21 Dezembro 2022
"A primeira edição deste manual de cristologia apareceu em 2001, foi impressa várias vezes e também traduzida. Hoje surge esta nova edição minuciosamente revista e aumentada com um Apêndice (p. 655-693). Cardedal observa que o texto permanece fundamentalmente idêntico, tendo-se em consideração que no entender do autor nos últimos anos não surgiram aportes essenciais nos campos a partir dos quais surge a cristologia (exegese, história do dogma, reflexão filosófica, ecumenismo, experiência", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos), da Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, sobre o mencionado livro, de Olegário González de Cardedal.
Olegario González de Cardedal é teólogo nascido em Lastra del Cano (Ávila), Espanha, em 1934. Estudou em Ávila, onde foi ordenado presbítero em 1959, e na Universidade de Munique, onde se formou em Teologia em 1964. Realizou seus estudos também em Oxford e Washington. Como presidente de Teologia na Pontifícia Universidade de Salamanca, na Espanha, cargo que ainda ocupa, participou da terceira sessão do Concílio Vaticano II e da Conferência Teológica Internacional. Ele também é membro comum da Real Academia de Ciência Morais e Políticas da Espanha (Real Academia de Ciências Morais e Políticas) de Madri.
É o autor da substanciosa/consistente obra Cristologia (Vozes, 2022, 720 p.) estruturada em três partes: 1) História e destino e Cristo: cristologia bíblica (p. 75-224); 2) Presença e interpretação de Cristo na Igreja: cristologia histórica (p. 225-407); 3) A pessoa e a missão de Cristo: cristologia sistemática (p. 409-632). Esta obra foi precedida por outras do mesmo autor, que a partir de diferentes perspectivas e ocupam destas e de outras: Jesús de Nazaret. Aproximación a la cristología (Madri, 1993), Cuatro poetas desde la outra ladera: rolegómenos para uma cristologia (Madri, 1996); La entraña del cristianismo (Salamanaca, 2011). Em seguida veio Fundamentos de cristologia (Madri, 2011, 2 volumes).
Cristologia (Vozes, 2022, 720 p.) | Foto: Divulgação
As coordenadas objetivas destas obras são o Concílio Vaticano II (1962-1965) e o fim do século. Cardedal diz que do Concílio permaneceu nele uma convicção profunda: desde quando Deus se encarnou em Jesus Cristo, um de nós se tornou Filho de Deus e um da Trindade morreu pelos homens- Deus, Cristo e homem se uniram e são inseparáveis, tanto em sua realidade quando na sua intelecção sobre eles. Esse é o triângulo hermenêutico sem o qual todo o resto resulta ininteligível.
A primeira edição deste manual de cristologia apareceu em 2001, foi impressa várias vezes e também traduzida. Hoje surge esta nova edição minuciosamente revista e aumentada com um Apêndice (p. 655-693). Cardedal observa que o texto permanece fundamentalmente idêntico -, tendo-se em consideração que no entender do autor nos últimos anos não surgiram aportes essenciais nos campos a partir dos quais surge a cristologia (exegese, história do dogma, reflexão filosófica, ecumenismo, experiência. histórica nova, vida da Igreja), que exigiriam mudanças nas linhas mestras deste tratado. Frente a isso, no primeiro apêndice (p. 657-683) o autor tenta enumerar os avanços maiores da reflexão cristológica no século XX e, ao mesmo tempo, formular algumas das tarefas e possibilidades abertas no século XXI. Sob o título Bibliografia mínima (p. 684-693) oferece em dez pontos alguns títulos significativos, que podem nos ajudar a conhecer as novas perspectivas, abertas neste decênio.
Definindo a cristologia como a reflexão sistemática que, a partir de dentro da comunidade, os fiéis fazem sobre Jesus Cristo, com racionalidade histórica e método científico, referindo-se à situação de redenção ou de não redenção, vivida pela humanidade no meio da qual Ele é anunciado como evangelho, surgindo numa história particular e sendo simultaneamente logos de verdade universal (p. 72), na Introdução a este tratado de cristologia (p. 41-73), Cardedal acentua que:
a) o ponto de partida e de referência da cristologia é a história pessoal de Cristo que abarca a mensagem, as ações e o destino daquele que viveu em relação obediente com a vontade de Deus, e simultaneamente aceitou a decisão dos homens sobre Ele (p. 43-44),
b) o objeto da cristologia: expõe a realidade de Cristo na medida em que nele estão implicados Deus, o homem e o mundo (p. 45-47),
c) o lugar onde encontramos Cristo e onde se dão as condições objetivas para conhecê-lo: o lugar temporal (história no mundo) e o lugar eterno de Cristo (Deus e seu plano de salvação) (p. 47-51),
d) o sujeito da cristologia, a Igreja enquanto corpo de Cristo, animada por seu Espírito, encarregada de sua missão e fortalecida com as graças pessoais e os carismas de edificação comunitária de cada um de seus membros (p. 51-56),
e) a diversidade de métodos: cada autor pode começar por uma dimensão da história e mistério de Cristo, mas deve justificar cada dimensão, bem como explicitar a conexão interna entre eles (p. 56-61),
f) a divisão da matéria (p. 61-62),
g) as tarefas primordiais: a relação singular de Jesus com Deus como seu Pai, a unidade com o Pai no Espírito Santo, a relação de Cristo com todos os homens, Cristo e o sentido da realidade, Cristo e o mal (p. 63-67),
h) as dificuldades atuais (p. 67-70),
i) as abordagens e os destinatários privilegiados (p. 70-72),
j) definição e as tarefas essenciais da reflexão sistemática: exposição, fundamentação e historicização (p. 72-73).
Cardedal frisa que para a fé em Cristo é essencial o conhecimento de sua história: ela nos revela sua identidade pessoal. A Igreja viva e o Novo Testamento, com uma dupla vertente, narrativa (evangelhos) e confessional (cartas), oferecem a informação necessária e suficiente para conhecer a Cristo respondendo às perguntas essenciais: o que Ele disse; o que Ele fez; quem foi; como se apresentou; o que fizeram com Ele e por que os homens quiseram livrar-se dele; como se portou diante de Deus; por que e por quem devemos tê-lo; quem é e o que Ele significa para os homens; o que podemos esperar dele; que porvir tem; onde Ele está presente, reconhecível e acessível hoje.
Nesta perspectiva a primeira parte aborda a ação de Jesus (p. 81-122), sua paixão (p. 123-170), sua glorificação (p. 171- 224). Por sua vez a segunda parte concentra-se na cristologia histórica: a) a época patrística: os concílios cristológicos (p. 227-347), b) a época medieval: a escolástica e o século da Reforma (p. 348-376), c) a cristologia da época moderna e contemporânea (p. 377-407). Por fim, a terceira parte contempla a cristologia sistemática abordando estes temas: a) a origem: o Filho de Deus (p. 411-474), b) a constituição: o homem Jesus (p. 475-554), c) a missão: o mediador da salvação (p. 555-632).
Concluindo (p. 633-654), o autor ressalta que a reflexão sobre Jesus teve início a partir da releitura do Antigo Testamento, cujos textos foram repensados à luz dos fastos vividos, e que formam a infraestrutura da cristologia do Novo Testamento. Nele se concentram a esperança do povo judeu e as esperanças da salvação (messianismos) que a humanidade, em forma diversa (a sabedoria, a ação, a arte, a utopia, a política), foi cultivando. Jesus realiza uma esperança anterior a Ele e abre para outra esperança ulterior, nascida de sua vida e da vida nova que Ele tornou possível. Diante disso, observa era necessário em primeiro lugar discernir, acolher e deixar-se iluminar pela revelação de Deus em Cristo (cristofania), em seguida deixar-se purificar, transformar e deificar por Ele (cristoterapia). Só depois dessa dinâmica é possível dispor da capacidade necessária para descobrir o sentido, conhecer o fundamento e expor a verdade de Cristo (cristologia).
Sobre o futuro da cristologia, Cardedal observa que dependerá de muitos fatores: mas seu destino será decidido em primeiro lugar por aqueles homens e por aquelas mulheres que no coração das massas e diante de Deus se entregam silenciosa e incondicionalmente a acolher com sua pessoa, a pensar com sua inteligência e a transmitir com sua vida o mistério de Cristo enquanto vão acolhendo e pensando, discernindo e integrando os pensamentos e as esperanças dos homens.
No entanto, observa o autor que uma cristologia contemporânea não poderá se contentar com uma repetição nem com a prolongação de cristologias que foram evidências no século XX, mas que já não o são, e as vezes substituídas por outras, em outros registros. Então os ventos impulsionaram a apologética da imanência, a metafisica da inquietação, a espera do Eterno, o anseio pela verdade, a nostalgia do infinito, a afirmação e a confiança do homem individual ou coletivo em si mesmo: seriam esses os ventos que sopram hoje sobre os humanos? Quando hoje se fala em razão sem esperança e de esperança sem razão, ambas estão ameaçadas de morte.
O entusiasmo pela virada antropológica, como necessário ponto de partida, e a confiança quase ilimitadas nas possibilidades do homem já não são mais evidentes. Prevalecem as injustiças, a pobreza não superada pela política nem pela economia ou pela ideologias, a ineficácia dos ideais de paz mundial e do progresso generalizado, a desconfiança do homem em si mesmo e no próximo, as guerras, a culpa, o pecado e o mal dominantes, morte que não cessa exigindo uma palavra para ser lago mais do que um ultraje ofensivo à autonomia do homem. Por isso não podemos absolutizar o otimismo antropológico próprio das cristologias transcendentais. Juntamente com a busca de Deus a partir do homem é preciso acolher a busca histórica do homem por Deus em revelação e encarnação, quando aquele não apenas o buscava, mas fugia dele. Esta depressão antropológica e fuga de Deus caracterizam também a nossa situação; e a partir dela e para ela temos que elaborar a cristologia.
Este é o horizonte em que se situa esta obra. As páginas deste manual de Cristologia são a síntese de uma longa vida docente de Olegario González de Cardedal. Abordando a cristologia nos seus elementos bíblicos, históricos e sistemáticos mostra-nos que Jesus de Nazaré Cristo é o pioneiro e consumador da fé; o fundamento, a forma e o futuro do cristianismo. Ele foi creditado por Deus com palavras e milagres, com a ressurreição e o dom do Espírito. Sua história, mensagem e destino geraram fé em quem o reconheceu como o Messias de Israel, Salvador do Mundo, Senhor da Igreja e do Cosmos. Por assim ser, segundo o autor a cristologia é a origem histórica, o fundamento permanente é o princípio gerador de todos os outros tratados teológicos. Com ela, a fé, a Igreja e a teologia resistem ou caem.
Esta oportuna obra ajudará o/os leitores/as a compreenderem as origens cristológicas numa correlação crítica com o passado e o presente, a discernir os complexos elementos teóricos e práticos atuais que algumas vezes facilitam e outra dificultam a fé em Cristo, mostra que a fé em Cristo é um fermento de humanização e uma potência de salvação. Unindo a reflexão teórica, a tradição secular e a compreensão atual, o rigor acadêmico e a profundidade espiritual- este é um livro para ler e refletir, antes que estudar e aprender. Isso porque, segundo o autor depois de tudo o que a consciência moderna significou para o cristianismo, e após todas as transformações vividas na Igreja durante o último século, não é possível repetir mimeticamente nem fazer uma proposta meramente bíblica, narrativa, positivista ou dogmática da fé. Deve-se oferecer uma proposta ao mesmo tempo reflexiva e fundamentada. A demonstração da validez da fé em Cristo não é algo exterior ou anterior a ela, mas simultânea: a verdade e o sentido do conteúdo proposto são em si mesmos sua verdadeira fundamentação.
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Cristologia. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU