20 Dezembro 2022
A eleição de dom Timothy Broglio, protegido do falecido cardeal Angelo Sodano, pode ter consequências para a Igreja para além dos Estados Unidos.
O comentário é de Bill Uren, jesuíta australiano, publicado por La Croix International, 17-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A recente eleição de dom Timothy Broglio como presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos – USCCB é significativa em muitos aspectos. Examinarei apenas três: primeiro, o significado da eleição para a Igreja dos Estados Unidos; em segundo lugar, seu significado para a Igreja global; e terceiro, se houver, que significado tem para a Igreja australiana. Mas, como introdução, algumas palavras sobre o próprio arcebispo.
Broglio preside o Ordinariado Militar dos Estados Unidos desde 2008. De 2001 a 2007 foi núncio apostólico na República Dominicana e delegado apostólico em Porto Rico. Antes dessas nomeações, de 1990 a 2001, ele foi diplomata vaticano de carreira em Roma como secretário pessoal e influente assessor do secretário de Estado do Vaticano, cardeal Angelo Sodano. Foi durante o tempo de Broglio em Roma que Sodano teria bloqueado as investigações sobre o conhecido abusador de menores padre Marcial Maciel Degollado, fundador da congregação religiosa Legionários de Cristo. Broglio negou qualquer conhecimento dessas alegações, embora Maciel tenha sido denunciado em 1997.
Ao contrário da maioria das pesquisas informadas, Broglio continuou culpando a homossexualidade pela crise de abuso sacerdotal. Ele também apoiou objeções às vacinas da covid-19 por motivos de consciência. Ele falou calorosamente sobre o dom Carlo Maria Viganò, ex-núncio apostólico nos Estados Unidos e, posteriormente, um dos mais severos críticos do Papa Francisco.
Sua eleição, então, é significativa do ponto de vista nacional. Pode significar que são os bispos cuja principal lealdade é para os ricos empresários católicos associados ao Partido Republicano, e não para o Papa Francisco, que ainda é a maioria na USCCB. Como seu antecessor, dom José Gomez, arcebispo de Los Angeles, Broglio agora preside uma conferência episcopal polarizada. Ao contrário das convenções e de suas próprias expectativas, muitos bispos em dioceses de prestígio foram negligenciados pelo Papa Francisco ao elevar arcebispos à categoria de cardinalício. A eleição de Broglio e seu apoio morno ao conceito de sinodalidade indicam que muitos dos bispos dos EUA estão descontentes com a direção que o Papa Francisco está levando para a Igreja.
A eleição de Broglio, no entanto, não é apenas significativa no contexto dos EUA, mas também internacionalmente. Ele e seus colegas fazem parte de um eleitorado global considerável que não apenas está menos do que entusiasmado com o Papa Francisco, tanto pessoal quanto politicamente, mas mesmo agora está antecipando sua morte e a eleição de um novo papa. Eles esperam por um sucessor mais nos moldes dos papas João Paulo II ou Bento XVI, um papa menos insistente em implementar as reformas mais radicais do Concílio Vaticano II e um papa que recuperará a autoridade de ensino e a governança dos bispos e do clero, em vez de promover o movimento democrático da sinodalidade na Igreja.
Já se passaram quase dez anos desde que, aos 76 anos, Jorge Mario Bergoglio foi eleito papa e assumiu o nome de Francisco. Durante esses dez anos, ele nomeou 111 cardeais, 81 dos quais, com menos de 80 anos, atualmente qualificados para votar no próximo conclave. Mas há um número quase igual (114) que foram nomeados pelo Papa João Paulo II (50) ou pelo Papa Bento XVI (64). Embora apenas 45 deles atualmente se qualifiquem para votar no conclave, todos os 114 têm direito a participar da ampla e influente consulta sobre o estado da Igreja que precede o conclave.
Assim, embora quase dois terços dos atuais eleitores tenham sido nomeados pelo Papa Francisco e, pode-se presumir, favorecer a eleição de um papa nos moldes semelhantes aos do Papa Francisco, essa presunção é muito frágil quando o número total de cardeais e a importância da consulta pré-conclave são levadas em consideração. Essa consulta pode ser ainda mais importante do que o normal porque muitos dos indicados por Francisco vêm de dioceses remotas e podem ser mais suscetíveis à politicagem do Vaticano.
Assim, os bispos estadunidenses ao elegerem Broglio e ao parecer abraçar uma agenda restauracionista não estão necessariamente abraçando uma causa abandonada. Suas fortunas e as de seus apoiadores Republicanos podem ser restauradas da noite para o dia pela eleição de um papa mais nos moldes de João Paulo II ou Bento XVI do que do Papa Francisco.
O perfil episcopal na Austrália tem alguma semelhança com o seu homólogo dos Estados Unidos? Certamente não há o mesmo grau aparente de polarização que existe no ramo dos Estados Unidos, mas também há diferenças entre os bispos australianos.
No recente Concílio Plenário houve uma série de votos episcopais que se opuseram a qualquer item “progressista” da agenda, notadamente, é claro, na votação original sobre a igualdade entre mulheres e homens na Igreja, onde quase um terço dos bispos originalmente votou no negativo. Mas também houve outras áreas onde houve um voto episcopal negativo sólido. Mais uma vez, pelo menos originalmente, quando foi proposto que uma comissão conjunta de bispos, clérigos e leigos fosse comissionada para implementar as recomendações do Concílio, uma minoria substancial dos bispos se opôs a essa divisão de responsabilidade.
Embora às vezes tenha sido uma votação apertada, a liderança da Conferência dos Bispos Católicos Australianos nos últimos dois ou três mandatos foi confiada a moderados de centro-esquerda, e não aos mais “ortodoxos”. Esses “ortodoxos” em algumas ocasiões, no entanto, não hesitaram em divergir da linha defendida pelo Papa Francisco. O arcebispo de Sydney questionou o uso da vacina AstraZeneca por motivos morais (derivada remotamente da linha celular de um feto abortado), embora o papa e a comissão pontifícia relevante tenham validado seu uso em várias ocasiões.
Então, no auge da pandemia, tanto o arcebispo de Melbourne quanto o arcebispo de Hobart pareciam se esforçar para defender a permissão da mistura de vacinados com não vacinados de maneiras marcadamente menos restritivas do que as fortemente endossadas pelo papa.
Esses desvios da liderança papal são, se não notáveis, pelo menos incomuns porque, virtualmente sem exceção, os bispos australianos não cantam tradicionalmente fora do coro papal. Se esses são sinais de que, como seus irmãos dos Estados Unidos, alguns bispos australianos não lamentarão a morte do Papa Francisco e serão a favor da eleição de um papa restauracionista é uma questão de conjectura.
O que sabemos, no entanto, é que o único cardeal australiano, George Pell, não tem voto no conclave, estando acima da idade elegível. Mas é provável que ele seja um ator muito influente nas consultas pré-conclave, talvez até mais do que seus colegas dos Estados Unidos. Portanto, será interessante ver se ele cumprimenta Broglio como um camarada de armas ou mantém uma distância estudada quando, inevitavelmente, eles se encontrarem em Roma.
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Como o novo presidente da Conferência dos Bispos dos EUA afetará o resto do catolicismo? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU