14 Setembro 2022
Uma missa de “despedida” do serviço comunitário desempenhado por 37 anos por uma agente pastoral e teóloga, concelebrada pela mesma junto com o pároco, um diácono e outro padre, suscitou protestos e provocou a intervenção do bispo, que anunciou, em 2 de setembro, a abertura de um inquérito canônico. O caso aconteceu no último dia 28 de agosto na paróquia de Saint Martin, Illnau-Effretikon, no cantão suíço de Zurique, com a presença no altar, em traje civil, de Monika Schmid, engajada na paróquia com um papel de liderança.
A reportagem é de Ludovica Eugenio, publicada por Adista.it, 10-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Dada a importância desses eventos - comentou o bispo de Chur, Mons. Joseph Bonnemain, ligado à Opus Dei, sob cuja jurisdição se encontra a paróquia - decidi deliberadamente não agir imediatamente. Em situação desse tipo, é importante avaliar cuidadosamente um procedimento adequado”. "A complexidade dos abusos litúrgicos ocorridos - explicou em um comunicado - exige uma investigação canônica preliminar"; “Os resultados desta primeira investigação servirão de base para possíveis medidas posteriores e demonstrarão se são crimes que devem ser tratados pelo dicastério vaticano para a Doutrina da Fé e, portanto, denunciados a ele”, conclui o comunicado, de acordo com o que relata o site kath.ch.
Monika Schmid é uma teóloga conhecida na Subíça que recebeu o Prêmio Herbert Haag para a Liberdade Religiosa em 2012. Ela sempre se expressou em termos críticos em relação à real vontade do bispo Bonnemain, que assumiu a liderança da diocese em 2021 após anos de crises internas, para dar uma virada inovadora à Igreja local. Nomeado pessoalmente pelo Papa Francisco após a rejeição pelo capítulo da Catedral da tríade proposta por Roma, Bonnemain exercerá seu ministério até 2026, muito além do prazo previsto dos 75 anos de idade, que completará no próximo ano, numa tentativa de dar estabilidade a uma diocese muito atormentada e polarizada (uma das seis da Igreja Católica na Suíça, que abrange os cantões de Grisões, Schwyz, Uri, Glarus, Obwalden, Nidwalden e Zurique), que nos quase dois anos de sé vacante, após a renúncia do bispo Mons. Vitus Huonder que aconteceu em maio de 2019 após 12 anos de gestão muito controversa e conflitante, não conseguiu chegar a um acordo sobre um nome, dividida entre uma ala progressista e uma ultraconservadora. Para Schmid, Bonnemain é "filho de seu tempo", disse ela em entrevista ao cath.ch (16/2/22). “Ele tem 73 anos e foi moldado pela Opus Dei por décadas. E se descobre que, como bispo, ele imediatamente escorrega em palavras piedosas, bonitas, que pouco ajudam a mudanças concretas”.
A referência é a medidas relativas aos direitos das pessoas divorciadas e LGBT na Igreja, mas também ao papel das mulheres, uma questão sobre a qual Schmid sempre foi muito clara: em 2020 ela proferiu palavras muito duras contra a nova (e altamente contestada, especialmente na área de língua alemã, ver Adista Notizie n. 30, 31/20 e Adista online 27/7/20) Instrução vaticana da Congregação para o Clero sobre a vida paroquial, de título “A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja”, promulgada após a aprovação do Papa Francisco, na qual se acentuou a centralidade da figura sacerdotal, em detrimento da importância dos leigos dentro das comunidades locais.
"Qualquer um que esperasse uma valorização das mulheres na Igreja Católica Romana agora percebe algo bem diferente", escreveu ela no site suíço Der Landbote (08/09/19). “As mulheres ainda não têm nada a expressar. Só o padre conta. Pelo poder de sua consagração, ele é elevado acima do gênero humano, como um semideus personificado. Como se os problemas que envolvem o clericalismo e as piores transgressões cometidas pelos padres nunca tivessem existido... As mulheres ainda podem fazer bolos, preparar o café e lavar a louça nas comunidades e nas paróquias...”. “Mulheres como eu – continuava Schmid – são expressamente proibidas. Mulheres que dirigem paróquias e pregam não são admitidas, de acordo com a instrução de Roma. Isso não é uma novidade. Nunca nos foi permitido. Mas no final da década de 1970 ainda havia bispos corajosos na Suíça que lideraram a Igreja para o futuro e chamaram mulheres e homens independentemente, casados ou não, para liderar as paróquias. Ainda hoje buscamos inspiração neles”.
A concelebração de Monika Schmid provocou um amplo debate, que é relatado pelo site kath.ch (6/9). Foi o liturgista vienense Hans-Jürgen Feulner quem solicitou a intervenção de Bonnemain, lemos, pois do ponto de vista do direito canônico, tal ato é reservado às pessoas consagradas. O teólogo suíço Erwin Koller, que participou da cerimônia, respondeu: "Com que direito você pensa em semear discórdia e conflito sobre tal paróquia?", escreve Koller, sugerindo que Feulner convide Schmid a Viena para receber "muitos conselhos inteligentes sobre como transformar a obrigação dominical em uma celebração”.
O que causou indignação foi o uso do termo "abuso litúrgico" na mensagem episcopal: Karin Iten, responsável pelo Escritório de Prevenção de Abusos da diocese de Chur, escreve em Kath.ch que considera seu uso "altamente problemático"; Marc Frings, secretário-geral do Comitê Central dos Católicos Alemães (ZDK), criticou a decisão do bispo de iniciar uma investigação; o monge beneditino Martin Werlen, ex-abade da Abadia de Einsiedeln, sugere que o bispo se sente à mesa com Monika Schmid e as outras partes envolvidas. Enquanto isso, o movimento de mulheres católicas "Voices of Faith” lançou uma petição online para mostrar solidariedade a Monika Schmid, não culpada de abuso litúrgico, mas "vítima de abuso de poder", que já recolheu mais de mil assinaturas. “No relatório sobre o processo sinodal - lê-se na petição - a Suíça refere a Roma: a liturgia é vivida como ‘incompreensível, pouco ligada à experiência e à atualidade e pouco convidativa’. Não deveríamos agradecer a Monika Schmid por ter reconhecido esse problema e tomado providências? Monika Schmid não faz nada além de satisfazer as expectativas formuladas no documento final do processo sinodal: ‘A linguagem e as formas da liturgia devem ser adaptadas ao contexto cultural e sua beleza e riqueza deveriam ser promovidas de maneira mais consciente e culturalmente apropriada. A diversidade das celebrações litúrgicas e das formas espirituais deveria ser promovida para alcançar diferentes pessoas. A dimensão sinodal da liturgia deve ser mais respeitada e prevenidas as constrições clericais’”.
Voices of Faith também acusa o bispo Bonnemain de ter agido apenas após os protestos: “Em 31 de agosto, ele havia agradecido sem reservas a Monika Schmid por seus 37 anos de trabalho pastoral. O bispo de Chur sabia de antemão que ela havia afirmado ter celebrado e concelebrado várias vezes a Eucaristia. Mas o bispo de Chur só agiu sob pressão da opinião pública”. O movimento acusa a Igreja de ter um padrão duplo: “De padres com amantes a padres com filhos. Tudo isso é tolerado enquanto permanecer escondido. Sem falar dos abusos. A Igreja não gosta quando os fatos são preto no branco e não podem ser ignorados. Monika Schmid não é sinônimo de duplo padrão, mas sim de transparência e sinodalidade”.
Quem se revolta contra a concelebração litúrgica de Schmid são sobretudo os tradicionalistas lefebvrianos, que definiram o fato como um "abuso sacrílego" que "não deve surpreender: a revolução litúrgica e teológica lançada pelo Concílio Vaticano II só podia levar a essa situação”. “As falsas noções transmitidas sobre o sacerdócio comum dos fiéis; a instituição de ministérios, agora nas mãos de leigos de ambos os sexos; a transformação da missa em refeição; a entrega, ainda que muito fragmentária, do sermão aos leigos; enfim, as posições de jurisdição atribuídas aos leigos justificam aos seus olhos o poder de concelebrar”, enfatiza A Fraternidade São Pio X, que fala de “cisma latente” ao qual o Sínodo sobre a Sinodalidade serviria de caixa de ressonância.
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Suíça: sob investigação canônica a responsável pastoral que concelebrou uma missa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU