16 Novembro 2022
A confissão de um cardeal francês de 78 anos de que abusou de uma adolescente quando era jovem padre levanta novamente um problema canônico de particular complexidade: o purpurado pode continuar mantendo o direito de entrar em um eventual conclave para eleger o sucessor do Papa Francisco?
A reportagem é de Luigi Sandri, publicada em L’Adige, 14-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como um raio em céu sereno, Jean-Pierre Ricard admitiu publicamente sua culpa na semana passada. No contexto da Assembleia Plenária em Lourdes da Conferência Episcopal Francesa, Ricard – ordenado padre em 1968, criado cardeal por Bento XVI em 2006, aposentado desde 2019 – afirmou: “Hoje, quando a Igreja na França quis escutar as vítimas e agir na verdade, decidi não esconder mais a minha situação e colocar-me à disposição da justiça, tanto na sociedade quanto na Igreja. Essa abordagem é difícil. Mas, primeiro, há o sofrimento vivido pelas vítimas e o reconhecimento dos atos cometidos. Meu comportamento causou graves e duradouras consequências para essa pessoa [a jovem de 14 anos], a quem já renovei meu pedido de perdão. É por esses atos que decido tomar um tempo de retiro e oração”.
Ao contrário de casos semelhantes envolvendo bispos, aqui não há nada a investigar: foi o próprio Ricard quem admitiu seu gravíssimo erro. Portanto, não há dúvidas sobre seu passado criminoso. No entanto, a Santa Sé decidiu iniciar uma “investigatio praevia”, ou seja, uma investigação preventiva do caso.
Se, como parece óbvio, a investigação confirmar a admissão de Ricard, qual poderia ser sua pena? O purpurado francês completará 80 anos em setembro de 2024: portanto, até essa data, segundo a normativa vaticana em vigor, ele poderia entrar no conclave. No entanto, seria bastante embaraçosa a presença, naquela assembleia, de um cardeal pedófilo, embora arrependido do que fez como jovem padre.
A decisão de retirar imediatamente de Ricard a possibilidade de entrar no conclave cabe a Francisco. Este, por enquanto, tirou esse direito de um único purpurado votante: o cardeal Giovanni Angelo Becciu, nascido em 1948, porque, na opinião do papa, esse cardeal realizou operações financeiras obscuras e ilegais; mesmo tendo sempre se proclamado inocente, o prelado acabou sendo julgado no Vaticano.
Quanto à França, o caso Ricard é particularmente explosivo, pois uma investigação independente, encomendada pela Conferência Episcopal, apurou que, nos últimos 70 anos, cerca de três mil padres (ou pessoas ligadas à Igreja) teriam cometido atos de violência sexual contra 216 mil menores.
No ano passado, o arcebispo de Paris, Dom Michel Aupetit, teve que renunciar por ter tido uma atitude “inapropriada” com uma mulher. E há algumas semanas outro bispo francês foi acusado de atitudes escandalosas no confessionário.
Leia mais
- França. Véronique Margron: “É muito possível que o Cardeal Ricard esteja minimizando a magnitude dos abusos”
- Os bispos da França “chocados e resolutos”
- França: 11 bispos sob investigação. Artigo de Lorenzo Prezzi
- França. Os problemas postos pelos escândalos Santier e Ricard
- A Igreja francesa ainda na tempestade
- França: bispos implicados em casos de abuso. P. Zollner, “se possível do ponto de vista legal, se divulguem os nomes, caso contrário, existe o risco de suspeita geral sobre todos”
- Hans Zollner sugere que nomes de bispos abusadores sejam publicados
- França, onze bispos sob investigação por casos de abusos
- Cardeal francês Ricard admite: abusou de uma jovem de 14 anos quando era pároco
- Caso Santier: “Quem justificará o silêncio dos bispos?”
- Caso Santier, uma moral sexual inculta. Artigo de Isabelle de Gaulmyn
- Abusos na França: um bispo voyeur
- Novos abusos na Igreja na França: choque e desgosto
- Abuso sexual na Igreja e meias verdades: o caso dos bispos franceses
- França. Devemos salvar o soldado Moulins-Beaufort, presidente da Conferência dos Bispos da França
- França: encerrada a plenária dos bispos franceses. D. De Moulins-Beaufort, “pedimos ao Papa que viesse em nosso auxílio, enviando alguém de sua confiança”
- França. O bispo Eric de Moulins-Beaufort, presidente da Conferência Episcopal, anuncia reformas sobre o segredo de confissão
- Abusos na França, dor e vergonha. De Moulins-Beaufort: verdade, única forma
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cardeal francês assume pedofilia quando era jovem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU