27 Agosto 2020
"É evidente a obrigação moral de todos os sujeitos envolvidos na pesquisa, na produção, na comercialização e na administração de uma vacina (cada um dos quais tem diferentes responsabilidades em relação ao uso de células fetais de abortos eletivos em relação à própria vacina) de se dissociar formal e publicamente do ato do aborto que está na origem remota da produção de linhagens celulares fetais. Por outro lado, destaca-se a licitude do uso pro tempore dessas vacinas – na medida em que representam uma condição necessária e proporcionada para proteger a saúde e salvar a vida dos cidadãos – no aguardo da disponibilidade de outros meios profiláticos vacinais ou não vacinações eficazes", escreve o padre Roberto Colombo, bioeticista da Universidade Católica de Milão, em artigo publicado por Avvenire, 26-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Três bispos australianos escreveram ao governo: não à preparação de Oxford. Usar linhagens celulares de fetos tirados décadas atrás. A Academia Para a Vida: não há cumplicidade moral.
É elevada a expectativa para o desenvolvimento, os ensaios clínicos e a produção de vacinas contra o Covid-19 (embora não haja certeza de que será realmente a panaceia) em um mundo marcado pela pandemia que já conta com mais de 810.000 vítimas e que desestruturou o dia a dia de bilhões de pessoas. Mas está aberto um debate ético, relançado ontem com a intervenção de alguns bispos australianos, sobre os procedimentos de obtenção de algumas candidatas a vacinas. Conforme revelado pela revista Science em junho passado, pelo menos cinco delas – incluindo aquela estudada em Oxford com a empresa AstraZeneca, também encomendada em grandes quantidades pela Itália – usam para seu desenvolvimento duas linhagens de células fetais humanas obtidas de abortos voluntários em mulheres grávidas: HEK-293 (linhagem celular renal fetal isolada de um aborto por volta de 1972) e PER.C6 (linhagem retinal obtida de um feto de 18 semanas abortado em 1985). Ambas as linhagens celulares foram elaboradas no laboratório do Dr. Alex van der Eb (Universidade de Leiden, Holanda) e são utilizadas em laboratórios de pesquisa e nas indústrias de biotecnologia.
Em quatro candidatas a vacinas, as células HEK-293 ou PER.C6 derivadas daquelas originalmente retiradas dos fetos abortados são usadas como "mini-fazendas" para produzir grandes quantidades de adenovírus em que é inibida a replicação e que servem para introduzir alguns genes do Coronavírus SARS-Cov-2 na vacina para induzir a produção de proteínas virais e estimular a resposta imune. Na quinta potencial vacina, as células HEK-293 são usadas para produzir em laboratório a proteína spike SARS-Cov-2, que será injetada na pele com adesivo de microagulhas (skin patch) para desencadear a reação imunológica. Não é o primeiro caso de vacinas que utilizam células fetais de abortos eletivos, sendo estas últimas utilizadas desde a década de 1960. Vacinas que são utilizadas para imunizar contra rubéola, catapora, hepatite A, poliomielite e herpes zoster. As linhagens de células fetais humanas também são usadas para produzir alguns medicamentos contra a hemofilia, artrite reumatoide e a fibrose cística.
Para evidenciar os motivos de uma dúvida ética sobre a licitude moral da experimentação, da produção e do uso por médicos e pacientes de princípios ativos biotecnológicos obtidos por meio do uso de células produzidas a partir daquelas retiradas de fetos humanos na época (não se trata das mesmas células do feto abortado, mas de células da mesma linhagem celular – isto é, com características biológicas idênticas – derivadas por sucessivas divisões mitóticas daquelas originais) é necessário partir do reconhecimento pela consciência, iluminada pela lei moral, que "entre todos os delitos que o homem pode cometer contra a vida, o aborto procurado apresenta características que o tornam particularmente grave e deplorável” (S. João Paulo II, Evangelium vitae, n. 58). O Concílio Vaticano II o define, junto com o infanticídio, como "crime abominável" (Gaudium et spes, n. 51).
Em continuidade a todo o magistério católico anterior, o Papa Francisco recordou com veemência várias vezes que “o aborto não é um mal menor. É um crime. É acabar com um para salvar o outro [...] É um mal em si, [...] é um mal humano. E evidentemente, por se tratar de um mal humano – como todo assassinato – é condenado” também pela Igreja (17 de fevereiro de 2016). Portanto, entende-se por que de parte de três bispos australianos (um católico, um grego-ortodoxo e um anglicano) e outros representantes cristãos e fiéis individuais, foi levantada a veemente solicitação a pesquisadores, indústrias de biotecnologia e governos de alguns países, para que se oriente o estudo e a produção de vacinas anti-Covid-19 para preparados que não utilizem linhagens de células fetais. Esse pedido está em conformidade com o que se expressa no documento de 2005 da Pontifícia Academia para a Vida, reproduzido em uma nota da mesma Academia de 2017 (em conjunto com a Pastoral da Saúde da CEI), e encontra amplo consenso entre os estudiosos de teologia moral.
É evidente a obrigação moral de todos os sujeitos envolvidos na pesquisa, na produção, na comercialização e na administração de uma vacina (cada um dos quais tem diferentes responsabilidades em relação ao uso de células fetais de abortos eletivos em relação à própria vacina) de se dissociar formal e publicamente do ato do aborto que está na origem remota da produção de linhagens celulares fetais. Por outro lado, destaca-se a licitude do uso pro tempore dessas vacinas – na medida em que representam uma condição necessária e proporcionada para proteger a saúde e salvar a vida dos cidadãos – no aguardo da disponibilidade de outros meios profiláticos vacinais ou não vacinações eficazes. A licitude de tal utilização, em todo o caso, deve ser interpretada como uma cooperação material passiva, moralmente justificada como extrema ratio pelo dever de zelar pelo bem pessoal e comum, e nunca como uma aprovação moral da sua produção.
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Vacinas anti-Covid19 de abortos? A Igreja: lícitas sob certas condições - Instituto Humanitas Unisinos - IHU