28 Janeiro 2023
Em 2022, o SUS registrou 2.754 internações de bebês menores de 1 ano por desnutrição, uma média de sete por dia.
A reportagem é de Luís Gomes, publicada por Sul 21, 26-01-2023.
Em 2022, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 2.754 internações de bebês menores de 1 ano por desnutrição, sequelas da desnutrição e deficiências nutricionais, aponta levantamento divulgado nesta semana o Observa Infância da Fiocruz. No Rio Grande do Sul, foram 159 internações de bebês por essas causas no ano passado, o sexto maior número entre todos os estados do Brasil.
De acordo com o estudo, sete menores de um ano foram internadas por dia por desnutrição em 2022. O número é levemente inferior ao registado em 2021, quando 2.979 hospitalizações foram registradas, média de oito por dia. No entanto, o dado de 2021 foi o maior da série histórica (iniciada em 2009), com 114 internações para cada 100 mil nascidos vivos. Em 2011, o País registrou o menor índice, com 75 hospitalizações de bebês para cada 100 mil nascidos vivos.
“No cenário atual, embora o sistema registre uma pequena redução no número de internações de bebês menores de 1 ano por desnutrição no país de 2021 para 2022, de 2.946 para 2.754 hospitalizações, podemos considerar que a tendência se mantém – o que é preocupante”, avalia o coordenador do Observa Infância, Cristiano Boccolini.
De acordo com os dados do Observa Infância, entre 2018 e 2021, o país registrou 13.202 hospitalizações por desnutrição entre menores de um ano. Destas, 5.246 foram de bebês pretos e pardos. Contudo, os dados do recorte racial são incompletos, uma vez que um em cada três registros não trouxeram a informação sobre raça/cor dos bebês.
(Foto: divulgação)
Das 2.754 hospitalizações de 2022, 1.175 foram no Nordeste, sendo 480 apenas na Bahia, estado que registrou o maior número. A região Sul registrou 376 hospitalizações, acima apenas da região Norte, com 328. Contudo, com 159 internações de bebês por desnutrição, o RS teve dados piores do que o Paraná (114) e Santa Catarina (103).
Mônica Broilo, doutora em Ciências da Saúde, com especialização em Nutrição Clínica, Psicologia do Comportamento Alimentar e em Neurociência e Psicologia Positiva, destaca que a desnutrição infantil é uma questão multicausal e que o aumento dos casos de hospitalização nos últimos anos era esperado em razão de o Brasil ter retornado ao Mapa da Fome.
Ela pontua ainda que os dados de hospitalização de bebês por desnutrição são a ponta “extrema” do problema. “São crianças que estão tão desnutridas que precisaram ser internadas. Com certeza, o percentual de crianças desnutridas é infinitamente maior, mas essas outras crianças talvez não precisem da hospitalização, que é a última ponta do serviço de saúde”, diz.
A respeito da sexta colocação do Rio Grande do Sul, ela destaca que não é possível dizer que se trata de um resultado esperado, mas destaca que o estado está inserido nesse mesmo contexto de aumento da insegurança alimentar.
“Nós sabemos que, embora o Rio Grande do Sul seja um estado com um nível de desenvolvimento mais positivo do que outras regiões, a gente sabe que temos muito problemas, relacionados a uma série de coisas que acabam impactando na alimentação e nutrição das crianças. Não é uma surpresa, a gente sabe que o estado tem os mesmos problemas contextuais que acontecem no resto do País”, afirma Mônica.
A especialista em Nutrição Clínica defende que o aleitamento materno é a principal forma de combater a desnutrição infantil. “O aleitamento materno é protetivo, não só para a desnutrição, mas para uma série de doenças que afetam as crianças nos primeiros anos de vida, mas também na adolescência e na vida adulta. A gente já tem pesquisas que mostram que cada recurso investido em projetos no primeiro ano de vida, de aleitamento materno, de uma alimentação complementar saudável, eles retornam para a sociedade porque resultam em uma menor taxa de mortalidade, uma menor prevalência de doenças, menor necessidade de internações”, diz.
Com isso, Mônica diz que a redução dos números apresentados pelo Observa Infância passa, em primeiro lugar, pela promoção de políticas que favoreçam o aleitamento materno. Ela destaca que o “Guia alimentar para a população brasileira” incentiva o aleitamento materno para crianças menores de dois anos, o que já serve de orientação para famílias e profissionais de saúde. Contudo, é necessário ampliar as políticas públicas.
“Políticas que garantam licença maternidade para as mães que amamentam, incentivos em relação a isso, creches que incentivem o aleitamento materno. A gente tem algumas políticas em Porto Alegre, por exemplo, que incentivam o aleitamento materno dentro das escolas de educação infantil do município. Essas políticas são muito importantes para que as mães consigam amamentar os seus filhos”, diz
De outro lado, defende que é preciso uma regulamentação mais firme quanto à publicidade e comercialização de alimentos vendidos como substitutos do leite materno. “Nós temos uma lei que regulamenta a propaganda, a venda e a inserção desses leites artificiais dentro das instituições de saúde, mas a gente sabe que a legislação é infringida muitas vezes. Então, por conta dessas propagandas, nós temos a cultura de que um leite artificial seria benéfico para a criança”, diz.
Segundo ela, os leites artificiais devem ser uma alternativa apenas para os casos em que a criança não tem a possibilidade de receber o leite da mãe ou quando a mãe tem algum problema, mas não poderiam ser tratados como substitutos ou equivalentes.
“A composição é muito diferente, além do que o leite materno tem substâncias que protegem a criança no sentido do desenvolvimento imunológico, do crescimento, da formação cognitiva. É um alimento que protege a criança de uma série de doenças, e o leite artificial nunca vai conseguir reproduzir esses benefícios”, afirma.
Mônica Broilo ressalta que a desnutrição infantil não pode ser retirada do contexto social e tratada apenas do ponto de vista de saúde, assim como não é possível ignorar que a dieta média das famílias brasileiras é composta em grande parte por alimentos ultraprocessados, que não fornecem nutrientes importantes.
“Para combater a desnutrição, principalmente no sentido de hospitalização, que é o caso extremo, as medidas são de política pública”, diz, citando a necessidade de programas de geração de emprego e renda para mulheres e a ampliação de vagas em creches, que também garantem acesso à alimentação.
Contudo, pontua que o enfrentamento da desnutrição também passa pelo acesso aos serviços de saúde, especialmente na prevenção. “Com a situação econômica do País e essa volta ao mapa do fome, grande parte da população não tem acesso a uma alimentação adequada e saudável. Então, são necessárias políticas para garantir o acesso à alimentação, assim como também o acesso aos serviços de saúde. Quando as famílias têm acesso aos serviços de saúde, outras questões da família e das comunidades vão ser vistas.”
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RS é o 6º estado com maior número de bebês hospitalizados por desnutrição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU