07 Novembro 2022
Em 14 de outubro, foi comunicada a punição imposta pelo Vaticano a Dom Michel Santier por abusos cometidos contra jovens adultos nos anos 1990. O relatório foi enviado a Roma em 2019, e a sentença, imposta em outubro de 2021. Pela primeira vez na França um bispo está diretamente envolvido em comportamentos criminosos.
A reportagem é de Lorenzo Prezzi, publicada em Settimana News, 04-11-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A reação na mídia e nas comunidades foi impressionante. A lista dos termos por si só é indicativa. “Nós mesmos – disse Dom Eric de Moulin-Beaufort, na abertura da assembleia dos bispos em 3 de novembro – nos reunimos com sentimentos confusos de raiva, de vergonha, de impotência, de incompreensão, talvez até de suspeita entre nós mesmos, sentindo a raiva, a vergonha, o desânimo, a renúncia dos fiéis mais comprometidos, dos diáconos, dos padres, dos seminaristas, atingidos de novo, para alguns de forma insuportável.”
Todos atingidos, fiéis e bispos, sobretudo pela gravidade dos fatos: dois jovens foram convidados a se despir durante a confissão. Uma violência intolerável na celebração do sacramento.
Em segundo lugar, por uma comunicação tardia que, segundo alguns, impediu a denúncia de outras vítimas. Como foi verificado pontualmente. No dia seguinte à notícia, outras cinco pessoas apareceram para denunciar o bispo.
Em terceiro lugar, por uma pena considerada muito leve: Dom Santier foi destinado a uma vida retirada em um convento feminino, onde pode celebrar, sem outros encargos pastorais.
Como jovem padre, figura de destaque na Renovação no Espírito na França e fundador da comunidade carismática Réjouis-toi em 1977 (depois da experiência da efusão do Espírito em Roma), primeiro diretor da Escola da Fé de Coutances em 1989, Santier tornou-se bispo em Luçon (2001-2007) e depois em Créteil (2007-2021).
Homem muito estimado também pelos seus padres por sua sensibilidade social, engajado no diálogo inter-religioso e defensor da sinodalidade, nunca transpareceu seus comportamentos irregulares, nem mesmo quando renunciou. Todos pensavam que se tratava de problemas de saúde, depois de uma Covid muito pesada.
No dia 21 de outubro, o presidente da Conferência Episcopal, Dom Moulin-Beaufort, havia registrado as críticas pela falta de comunicação das censuras romanas, motivadas por Dominique Lebrun, bispo de Coutances (diocese da atual residência de Dom Santier), pelo pedido de discrição das vítimas.
Mas a questão do sigilo, para muitos, parece contradizer as indicações da Comissão do CIASE que, no ano passado, havia denunciado corajosamente todo o espectro dos abusos nos últimos 50 anos e dos quais os bispos haviam se tornado paladinos. A incerteza canônica a esse respeito é relevante para o profundo mal-estar que o episódio reativou.
O grupo Promesses d’Eglise, que reúne muitas associações que se comprometeram no dia seguinte ao relatório do CIASE, manifestou toda sua inquietação, pedindo uma mudança profunda na governança da Igreja, no seu diálogo interno e na comunicação pública para “dar novamente sinais tangíveis da vontade de caminhar juntos”, sem ter que esperar por mudanças no direito canônico.
Foram reabertos capítulos iniciados há muito tempo, mesmo que apenas tangencialmente tocados pelo episódio. Em primeiro lugar, o magistério moral católico, considerado insuficiente no que diz respeito à evolução da cultura e dos costumes. Um sistema que não se desvincula da assimilação da sexualidade ao mal e que reduz ao voyeurismo uma mistura devastadora de pecado, nudez, atração sexual e religião.
Faz sentido uma “condenação vitalícia” aos divorciados e, ao mesmo tempo, a continuidade da presidência da eucaristia, mesmo que em lugares reservados, de um clérigo culpado de abuso na confissão?
Volta à tona a suspeita em relação às novas fundações e à Renovação no Espírito, embora a comunidade que ele fundou, Réjouis-toi, tenha se distanciado imediatamente, abrindo um endereço de e-mail para novas denúncias. Já mencionei o julgamento da insuportável demora do direito canônico.
O religioso psicoterapeuta Pe. Stephane Joulain foi mais drástico: “Peso as palavras: não acredito mais na capacidade da instituição eclesial de fazer justiça em matéria penal. Por isso, sempre encorajo as vítimas que me consultam a recorrer à justiça civil”.
Não faltaram comentários sobre a atual prática da nomeação dos bispos, sobre a transparência da indicação dos núncios, sobre a prática de evitar todo envolvimento dos fiéis. Principalmente diante de um papel que hoje precisa ser desempenhado de forma colaborativa e colegial. De modo mais geral, preocupa o silencioso abandono de muitos. Muitas vezes, trata-se de pessoas ativas nas linhas mais expostas dos pobres e dos marginalizados.
Uma vítima comenta amargamente: “Os bispos se escondem atrás dos textos sagrados, do direito canônico e da prescrição… Com aquilo que está vindo à tona, a Igreja nem precisa se preocupar com as denúncias das associações de vítimas. Ela está afundando sozinha”.
O caso Santier explodiu durante os trabalhos da assembleia geral dos bispos (3-8 de novembro), convocada para verificar as decisões e os órgãos lançados após o relatório do CIASE (incluindo um tribunal penal único para a França e um celebret – documento de reconhecimento canônico dos padres – não diocesano, mas nacional).
O tema principal é o início de um projeto global de reforma das estruturas nacionais, proporcional à atual dimensão das comunidades, da prática e das forças eclesiais. Uma reorganização que deve durar algumas décadas. O tema do fim da vida e da convocação nacional a esse respeito sugerem a elaboração de um texto de reflexão para o debate nas comunidades.
Em seu discurso de abertura, Dom Moulin-Beaufort recordou a crise de credibilidade da qual a Igreja é chamada a sair: “Precisamos de tempo para refletir juntos e sozinhos, para rezar, a fim de elaborar com a maior sintonia possível as decisões e as indicações de trabalho que permitam que a nossa Igreja da França avance por um caminho melhor e reconquiste passo a passo a confiança desgastada ou perdida”.
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Abusos na França: um bispo voyeur - Instituto Humanitas Unisinos - IHU