15 Junho 2022
"A dispensa papal para interromper a clausura? Simplesmente não houve tempo para pedir. Tivemos que abrir o convento. Lviv estava inundada por uma enxurrada de almas fugindo das áreas afetadas pela guerra. Nas primeiras semanas da guerra, até 60.000 por dia. Famílias que viram suas casas serem queimadas, que perderam seus entes queridos ou tiveram que deixar seus avós para trás. Choravam de arrependimento todas as noites por terem feito isso. Seres desesperados que em poucos dias se descobriram sem estabilidade e esperança".
"Primeiro tentamos acolhê-los na igreja, mas não foi suficiente. Então conversamos entre nós, irmãs. Poucos minutos, realmente, para decidir. Já estávamos todas convencidas e abrimos também o convento. Não era o caso de pensar na clausura. O voto de solidão nasce para ajudar os filhos de Deus através da oração, mas quando a humanidade chora e sente frio no corpo e na alma, não podíamos rezar debaixo de um teto e deixar os filhos de Deus ao relento".
"Simplesmente não. Assim, montamos a cripta e os porões como abrigos antiaéreos, preparamos camas nos corredores, no refeitório, entre as abóbadas de pedra do mosteiro. Era a coisa certa a fazer: um dever religioso antes mesmo que humano. Tenho certeza de que se o Papa Francisco soubesse, concordaria conosco”.
A Irmã Serafina é a Madre Superiora do antigo convento beneditino de Lviv. Ela fala com uma voz fraca, mas sua têmpera é a mesma de muitas abadessas que a precederam. “Somos 30 irmãs da ordem Studita da Igreja da Grécia Oriental. Católicas. Temos de 24 a 92 anos. Foi apenas com o fim União Soviética que as novas autoridades nos confiaram este convento. O nosso na periferia de Lviv tinha sido destruído pelos comunistas. Os beneditinos foram embora e este prédio também estava em péssimas condições. Os comunistas o tinham lotado de material inútil apenas para impedir que os fiéis frequentassem a igreja. Trinta anos se passaram desde então: uma festa contínua. Todos os anos um passo em frente para reabrir a comunidade, restaurar os muros, educar muitas noviças”.
A entrevista com a Irmã Serafina é de Andrea Nicastro, publicada por Corriere della Sera, 14-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em clausura?
É nossa regra desde o século V. Primeiro em Constantinopla, depois na Ucrânia, já no século XI. Oito horas de oração, oito de trabalho, oito de descanso. Na solidão. A maioria de nós borda, mas também temos algumas boas pintoras de ícones que continuam a tradição.
Vocês estavam preparadas para a guerra?
Recebemos um panfleto do nosso Metropolita detalhando instruções para um possível conflito. Ele sugeria que acumulássemos comida, água, verificássemos a estabilidade das estruturas e identificássemos os espaços a serem usados como bunker. Com todo o respeito, sorrimos. Mas como é nosso dever, obedecemos. O resultado está espalhado ao longo dos muros do subsolo: camas de armar, colchões, cobertores e centenas de potes de geleias e xaropes, peixes salgados, conservas de verduras no azeite e no vinagre. Paramos de bordar e passamos a fazer conservas. Dito honestamente, não imaginávamos que seriam úteis. Acreditávamos que os tempos de Madre Josyfa Viter tivessem acabado.
Madre Viter?
Ela foi a abadessa que de 1939 a 1942 colaborou com a resistência ucraniana contra os soviéticos e de 1942 a 1945 contra os nazistas. As autoridades tinham fechado o convento, mas a ordem foi restabelecida nas casas particulares. Se a regra está dentro de você, você não precisa do convento. Com os alemães em Lviv, Madre Viter salvou centenas de judias. A ordem feminina se empenhou em ajudar as mulheres e a ordem masculina os homens. Desta vez também fizemos assim. Apenas mães e meninas entraram no convento.
O que aconteceu com a abadessa?
Ela foi presa pelos soviéticos e condenada a 20 anos na Sibéria. Quando foi libertada, foi proclamada uma Justa das Nações ainda em vida. É a Schindler ucraniana.
Como a vossa vida mudou com a guerra?
Fazemos o possível para que mudasse o mínimo possível, mas não é fácil. Por exemplo, durante os alarmes aéreos, quando estamos nos porões, rezamos. São horas que podemos dedicar ao acolhimento e ao trabalhar pelos refugiados.
O que restará desta experiência quando voltarem à clausura?
A força das mulheres. Recebemos muitas traumatizadas pelo que viram, pelas violências sofridas, pela ideia de ter perdido o futuro. Mas todas, todas aquelas que tinham os filhos com eles, criaturas que dependiam completamente de suas mães, conseguiram juntar coragem. As mulheres - e Irmã Serafina dobra o braço como Popeye faria - são fortes.
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“Chega de clausura”. As irmãs ucranianas abrem as portas para os refugiados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU