26 Agosto 2020
O vice-diretor médico da Austrália, Dr. Nick Coatsworth, minimizou as preocupações levantadas por importantes figuras religiosas da Austrália, segundo as quais os cristãos poderão recusar uma vacina contra a covid-19 por motivos éticos.
A reportagem é de Elias Visontay, publicada por The Guardian, 24-08-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Essa defesa feita por Coatsworth à vacina da Universidade de Oxford vem após uma advertência do arcebispo católico de Sydney, Dom Anthony Fisher, de que os católicos seriam colocados diante de um dilema ético caso a vacina a ser adquirida pelo governo se mostre bem-sucedida, na medida em que o seu desenvolvimento parte de linhagens celulares extraídas de fetos abortados.
Fischer pediu que o governo “busque arranjos semelhantes por vacinas alternativas que não levantem as mesmas questões éticas” a respeito da formulação da vacina.
O alerta, presente em carta endereçada ao primeiro-ministro Scott Morrison, foi também assinada pelo arcebispo anglicano de Sydney, Glenn Davies, e pelo arcebispo ortodoxo grego da Austrália, Makarios Griniezakis. O texto observa que existem 167 vacinas de covid-19 sendo pesquisadas, sendo que muitas delas não usam células fetais em seu desenvolvimento.
“É no melhor do interesse comunitário que a vacinação seja tomada amplamente e que essa doença mortífera seja derrotada. Melhor alcançaremos esses objetivos se as vacinas disponíveis não implicarem um dilema ético”, escreveu Fischer no Facebook, ao explicar as razões pelas quais enviou a carta a Morrison.
Na missiva, os líderes religiosos alertam que “embora uns não vão ver nenhum problema ético”, outros “traçarão uma linha reta a partir da finalização de uma vida humana no aborto, por meio do cultivo de linhagens celulares, até o uso para a fabricação desta vacina”.
“Mesmo se as células venham sendo propagadas há anos em um laboratório, longe do aborto, essa linha permanece existindo”, lê-se na carta.
Os religiosos pedem que o governo não obrigue os australianos a usarem a vacina, se ela contrariar as crenças morais ou religiosas. Eles pedem também que “seja disponibilizada, aos australianos, uma vacina alternativa que não contenha polêmicas éticas”.
“Por favor, tenham certeza de que as nossas igrejas não se opõem à vacinação. Conforme temos dito, estamos orando para que se encontre a cura. Mas nós também oramos para que a vacina não esteja contaminada eticamente”.
Mas Robert Booy, professor de vacinologia da Universidade de Sydney, afirmou que vacinas têm sido desenvolvidas com linhagens de células com fetos abortados nos últimos cinquenta anos, e que os grupos cristãos haviam aceitado anteriormente o emprego delas, por causa da “grande distância entre a linhagem celular e a vacina final”.
O professor contou ao jornal Guardian Australia que as vacinas para rubéola, hepatite A e catapora, todas usam o mesmo método de desenvolvimento.
“Células-tronco fetais podem passar por um número grande de replicações, enquanto que as células humanas podem ser replicadas um número de vezes muito menor. Assim, para a fabricação de vacinas, o vírus precisa crescer dentro da célula repetidas vezes e então ser colhido. Em seguida, retira-se o elemento humano e este é purificado, para ter somente o elemento viral”, explicou Booy.
“A purificação do vírus significa que não incluímos o DNA humano nas vacinas. Geralmente, as pessoas sentem-se bem com a ideia de que uma linhagem celular humana foi usada, pois ela está bem distante em relação ao feto”.
Peter Doherty, professor de imunologia e ganhador do Prêmio Nobel, disse que, embora a linhagem celular possa ser um problema para alguns católicos, “cientificamente não há problema algum”.
“É o uso de uma linhagem celular que tem sido empregada em muitas aplicações. É um direito nosso absolutamente não tomar nota do que ele diz”, disse Doherty em relação a Fisher.
Na segunda-feira desta semana, Coatsworth afirmou ter conhecimento das preocupações de Fisher, porém acrescentou que “a realidade das vacinas é que elas precisam de culturas celulares para que as possamos cultivar”.
“A célula humana é realmente parte importante do desenvolvimento das vacinas. Há regulamentos éticos para o uso de quaisquer células humanas, em especial células fetais. Essa é uma unidade de pesquisa extremamente profissional da Universidade de Oxford, uma das principais universidades do mundo. Portanto, podemos acreditar que a forma como a vacina foi produzida segue os mais altos padrões éticos internacionais”, completou Coatsworth.
Esta preocupação dos grupos religiosos a respeito da vacina de Oxford contra a covid-19 veio após o anúncio, feito pelo governo australiano semana passada, de que havia sido assinado um acordo de 25 milhões de dólares com a gigante farmacêutica AstraZeneca com vistas a fornecer gratuitamente o tratamento aos cidadãos do país.
Um dia após anunciar o acordo, Morrison se viu forçado a voltar atrás nos comentários de que a vacina seria obrigatória, depois que especialistas advertiram que, ao assim proceder, poderia afastar os australianos que hesitam em concordar com o tratamento.
Uma porta-voz do governo contou ao Guardian Australia que o “primeiro-ministro respeita as opiniões das comunidades religiosas da Austrália e entende os problemas levantados”.
“Muitas vacinas em desenvolvimento não contêm linhagens celulares, incluindo a vacina da Universidade de Queensland, vacina que o governo já financia com um suporte de 5 milhões de dólares”.
“O governo sempre seguirá o conselho médico e sempre irá incentivar o uso generalizado da vacina ou vacinas, tanto quanto possível”, informou a porta-voz.
Já o tesoureiro australiano Jim Chalmers falou que “quando a vacina estiver disponível, quanto mais pessoas forem vacinadas, melhor”.
“É a minha opinião pessoal. Digo isso como católico. Essa é a melhor saída para a Austrália, pois a vacina é, realmente, o que vai nos ajudar a sair deste problema de saúde diabólico com todas as consequências econômicas que ele traz”, disse ele.
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Objeções religiosas a vacina promissora de covid-19 são respondidas por vice-diretor médico da Austrália - Instituto Humanitas Unisinos - IHU