26 Agosto 2022
O problema de fundo é o negócio florestal que se desenvolve sobre as comunidades desde a ditadura. O representante mapuche reivindica a estratégia de recuperação de terras e não considera os políticos como interlocutores válidos, inclusive o atual governante.
A reportagem é de Juan Carlos Ramírez Figueroa, publicada por Página|12, 26-12-2022.
Enquanto estava em um restaurante na cidade de Cañete – a oito horas de Santiago – foi preso Héctor Llaitul, porta-voz e líder da Coordinadora Arauco Malleco (CAM), grupo mapuche fundado em 1997, que se tornou uma dor de cabeça para o governo de Boric e um verdadeiro inimigo público da direita que transformou a área da Araucanía (ou Wallmapu) no conceito militar: “macro zona sul”. Essa distinção é relevante, pois a política do atual governo chileno tem buscado construir pontes com os diversos mundos mapuche, embora sem sucesso para o setor representado por Llaitul, que ignora os políticos como interlocutores válidos.
A direita e o mundo corporativo, por outro lado, têm interesses demais na área, onde está o coração da indústria florestal do país. Um negócio que desde a ditadura de Pinochet encontrou enormes facilidades para se desenvolver contornando as comunidades, especialmente os Mapuche, tema que está até presente na propaganda televisiva do "Aprovo" para mudar essa situação na Nova Constituição que será votada em setembro 4.
Quem percorre as regiões do Bío-Bío e da Araucanía encontrará colinas e vastas terras povoadas por pinheiros e eucaliptos que substituíram as espécies nativas e, aliás, secaram as terras, afetando as comunidades que vivem nessas áreas. Nesse contexto, Llaitul, que não quer dialogar com o governo e promove uma estratégia de recuperação de terras, é visto como um radical para alguns, um terrorista para outros, um homem problemático para quase todos que são capazes de chamar para assumir armas como forma de autodefesa de seu povo e para realizar ações de sabotagem contra as grandes empresas florestais.
Dez dias antes do plebiscito a ministra do Interior, Izkia Siches – que foi recebida com balas no ar em março, quando tentava visitar a área mapuche em uma excursão confusa – destacou que sua prisão mostra que “o estado de direito funciona e ninguém está acima da lei”. O mundo político comemorou a prisão sob o mesmo argumento de uma prisão que, significativamente, ocorre a dez dias do plebiscito onde a direita usou a inação do governo bórico como grande argumento diante do que consideram terrorismo no sul.
Hoje, durante o primeiro dia de formalização, começaram a ser detalhados uma série de fatos de que é acusado. Por exemplo, a entrada em 12 de março deste ano em uma propriedade de Bosques Cautín onde a madeira foi roubada e os ocupantes foram baleados. Durante a ação, um policial foi ferido e um carabinieri acabou com uma fratura exposta devido a uma bala. Foi ainda acusado de fazer um “discurso de guerra”, mostrando uma gravação onde indicava que os seus colegas deveriam ser “ativos em relação ao confronto, principalmente contra as empresas florestais (envolvidas nos processos contra o CAM)”.
O advogado da demandante chegou a dizer que Llaitul “perdeu-se” como líder e o procurador destacou que só no ano passado houve 54 ataques julgados pela associação solicitando prisão preventiva.
Apesar de ter recebido o apoio da comunidade mapuche mais próxima que acusam de “armação” e “uso político”, estacionada hoje na sede da PDI de Temuco (Polícia Investigadora) e no Tribunal de Garantia durante a audiência de formalização. Ele é acusado, entre outras coisas, de roubar madeira (o que para ele é simplesmente “recuperação”), atacar as autoridades e incitar a violência após reconhecer o uso de armas para diversos atos de sabotagem.
É que Llaitul não tem nenhum problema em dar entrevistas à mídia independente Interferencia, destacando que "há uma parte do povo mapuche que se supôs ser chileno, ser o indígena chileno. Há também um setor mapuche que considera a auto- determinação dentro de um Estado que se reconhece diferente, mas fazendo parte dele, ou seja, é a concepção da plurinacionalidade. E nossa posição é mais radical, busca a reconstrução da nação mapuche, tal como existia no passado". Ou, “para nós, a luta é, em última análise, contra esse Estado de tipo capitalista, com formato colonial, e por isso valida o tipo de luta que não necessariamente tem que passar por essa institucionalidade opressora. Nossa posição, e que o caso Hurricane reafirma, é que as transformações acontecem fora do marco institucional.”
Este último em referência a uma operação realizada por carabineiros em 2017, onde buscavam reduzir os membros da comunidade mapuche instalando a ideia de que pertenciam a células terroristas e da qual, logo após, intervenção telefônica, incriminação de detentos e acusação de fraude foram descoberto.
No entanto, o líder mapuche não deixa de falar sobre a questão da violência e dos ataques aos caminhões madeireiros, ressaltando que a violência deve ser canalizada através da sabotagem, mas nunca atacando as pessoas. “Não tiramos vidas, não realizamos ações de aniquilação, apesar de ter identificado capangas a serviço do poder e que cometeram crimes contra a causa mapuche, nem podemos executar yanaconas que andaram livremente no wallmapu e ninguém tocou. Não podemos! porque essa ação não condiz com a nossa ética”.
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Chile. A prisão do líder mapuche Héctor Llaitul impacta o país - Instituto Humanitas Unisinos - IHU