15 Setembro 2022
"As próximas próximas eleições são um verdadeiro duelo entre dois projetos de Brasil e dois modelos de Presidente", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
E informa: "Gastei hoje (ontem, dia 14-09-2022) bastante tempo em desmentir uma fake news segundo a qual eu havia morrido. Mas dei uma de Jesus Cristo e ressuscitei".
Leonardo Boff é autor, entre muitos livros, de "Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência" (Vozes, 2018).
Na missa de páscoa, canta-se um dos mais belos hinos do gregoriano no qual se diz: ”a morte e a vida entreolhando-se travaram um duelo” (mors et vita duello conflixere mirando). E conclui: “o senhor da vida reina vivo” (dux vitae regnat vivus).
Refiro este texto litúrgico como metáfora do que vejo se realizar nas próximas eleições: um plebiscito no qual se trava efetivamente um duelo político entre dois projetos de Brasil e dois modelos de Presidente. Um projeto tem como representante e promotor um presidente que claramente se aliou ao domínio da morte. Não quero eu dizê-lo, mas o afirma umas das inteligências jurídicas mais brilhantes de nosso país, ex-governador do Rio Grande do Sul, ex-ministro da justiça, Tarso Genro:
“Para Jair Bolsonaro não há adversários, só há inimigos a serem abatidos pelas armas. Como um político que defende o justiçamento de suspeitos, o fuzilamento de '30 mil compatriotas', o assassinato de um presidente pacífico e democrático, a tortura como método inquisitório, o fim a democracia política, que sustenta que o erro da ditadura não foi torturar, mas foi 'não matar', que explicita publicamente a sua admiração a Hitler e debocha da tortura sofrida por uma mulher digna – que estava sendo retirada da Presidência –, como este político foi covardemente naturalizado pelo establishment neoliberal e pelas grandes cadeias de comunicação, depois de ter cometido e repetido muitos crimes bárbaros e ainda ter feito uma consciente propaganda genocida contra a vacinação?”
Aqui fica claro um projeto de morte que, caso Bolsonaro seja reeleito, irá implementá-lo. É o domínio da necrofilia, a promoção da morte e seus derivados como o ódio e a mentira.
No outro lado do duelo, há outro representante, Luiz Inácio Lula da Silva. Não quero ser maniqueísta que só considera o bem de um lado e o mal do outro. Bem e mal se misturam. Mas há de se reconhecer que em Lula o bem ganha mais expressão. Apresenta um projeto cuja centralidade reside na vida, a começar pelos que menos vida têm: os trinta milhões de famintos, os 110 milhões com insuficiência alimentar, os milhões de desempregados ou subempregados, os trabalhadores e aposentados que viram diminuírem seus direitos com o salário mínimo congelado.
Para resumir, o primeiro a se fazer é garantir os mínimos: comida, saúde, trabalho, educação, casa, terra para produzir alimentos para o povo, segurança e oportunidade para aqueles que historicamente são os descendentes da senzala (54% da população) poderem entrar no ensino superior, universitário ou técnico. Governar é cuidar de todos, mas sempre a partir dos humilhados e ofendidos. A inspiração vem de Gandhi, que dizia: fazer política é ter um gesto amoroso para com o povo e cuidar das coisas comuns. Ou nas palavras do Papa Francisco em sua Fratelli tutti: a política tem que ser feita com ternura “que é o amor se faz próximo e concreto, um movimento que procede do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos” (n. 196). É o reino da biofilia, do amor à vida.
Estes dois projetos, como num duelo, estão se enfrentando nesta eleição. Cabe aos cidadãos fazerem seu discernimento: finalmente que país nós queremos? Que presidente é mais portador de vida, de meios de vida, de esperança e de gosto de viver? Não somos pedras que apenas existem. Não queremos só existir, queremos viver e conviver em paz uns com os outros.
O que experimentamos no governo do atual presidente foi o decrescimento em nossa humanidade, o abandono de milhares entregues à virulência da Covid-19 e que morreram quando poderiam ter sido salvos se não fosse o tenaz negacionismo oficial.
O que mais nos dói e envergonha é a falta de compostura da mais alta autoridade da nação que deveria viver as virtudes que gostaria ver realizadas no povo como a solidariedade, o cuidado de uns para com os outros e com a nossas riquezas naturais e a promoção de nossa ciência e cultura, por ele agredidas de forma vexaminosa. Ao contrário, predominou a difusão do ódio, das fake news, a boçalidade, a linguagem de baixo calão e todo tipo de discriminação para com os afrodescendentes, os indígenas, os quilombolas, as mulheres, os pobres e os LGBT+, entre outros.
Só poderemos superar este flagelo político-social e necrófilo se no duelo optarmos pelo projeto da biofilia. Aqui me valho ainda do ex-governador Tarso Genro: ”Há de se fazer, uma semana antes do pleito, um grande acordo político de governança e governabilidade, derrotando Jair Bolsonaro no primeiro turno, unidos em torno do nome mais forte para vencer e conduzir a nação ao destino democrático e social que o nosso povo merece”.
Esse nome está emergindo como o preferido dos eleitores, Lula da Silva. É um sobrevivente da grande tribulação nacional, mostrou que foi capaz de humanizar a política, tirando o Brasil do mapa da fome e criar políticas sociais e populares que criaram oportunidades para os excluídos, para muitos outros e principalmente devolveram dignidade aos empobrecidos.
O destino de nossa nação está em nossas mãos. Depende da opção por aquilo que tire o Brasil do fosso no qual o lançaram e nos permita diminuir a nefasta desigualdade social e, por fim, nos conceda a alegre celebração da vida. A próxima eleição-duelo em 2 de outubro significará o grande teste: que Brasil e que presidente, de fato, nós queremos. Oxalá triunfe o projeto da biofilia, do amor à vida, especialmente aquela sofrida das grandes maiorias.
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A próxima eleição como plebiscito: biofilia versus necrofilia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU