pessoas se voltam à origem do cristianismo. Isso acontece tanto em ambientes conservadores (se não mesmo reacionários) quanto em ambientes progressistas. De fato, ambos pretendem credenciar seus discursos referindo-se à época dos inícios. O tema da origem torna-se, assim, o dispositivo para o "endosso" das posições de cada um.
O artigo é de Giuseppe Guglielmi, presbítero e professor de Teologia Fundamental na Faculdade de Teologia da Itália Meridional, seção San Luigi, em Nápoles, em artigo publicado por Settimana News, 01-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O conservador, querendo justificar algumas posições tradicionalistas típicas da modernidade, mas também do magistério pós-conciliar, declara que o caminho da Igreja está em substancial continuidade ao longo dos séculos. Em outras palavras, ele não admite de bom grado as descontinuidades.
As estratégias teóricas para tal operação são muitas e são atentamente estudadas hoje pela teologia e pela história do dogma: fixar o fechamento da revelação com a morte do último apóstolo para assim garantir uma normatividade essencial (em relação a quem e ao quê?) da Igreja; instaurar uma distinção entre inspiração do Espírito Santo (uma espécie de criação/fundação, no Espírito, de elementos importantes na Igreja primitiva) contra uma subsequente assistência do mesmo Espírito à Igreja (mas em um quadro comum agora regulado pela inspiração anterior); invocar uma traditio constitutiva; a ancoragem a uma sucessão apostólica que se desejaria, mesmo em suas formas concretas, em nada diferente das figuras ministeriais dos primórdios.
O progressista, ao contrário, vê as origens como momento puro, fonte, ainda não contaminado por instituições e poderes. Comparados com esses momentos ideais, sustentados por uma evangelização que se tornava com os crentes "um só coração e uma só alma" (cf. At 4, 32-34), os séculos seguintes representariam, salvo alguns lampejos, períodos de decadência, senão mesmo de descarrilamento do verdadeiro Evangelho.
Estou ciente de ter sido um tanto genérico ao descrever as duas posições, mas foi apenas para destacar como essas duas abordagens se assemelham, tanto em termos de desejos quanto de propósitos subjacentes.
Sobre os desejos, ambas as posições pretendem alcançar uma base sólida do ponto de vista histórico (objetividade dos fatos) e teológico (esses fatos aconteceram na Igreja primitiva/apostólica, ou seja, ainda no tempo da revelação e, portanto, são normativos).
Quanto aos propósitos, ambas as posições respondem a algumas necessidades do presente. Mais especificamente, podem situar-se numa situação de crise do cristianismo e, por isso, são movidas pelas exigências de estabelecer uma forma atual de estar no mundo (reconquista cristã ou cumplicidade com o presente, pouco importa).
Sobre esse segundo aspecto se baseia o que eu indicaria como uma abordagem "genealógica" da tradição da Igreja e, em primeiro lugar, à questão das origens. A abordagem genealógica diz não só (a) estudo e reconstrução dos sedimentos históricos ao longo do tempo, com as inevitáveis cesuras e descontinuidades que podem ser encontradas nesse tipo de análise (uma espécie de arqueologia), mas também (b) reflexão sobre as imprescindíveis referências ao presente que movem (na maioria das vezes sem serem analisadas) as obras de historiadores, teólogos ou, de forma mais geral, as convicções dos crentes.
Obviamente, em relação a essa abordagem, eu poderia retomar os esforços de toda uma série de filósofos, historiadores, exegetas e teólogos contemporâneos, o que, no entanto, não poderei fazer por uma questão de brevidade [1]. Em vez disso, o que gostaria de indicar é que os debates entre conservadores e progressistas deveriam ser colocados nesse ponto (uma espécie de inconsciente coletivo?).
Em suma, para resumir, ambos são contemporâneos - ou talvez, mais corretamente, "modernos" -, porque ambos partem de uma vivência sociocultural da qual são constituídos e da qual fazem parte. Além disso, ambos pretendem responder às preocupações suscitadas por essa vivência, ainda que depois assumam, elaborem e respondam a essas preocupações, partindo de opções de valor distintas
E é precisamente nesse último aspecto que considero que se destaca a contribuição (não é a única) da teologia. A busca teológica (eclesiologia) poderia, por exemplo, partir desta pergunta básica: qual “modo de habitar o mundo” anima as nossas vivências eclesiais?
Uma reflexão atenta sobre a sinodalidade, sobre os sinais dos tempos, sobre o discernimento poderia, portanto, se desvendar a partir desse questionamento. Na verdade, esses temas realmente assumem carne e osso quando colocados em perspectivas declaradas e levadas adiante com rigor e seriedade (tanto da teologia quanto de outras contribuições culturais).
Claro, sempre é possível outra opção, à qual os próprios teólogos e teólogas não estão imunes: ou seja, limitar-se a declamar alguns conceitos quase como slogans, ou comentar algumas passagens do recente magistério pontifício. Em outras palavras: é possível também a opção por uma teologia feitas por escritores seguros e teólogos da corte, atentos em atender às sensibilidades do momento, talvez com o olhar sempre voltado para eventuais mudanças de guarda e, portanto, com a sagacidade de mudar de rota de um momento ao outro.
[1] O âmbito da pesquisa é vasto. Para permanecer no campo dos teólogos atualmente vivos, aponto aqui apenas as obras de Ch. Theobald, G. Ruggieri, P. Gisel, M. Seewald. Claro que a lista seria ainda mais extensa se fossem acrescentas as contribuições muito recentes de vários historiadores, patrólogos e exegetas. A título de exemplo, limito-me aqui a citar apenas as contribuições de A. Di Berardino, E. Norelli, R. Penna, Michael Theobald.
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Conservadores? Progressistas? Não! Modernos. Artigo de Giuseppe Guglielmi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU