19 Janeiro 2023
Francisco na África pela quinta vez, de 31 de janeiro a 5 de fevereiro. Mario Giro: “No primeiro caso, estamos diante de com um conflito pós-moderno onde o negócio das armas foi privatizado, no segundo com uma antiga guerra étnica envolvendo grupos cristãos”. Cancelada uma etapa na zona onde o Embaixador Attanasio foi morto.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada por La Repubblica, 17-01-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco verá pessoalmente as consequências de duas guerras muito diferentes, uma guerra predominantemente étnica no Sudão do Sul e uma guerra "pós-moderna", onde a violência foi privatizada, na República Democrática do Congo, durante sua próxima viagem à África (31 de janeiro-fevereiro 5).
"Se a do Sudão do Sul se assemelha a uma antiga guerra étnica, a do leste da República Democrática do Congo é pós-moderna, é uma guerra que continua quase por motivos internos porque houve uma privatização do negócio das armas, há muita gente que vive dessa situação e quando há muitos grupos que fazem guerra é difícil encontrar o cerne político da questão", explica Mario Giro, membro da Comunidade de Santo Egídio e vice-ministro das Relações Exteriores nos governos Renzi e Gentiloni.
Ontem foi divulgada a notícia de que pelo menos 17 pessoas foram mortas na explosão de um dispositivo rudimentar colocado em uma igreja pentecostal no nordeste do Congo.
Jorge Mario Bergoglio visita Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, de 31 de janeiro a 3 de fevereiro, e Juba, capital do Sudão do Sul, de 3 a 5 de fevereiro. A viagem, inicialmente pensada para 2017 e que não foi concretizada por questões de segurança, deveria ter ocorrido em julho passado, mas Francisco adiou devido a problemas no joelho. Do programa inicial, foi cancelada uma etapa em Goma, na região oriental congolesa de Kivu, não muito longe do local da emboscada em que, em 21 de fevereiro de 2021, o embaixador italiano Luca Attanasio foi morto, juntamente com o carabineiro e o motorista que o acompanhavam. No entanto, Francisco deveria se encontrar com alguns deslocados da região na sede da nunciatura apostólica.
O Papa já fez quatro viagens à África, duas das quais à região subsaariana: em 2015 esteve no Quênia, Uganda e, mais recentemente, na África Central, onde abriu a porta santa do Jubileu da Misericórdia, em 2017 no Egito, em 2019 no Marrocos, e depois em Moçambique, Madagáscar e Maurícias.
Agora, explica Mario Giro, “o Papa Francisco, como é seu costume, vai visitar as periferias: esses dois países são periferias do ponto de vista da pobreza, mas também do ponto de vista da guerra, porque há duas guerras intermináveis. A do Sudão do Sul, em particular, é uma guerra que é causa mal-estar aos cristãos porque quisemos a independência do Sudão do Sul dos muçulmanos do norte, até os missionários a quiseram, e quando a conseguimos houve uma guerra civil. Infelizmente é uma situação que envergonha a nós, cristãos, porque é uma guerra civil entre cristãos". Nascido em 2011, o país foi dilacerado por uma guerra interna desde 2013.
Sabe algo sobre isso o jovem bispo de Rumbek, mons. Christian Carlassare, que escapou de um atentado em 2021, poucos dias antes de ser consagrado. "Todos estamos cientes que o caminho rumo à unidade e à paz ainda é longo e cheio de dificuldades", escreveu em Nigrizia, revista dos missionários combonianos. "O país continua muito dividido por linhas étnicas e há quem não deixe de ressaltar que os sul-sudaneses não são um só povo, mas muitos povos diferentes numa só nação".
A igreja local, pobre, trabalha pela reconciliação. A própria Comunidade de Santo Egídio está há tempo empenhada em definir um quadro de negociação que conduza à paz. A iniciativa do papa se insere neste contexto, sempre em sintonia com o Arcebispo de Canterbury, o primaz anglicano Justin Welby, e o moderador da Igreja da Escócia, Jim Wallace.
Líderes cristãos se uniram para tentar suturar a guerra entre os cristãos. Em abril de 2019, o Papa Francisco recebeu o presidente Salva Kiir e o então líder da oposição Riek Machar, agora vice-presidente, recém-saídos de um acordo de paz assinado em setembro de 2019 na Etiópia. Naquela ocasião, o próprio Francisco havia se prostrado no chão e havia beijado os pés dos dois líderes.
“O gesto do Papa foi psicologicamente e comunicativamente muito forte”, conta hoje por videoconferência Gino Barsella, representante no Sudão do Sul da AVSI (Associação de Voluntários para o Serviço Internacional). Mesmo com um gesto muito humilde, Bergoglio, no entanto, "colocou os líderes de costas para a parede, porque assim ressaltou que eles tinham que ser sérios, e acredito que efetivamente foram mais sérios, mas também deu força à posição da Igreja no processo de reconciliação". Agora, diz Elizabeth Anon, oficial de programa da própria AVSI, "todos estão muito entusiasmados por ter o Papa no país, todo o país o aguarda e esperamos que ele venha e dê continuidade àquele gesto".
Quanto à República Democrática do Congo, a conferência episcopal, liderada pelo carismático cardeal Fridolin Ambongo Besungu, arcebispo de Kinshasa, é um ator muito importante no cenário social e político local. "Promove a democratização, que é uma garantia de futuro", explica Mario Giro: "A conferência episcopal é a única em condições de organizar 40.000 observadores nas urnas com um sistema altamente organizado e eficiente e que sabe dizer se as eleições são válidas ou não".
Para Elysée Patricia Kakisingi, coordenadora do programa de apoio à distância da AVSI, o Papa poderá "continuar o que a Conferência Episcopal já começou, dar segurança ao país, pedir aos responsáveis que trabalhem pelo bem-estar da população, condenar os que agridem e pedir aos ocidentais que bloqueiem a balcanização da região".
Na região nordeste de Kivu, rica em minas, infiltrada por milícias da vizinha Ruanda (o grupo mais famoso é o M23), emboscadas e assassinatos são frequentes. “Pensamos que a presença do Papa possa ajudar a sair desta crise porque é uma figura aceita por todos, em nível internacional, e empenhada na paz”. Para Daniele Mazzone, responsável da AVSI na região, "todos aqui sabem que o Papa está chegando: esperam que ele traga energia para as organizações e para as pessoas que trabalham pela paz e que chame a atenção para esta crise quase esquecida".
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A viagem do Papa ao Congo e ao Sudão do Sul, em contato com duas guerras muito diferentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU