18 Julho 2022
“O Papa Francisco está desclericalizando a tomada de decisões na Igreja, abrindo postos para não-clérigos e aqueles que não têm votos. Há algo a ser dito sobre confiar a tomada de decisões na Igreja àqueles que fizeram um voto ou promessa de obediência. A vida e o ministério de Nosso Senhor, e especialmente a sua paixão e morte, foram marcados sobretudo pela sua obediência ao Pai, e por isso aquela Igreja que leva o nome do Senhor e continua o seu ministério deve centrar a obediência na sua vida interior. Preocupa-me que os leigos se esqueçam com demasiada facilidade de que a obediência, como a oração e o sofrimento, são as verdadeiras fontes de poder na fé cristã”, escreve Michael Sean Winters, jornalista estadunidense, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 18-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Reformar a Igreja precisa ser comparado a virar um navio gigante. Você não pode se apressar na tarefa, senão corre o risco de naufragar o navio. Na última semana, no dia 13 de julho, não obstante, o Papa Francisco se apressou com suas reformas. A nomeação de três mulheres para trabalharem no Dicastério para os Bispos é uma mudança enorme na vida da Cúria Romana e na vida da Igreja universal.
O Dicastério, conhecido como Congregação para os Bispos até as reformas de Francisco entrarem em vigor no Pentecostes, é o organismo que recebe as ternas – a lista de três candidatos – dos núncios apostólicos espalhados pelo mundo para todos os bispados que não estão locados em território de missão. O Dicastério para a Evangelização administra as ternas das dioceses de missão, e o Dicastério para as Igrejas Orientais administra as nomeações dos católicos de rito oriental. Os dicastérios revisam as indicações, e então podem aprovar a terna e enviá-la ao Papa, modificar a terna, alternar a ordem dos nomes, ou rejeitar a terna e pedir uma nova para o núncio.
A maioria dos papas, especialmente a partir de estarem a um bom tempo no pontificado, darão algumas ideias sobre quem eles desejam que seja nomeado para uma diocese importante. A maioria das nomeações são para dioceses pequenas, menos proeminentes, e nenhum papa conseguiria administrar o vasto número de padres que devem ser candidatos. A maioria das ternas que vem a ele do Dicastério para os Bispos ganham aprovação. Isso significa que os membros da congregação exercem uma enorme influência sobre a seleção da próxima geração de líderes da Igreja.
As mulheres já estiveram envolvidas na seleção de bispos antes, mas apenas quando o processo estava em grande parte nas mãos de governantes seculares. Durante grande parte da história da Igreja moderna, um soberano católico tinha o direito de nomear candidatos para bispados abertos. Além de poderosas soberanas como a imperatriz Maria Teresa da Áustria, não era desconhecido que a amante de um rei poderia exercer influência sobre o processo. Madame de Maintenon, a amante jansenista de Luís XIV, ajudou a colocar Louis-Antoine de Noailles na Catedral de Notre Dame de Paris em 1695.
No final do século XIX e início do século XX, no entanto (e ironicamente muitas vezes por causa da separação entre Igreja e Estado, que a Igreja Católica lutou), o papa ganhou controle sobre o processo de nomeação de bispos na maioria dos países. A tarefa de nomear os candidatos foi confiada aos diplomatas do Vaticano e à Congregação Consistorial, como era então conhecida, e tornou-se a Congregação para os Bispos nas reformas posteriores ao Vaticano II. Os papas nunca tiveram tanto poder sobre a Igreja universal como nos últimos dois séculos.
Agora as mulheres farão parte do processo novamente. Duas religiosas – Raffaella Petrini, irmã Franciscana da Eucaristia, e Yvonne Reungoat, irmã salesiana – e uma leiga, Maria Lia Zervino, ajudarão o Papa a escolher a próxima geração de líderes eclesiásticos. É virtualmente impossível mensurar o quão atrasado é o envolvimento das mulheres na tomada de decisões eclesiais.
Petrini tem uma conexão com os EUA: o generalato e a casa-mãe de sua ordem estão localizados em Meriden, Connecticut, uma antiga cidade fabril que já viu dias melhores.
Há mais coisas em jogo aqui do que a introdução de mulheres em papéis de tomada de decisão. Zervino é leiga. A decisão de dissociar a autoridade de tomada de decisão da ordenação toca em questões teológicas profundas.
O Papa Francisco está desclericalizando a tomada de decisões na Igreja, abrindo postos para não-clérigos e aqueles que não têm votos. Há algo a ser dito sobre confiar a tomada de decisões na Igreja àqueles que fizeram um voto ou promessa de obediência. A vida e o ministério de Nosso Senhor, e especialmente a sua paixão e morte, foram marcados sobretudo pela sua obediência ao Pai, e por isso aquela Igreja que leva o nome do Senhor e continua o seu ministério deve centrar a obediência na sua vida interior. Preocupa-me que os leigos se esqueçam com demasiada facilidade de que a obediência, como a oração e o sofrimento, são as verdadeiras fontes de poder na fé cristã.
Mas veremos. O clericalismo perpetrado na Igreja em nosso tempo certamente tornou necessário tentar algo novo. O voto de obediência não foi suficiente para impedir a prática da arrogância.
Esta desclericalização da tomada de decisões convida toda a Igreja, incluindo o clero, a ver a ordenação pelo que ela é, uma graça. Se encararmos a ordenação como um ingresso para a autoridade e o poder, rapidamente transformaremos o estado clerical em um terreno fértil para o orgulho, não um veículo para a graça. A camaradagem apropriada ao presbitério se tornará – e se tornou – clichê e insalubre. A preocupação em proteger o poder e os ativos da instituição superou a preocupação em proteger a integridade e a missão da instituição.
Essas reformas, portanto, não se tratam apenas de reorganizar as atribuições em um organograma. Eles não são primariamente gerenciais. Em seu nível mais profundo, as reformas renovam a Igreja tanto à luz das necessidades contemporâneas, mas também a partir da fonte de nossa teologia da graça. Francisco, com seu apelo por um processo sinodal universal, está convidando a nós todos para atendermos a essas questões mais profundas. Em sua reforma da Cúria Romana, ele está mostrando o que atender questões tão profundas pode render.
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Mulheres estão ajudando na escolha dos bispos católicos! Isso é histórico – mas muito atrasado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU