15 Dezembro 2022
Realizou-se no último mês de novembro, em Sharm El-Sheikh, Egito, a 27ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, a COP-27. O encontro acontece anualmente desde 1995, quando entrou em vigor a Convenção-Quadro das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), firmada por ocasião da Cúpula da Terra, na Rio-92, e ratificada por 189 países, incluindo o Brasil.
De lá para cá, algumas conferências se destacaram pela importância das decisões ali tomadas. Foi o caso do Protocolo de Quioto, firmado em 1997, a primeira iniciativa vinculante para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Ele instituiu o Mercado de Carbono, programa que foi mantido pelo Acordo de Paris, assinado na Conferência de 2015 e que prevalece até os nossos dias. A Conferência de 2021, a COP-26, realizou-se em Glasgow, Escócia. A próxima (COP-28) terá lugar provavelmente nos Emirados Árabes Unidos e a seguinte (COP-29), em um país da Europa Oriental. O Presidente Lula já anunciou sua intenção de sediar a Conferência em 2025, a COP-30.
Profunda e justificadamente descrentes da vontade política e competência de governantes em promover a justiça climática no mundo, especialmente na América Latina e Caribe, há anos, entidades e instituições de defesa dos direitos humanos e socioambientais abraçaram a causa e lutam corajosamente para dar visibilidade aos movimentos sociais e comunidades tradicionais, denunciando as falsas soluções dadas por governos, corporações e organismos oficiais no âmbito das Conferências do Clima da ONU.
É uma luta com várias frentes. A comunidade jesuíta e toda a sua rede de pesquisa e incidência no campo socioambiental trabalham incansavelmente nesse sentido, mobilizando representantes de organizações populares de mulheres, trabalhadoras e trabalhadores, camponesas e camponeses, afrodescendentes, povos indígenas, ambientalistas, ecologistas, religiosas e religiosos, jovens e comunidades locais. Apoiados na perspectiva da ecologia integral, lançada na encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, defendem que a agenda de justiça climática deve se orientar para uma mudança radical no atual sistema de produção e consumo. E insistem na necessidade premente da assinatura do Acordo de Escazú por parte dos países que ainda não o subscreveram. Fruto de compromisso assumido pelos países da América Latina e Caribe durante a Rio-92, o Acordo visa fortalecer a participação social nas políticas públicas e garantir uma governança ambiental transparente, inclusiva e capaz de prevenir e combater crimes ambientais e as práticas de corrupção associadas. Apesar de ter assinado o tratado em 2018, o Governo brasileiro até hoje não o enviou ao Congresso Nacional para a devida ratificação.
Essa foi a posição defendida em nota pública, no âmbito da COP-26, pelo Grupo de Ecologia Integral, da Rede de Centros Sociais – CPAL, integrado pelo Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA-Brasil), pelo Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES-Brasil) e instituições de outros países, como Honduras, República Dominicana e Peru.
No mesmo sentido manifestou-se a Assembleia Cidadã pela Justiça Climática da América Latina e Caribe, reunida na República Dominicana, em julho deste ano. Em sua Declaração, ela lembra que, ao mesmo tempo, realizava-se, por iniciativa da ONU e do Banco Mundial, a Semana do Clima, onde os governos de nossa região continuaram propondo unicamente medidas tecnológicas e econômicas, que não combatem as causas estruturais da crise, mas, ao contrário, robustecem o sistema capitalista, extrativista e patriarcal que geraram aqui, aprofundando o saque, o colonialismo, o racismo, a violência sobre os corpos e a sobre-exploração do trabalho. Nesse sentido, a Assembleia exigiu o cancelamento das dívidas externas contraídas segundo uma ordem econômica internacional injusta e impositiva e o estabelecimento de um financiamento climático que responda pelo pagamento da dívida climática dos países industrializados e corporações multinacionais, incluindo o debate sobre perdas e danos, assim como a adaptação climática.
Os Jesuítas também se fizeram presentes na questão das mudanças climáticas por intermédio das Conferências Provinciais Jesuítas. Especificamente a da América Latina e Caribe (CPAL) está advogando pelos direitos da natureza e dos povos indígenas, que ganharam destaque com o X Fórum Social Pan-Amazônico (FOSPA), realizado em Belém, Pará, em julho de 2022.
O Instituto Humanitas Unisinos (IHU) apresentou uma avaliação positiva da participação do Presidente Lula na COP-27. O Brasil foi citado por diversos líderes mundiais, que saudaram o retorno do país à agenda climática com o resultado das eleições, reforçando a expectativa de que o novo Governo retome o combate ao desmatamento e reative o Fundo Amazônia. Os compromissos ali assumidos repercutiram positivamente também entre físicos, meteorologistas, ecólogos, biólogos, botânicos e outros cientistas e pesquisadores brasileiros. Todos esperam que ele restabeleça as competências do Ministério do Meio Ambiente, reabilite os conselhos esvaziados e integre um fundo para pagamentos por serviços ambientais aos povos tradicionais de florestas. Elogiaram a ideia da criação de um ministério para a questão indígena, ressalvando, contudo, que é preciso que se respeite a Convenção 169 da OIT, violada, segundo os ambientalistas, com a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, mas que deve e pode ser levada em conta no projeto de reconstrução da estrada BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.
O que efetivamente a COP-27 trouxe de proveitoso e ousado em relação às conferências anteriores?
O Observatório do Clima já se manifestou pela voz de especialistas de ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais que o integram. Segundo sua avaliação, a Conferência terminou com três derrotas e uma vitória. Ela concordou em criar um fundo para financiar perdas e danos climáticos nos países mais vulneráveis do mundo, mas não impediu que as divisões de sempre entre países ricos e pobres inviabilizassem um acordo substantivo sobre como acelerar o corte de emissões, de modo a evitar que o aquecimento global ultrapasse 1,5°C neste século. Além disso, no último minuto, potências petroleiras como a Arábia Saudita e a Rússia conseguiram eliminar do texto do acordo o compromisso da COP-26 de promover uma redução gradativa, que já era insuficiente, dos combustíveis fósseis. Pela primeira vez, houve referência às energias renováveis e de baixa emissão, mas o que poderia ser um avanço, na verdade, foi insuficiente e vai justificar uma sobrevida ao gás natural, um retrocesso em relação à COP-26. Quanto ao Programa de Trabalho em Mitigação dos impactos das mudanças climáticas, concluiu-se que ele não será nem prescritivo nem punitivo e nem vai impor novas metas. Será inútil na prática.
A terceira derrota da COP-27 foi o financiamento climático. Os US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025 prometidos pelos países desenvolvidos continuam sem definição sobre quando e como serão pagos. Já são três anos de promessas não cumpridas. Os recursos foram cobrados pelo Presidente Lula em seu discurso, nesse evento.
O avanço da COP-27 ficou por conta do fundo de perdas e danos. Depois de três décadas de pressão dos países insulares para que os maiores responsáveis pela crise climática custeassem os prejuízos causados por eventos extremos aos quais já não cabe adaptação, como ciclones e enchentes, finalmente o tema entrou na agenda de negociações na COP-27. Gerou uma discussão encarniçada. Os países ricos receiam ter que reconhecer que devem compensação pelo estrago que fizeram na atmosfera. O G77, uma coalizão de nações em desenvolvimento da ONU, propôs que o fundo fosse criado nos mesmos moldes do Fundo Verde para o Clima, instituído na COP-16, em 2010, cujo objetivo é financiar e oferecer consultoria para projetos de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Estados Unidos e União Europeia tentaram bloquear as negociações, pois querem que países emergentes como China, Índia e Brasil também contribuam, algo que o G77 rejeita. Ao final, chegou-se ao compromisso de se criar um fundo para assistência aos países mais vulneráveis, a ser discutido, espera-se, por um comitê de transição composto por países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Segundo afirma o Observatório do Clima, Bolsonaro encerra seu governo com alta de 60% no desmatamento na Amazônia, comparado com os quatro anos anteriores. É a maior alta percentual num mandato presidencial desde o início das medições por satélite, em 1988. O dado do INPE estava pronto desde antes do início da COP-27, mas o Governo optou por escondê-lo por três semanas, tal como fez em 2021.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, confirmou a posição do Observatório: “Um fundo para perdas e danos é essencial, mas não é uma resposta se a crise climática tirar um pequeno estado insular do mapa ou transformar um país africano inteiro em deserto. O mundo ainda precisa de um salto gigantesco na ambição climática”.
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Nota informativa do OLMA sobre a COP-27 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU