Na entrevista a seguir, Thibault Le Texier recupera as origens do marketing, na economia doméstica e na economia agrícola, e traz à tona um certo número de paradoxos a este respeito, sem maniqueísmo. Analisa a relação desta disciplina aplicada, que faz uso da psicologia e das ciências sociais, com a economia mainstream e traça uma visão crítica do marketing.
A entrevista é de Naïri Nahapétian, publicada por Alternatives Économiques, 14-05-2022. A tradução é do Cepat.
Thibault Le Texier é membro do Centre Européen de Sociologie et de Science Politique (CESSP) da Sorbonne e acaba de publicar La main visible des marchés. Une histoire critique du marketing, La Découverte, 2022 (A mão visível dos mercados. Uma história crítica do marketing), uma verdadeira suma da história e da epistemologia do marketing.
Quais são as origens do marketing?
O marketing é, primeiramente, uma arte de comprar. No século XIX, os manuais de marketing ensinavam às consumidoras (por serem em sua maioria mulheres) como fazer compras, como escolher frutas e verduras, como reconhecer as carnes próximas do apodrecimento, como administrar um orçamento, a que preço se vende em média este ou aquele produto etc. Esses livros são verdadeiros manuais de autodefesa para donas de casa.
O marketing moderno, como o conhecemos hoje, é uma inversão desse marketing doméstico: consiste em desarmar as defesas dos consumidores e assumir o controle da venda. Por um lado, ajusta a produção aos gostos e hábitos de cada um, graças sobretudo à pesquisa de mercado. Mas, por outro lado, ajusta cada consumidor aos produtos existentes, envolvendo os artigos em embalagens (o que dificulta a avaliação direta de sua qualidade) e focando a atenção nas marcas e nos preços por meio de ferramentas promocionais. Não só produzimos e preparamos cada vez menos o que consumimos, mas também sabemos cada vez menos como comprar bem.
Este marketing moderno surgiu na década de 1910. Respondia especialmente aos problemas de distribuição dos produtos agrícolas: produtos frágeis, que não tinham tamanho padrão, que já começavam a estragar, que eram cultivados por uma multidão de agricultores dispersos e que eram cada vez mais caros.
Nasce também da transformação das instituições comerciais: no início do século XX, viu-se o desenvolvimento de grandes fabricantes e de grandes intermediários, a venda por correspondência e as cadeias de lojas. Em seguida, a crise de superprodução que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, quando as fábricas foram recolocadas a serviço do consumo civil, confirmou a importância central do marketing, mobilizado para desocupar os galpões e as lojas.
Como o marketing articula produtos, consumidores e canais, sem um planejador central?
Se é necessário ajustar a produção ao consumo e o consumo à produção, é porque essas duas atividades estão cada vez mais separadas. Anteriormente, as comunidades consumiam o que colhiam ou produziam, e nada mais. Vários circuitos comerciais permitiram a introdução de produtos vindos de outros lugares, mas foi sobretudo com as estradas de ferro e depois com o automóvel que os produtores e consumidores se afastaram.
Uma das tarefas do marketing é justamente a de viabilizar essa distância, informando os produtores sobre os consumidores (quem compra o quê, onde, quando, como e por quê) e levando os produtos a esses consumidores através de canais de distribuição. Embora a economia tenha mudado muito em um século, esses três conceitos – consumidores, produtos, canais – permaneceram no centro da racionalidade do marketing.
Os consumidores são clientes que não estão mais ligados a vendedores, como antigamente, mas a produtos e canais. O marketing possibilita estudar esses consumidores, segmentá-los, direcioná-los e influenciá-los.
Os produtos são artigos não mais vendidos a granel, de forma indiferenciada, mas envoltos em suportes que os personalizam e determinam a forma como são percebidos e julgados. Esses suportes são as categorias, as embalagens, as marcas, os preços e as promoções.
Os canais, por fim, são os suportes técnicos para a distribuição dos produtos. Ligando materialmente produtores e consumidores, coordenam os meios de transporte, as infraestruturas de armazenamento e os pontos de venda.
Em resumo, o marketing organiza a sociedade, material e psicologicamente, para garantir um fluxo regular de mercadorias dos produtores aos consumidores. É o elo entre produção e consumo, sem o qual nossas sociedades morreriam asfixiadas.
Qual é o papel do poder público?
O Estado americano sempre esteve no centro do marketing. A prosperidade do país depende disso. Falei do marketing de produtos agrícolas; é precisamente o Ministério da Agricultura que distribui os instrumentos de comercialização que permitem a distribuição de produtos agrícolas em grande escala: informações sobre os preços e a distribuição dos produtos em classes de acordo com a sua qualidade.
Além de fornecer informações sobre os preços, o Estado produz e divulga uma grande quantidade de conhecimentos úteis aos marqueteiros: estatísticas econômicas (sobre o custo de vida e os orçamentos familiares, por exemplo), estudos de mercado e até conselhos para atacadistas e comerciantes.
O Estado também ajuda setores inteiros a estruturar seu marketing. Ele apoia muitos produtos como comprador. Por exemplo, no início dos anos 1960, comprou cerca de um quinto de todos os produtos vendidos nos Estados Unidos.
Mas o Estado também apoia muitos produtos como doador. O exército americano e a CIA, por exemplo, financiam projetos de pesquisa e administram fundos de investimento, como o In-Q-Tel, dos quais se beneficiaram o GPS, a telefonia móvel, a assistente pessoal Siri ou o Google. E o Estado apoia a exportação de sua produção nacional: por trás de uma fachada filantrópica, a ajuda alimentar financia, por exemplo, a venda de produtos agrícolas americanos.
Como disse um presidente do Comitê de Relações Exteriores do Congresso: “O comércio mundial não é livre e justo. É um campo de batalha”. E os Estados estão na linha de frente.
Os mercados não podem funcionar sem serem administrados de ponta a ponta. O “livre comércio” só sobrevive em liberdade vigiada.
O marketing, e esta é outra razão do seu sucesso, permite aos poderes públicos conduzir uma política econômica menos visível, mais indireta, atuando mais na distribuição e na venda do que na produção e no emprego. Um Estado que subsidia produtores corre o risco de ser sancionado por intervencionismo pela União Europeia ou pela Organização Mundial do Comércio. Mas um Estado que ajuda os produtores a comercializar seus produtos dificilmente ficará preocupado.
Graças ao marketing, o poder público pode, portanto, atuar nos mercados sem parecer fazê-lo e influenciar a economia sem ser responsabilizado por suas disfunções (desemprego, inflação, recessões, crises financeiras etc.).
Mas não nos deixemos enganar. Confiar o destino da economia ao jogo dos mercados não significa renunciar à política: é simplesmente uma forma diferente de fazer política. Se os Estados Unidos promovem tanto a globalização do livre comércio é porque se beneficiam enormemente dela.
Você costuma citar o exemplo da sociedade americana. Por quê?
Os Estados Unidos inventaram o marketing moderno. Por que eles? Por várias razões: população muito espalhada por um vasto território, desenvolvimento inicial das estradas de ferro, vigor da indústria e das escolas de negócios. E nenhuma outra sociedade se organizou tanto em torno dos mercados. O consumo de massa encontrou um terreno particularmente fértil aí e sua disseminação global também beneficiou muito o país.
A partir das décadas de 1920 e 1930, os Estados Unidos viram surgir os primeiros manuais de marketing, as primeiras revistas e as primeiras associações profissionais. As teorias e as técnicas de marketing que se espalharam pelo mundo a partir da década de 1950 são todas americanas. O primeiro manual de marketing francês, que apareceu em 1974, foi escrito em grande parte por professores que haviam feito suas teses em Cornell e Harvard.
Qual é o perfil desses grandes autores do marketing?
Muitas vezes são acadêmicos que vão e voltam entre a universidade e o setor privado. Muitos criaram ou ingressaram em empresas de consultoria.
Esses professores de marketing se beneficiam de um grande grupo de estudantes, que consomem seus produtos intelectuais antes de ingressarem, em muitos casos, nas fileiras dos profissionais de marketing. Um quarto dos mestrados concedidos nos Estados Unidos são MBAs (Masters of Business Administration). Mas teóricos de marketing influentes como Ernest Dichter nunca ensinaram na universidade.
O marketing é uma disciplina aplicada, portanto pouco autônoma: o conhecimento de marketing geralmente é produzido, validado e legitimado fora da universidade, nas empresas.
E seria difícil identificar um pai fundador, como Adam Smith na economia. O autor mais influente em marketing hoje, Philip Kotler, fez seu nome no início dos anos 1970. Economista de formação, ele escolheu estudar marketing, uma disciplina inculta onde poderia deixar sua marca. Ele baseia sua autoridade em três pilares: o rigor científico de seus primeiros escritos, seu trabalho de divulgação (seus livros didáticos de marketing são hoje os mais usados no mundo) e seus esforços para ampliar o campo de aplicação do marketing (às associações, universidades, igrejas, campanhas eleitorais, celebridades etc.). Ele próprio especialista em marketing, como muitos autores influentes, trata todos os assuntos e atende a todos os públicos, com aparência de grande competência.
Você pode voltar às ligações entre o marketing e as ciências sociais, por um lado, e suas ligações com a economia convencional, por outro?
O marketing é uma disciplina totalizante: tenta identificar o consumo em todas as suas dimensões (familiar, cultural, psicológica, geográfica, demográfica, midiática etc.). É por isso que os marqueteiros saqueiam alegremente as ciências sociais.
Eles tomaram emprestados da sociologia, por exemplo, os termos “classe social”, “grupo de referência” e “subcultura”. E etnólogos são empregados para observar o comportamento dos consumidores nas lojas, na internet ou em casa. Nenhum conhecimento é desqualificado a priori, o principal é que funcione.
A psicologia é a principal disciplina recuperada pelos marqueteiros. Ela parece iluminar melhor do que as outras o porquê de consumirmos. Comprar é uma questão de poder de compra mas também de desejo de comprar, lemos muito cedo. E muitos psicólogos investem em marketing, felizes em encontrar ali objetos de estudo, campos de aplicação para suas teorias e oportunidades profissionais.
A economia mantém uma relação mais distante com o marketing. Os primeiros teóricos do marketing eram economistas, mas economistas interessados em economia aplicada e empírica, não em economia teórica ou política. Eles não são conselheiros do príncipe, são conselheiros do CEO.
A economia e o marketing compartilham o mesmo objeto: os mercados. Mas essas duas disciplinas abordam isso de maneira muito diferente. Segundo os economistas neoclássicos, hoje dominantes na economia, o homo œconomicus é um calculador racional e informado, desprovido de emoções, de moral e de hábitos; os preços são o principal determinante das trocas; a empresa reage mecanicamente a uma demanda existente, mas não a influencia; os produtos concorrentes são idênticos, igualmente acessíveis e perfeitamente conhecidos de todos; nenhum parceiro é poderoso o suficiente para influenciar significativamente os preços; o consumo é reduzido ao breve momento da compra; e os preços são o único indicador de satisfação do consumidor.
O marketing mostra que alguns destes postulados são mais irrealistas do que outros. Na verdade, os mercados são sempre imperfeitos; há assimetrias de informação; os consumidores são irracionais; as empresas não competem necessariamente entre si; os profissionais de marketing promovem outros critérios além do preço etc.
Quais têm sido os benefícios do marketing para a sociedade?
O marketing possibilitou o consumo de massa, o que não é pouca coisa na história da humanidade. Entre 1800 e 2000, o consumo diário de um americano médio aumentou de cerca de 3 dólares atuais para cerca de 100. Isso se traduz concretamente no consumo de produtos de todos os tipos (objetos, serviços, viagens intercontinentais, antibióticos, alimentos diversificados etc.). Mas também apresenta problemas ecológicos muito sérios.
Graças ao marketing, grandes setores das sociedades desenvolvidas satisfizeram uma série de necessidades e desejos. O marketing é geralmente equiparado a manipulação e lavagem cerebral, mas na maioria das vezes é simplesmente tentar atender a uma demanda.
Esse “poder servidor”, como o chamo, nada tem a ver com o poder do gestor ou do chefe de Estado. Não é arrogante, nem punitivo, nem opressivo. Pelo contrário, baseia-se no consentimento, na adesão e na sedução.
O cliente é o rei: os marqueteiros não têm como coagi-lo. Em vez de lutar contra a força dos hábitos, opiniões, mitos e impulsos populares (o que muitas vezes é muito caro), é melhor pregar aos convertidos. É claro que os consumidores podem ser educados, orientados, influenciados, mas não podem ser virados de cabeça para baixo. Se você vende salsichas, é melhor se dirigir aos comedores de carne do que aos vegetarianos.
Na verdade, os efeitos da publicidade não são tão poderosos quanto pensamos. Muitas vezes, é a quantidade de vendas que determina os orçamentos de publicidade, e não o contrário: se a publicidade molda nossas escolhas, é porque nossas escolhas moldam a publicidade.
Assim, os marqueteiros exercem seu poder por meio do reforço circular. Por exemplo, se os marqueteiros virem adolescentes consumindo um determinado produto, eles moldarão esse produto e as promoções que o acompanham para atingir os adolescentes. Ao fazer isso, esses marqueteiros reforçarão a tendência dos adolescentes de consumir esse produto, o que atrairá outros marqueteiros que acentuarão ainda mais essa tendência.
Os marqueteiros, no entanto, não reforçam qualquer tendência. Eles reforçam o que vende. O marketing é um espelho, mas um espelho distorcido, que reflete apenas certos aspectos da realidade. Naturaliza o consumismo enquanto esconde seus grilhões. É assim que o marketing consolida, no longo prazo, a adesão em massa à sociedade de consumo.
Que ligação pode ser feita entre suas pesquisas sobre o marketing e suas pesquisas sobre a gestão?
A gestão e o marketing encarnam as duas principais facetas do poder que as empresas exercem sobre a sociedade. Externamente, como vimos, o marketing ajusta consumidores, produtos e canais. Internamente, a gestão é um poder sobre os trabalhadores: estabelece objetivos e padrões para eles, molda ambientes, avalia resultados, reduz as pessoas ao estado de máquinas constantemente remodeladas para torná-las mais eficientes.
A gestão e o marketing seguiram trajetórias paralelas: ambos nasceram no século XVIII, no âmbito doméstico, nas mãos das mulheres, antes de serem tomados e sequestrados pelos homens nas empresas, conquistando depois todas as instituições (família, Estado, igrejas, associações etc.).
Alavancas de empoderamento, a gestão e o marketing permitiram à família cuidar de seus dependentes e obter suprimentos de forma inteligente. Os primeiros gerentes eram donas de casa, e os primeiros marqueteiros também.
Depois, essas alavancas se transformaram em geradoras de dependência: a gestão tornou os trabalhadores dependentes dos executivos e dos proprietários dos meios de produção e de distribuição, enquanto o marketing tornou os consumidores dependentes de uma infinidade de bens e serviços e, portanto, desses mesmos proprietários. É assim que a empresa estabelece seu poder.
Assim como a gestão, o marketing é o que chamo de uma “racionalidade”, ou seja, nem uma ideologia nem uma ciência, mas um conjunto de saberes coerentes que equipam e legitimam um grupo profissional. Assim como a gestão para os gerentes, o marketing dá importância aos marqueteiros nas empresas. Uma racionalidade é também uma disciplina aplicada, cujos princípios estão permanentemente inscritos ao nosso redor. Em suma, é o conhecimento concebido como poder.
E, no entanto, além dos marqueteiros, o marketing não interessa a muita gente. Por quê?
O marketing deveria ser discutido nos jornais, pelos candidatos às eleições, no Parlamento, nas redes sociais. Comprar produtos locais ou não, orgânicos ou não, um carro ou uma bicicleta etc., todas essas escolhas aparentemente insignificantes em si moldam completamente a sociedade.
Infelizmente, o consumo é amplamente despolitizado. Cada compra parece uma decisão simples, individual, instantânea, sem impacto de longo prazo na sociedade. Ao manter a produção e o consumo à distância, o marketing oculta o fato de que nossas escolhas de consumo são também escolhas de produção: se todos pararem de comprar carros, não haverá mais produção de carros. O consumo é político.
Se o consumo está amplamente despolitizado, é também porque o Estado abriu mão de suas responsabilidades econômicas, como vimos. Os liberais fazem-nos crer que os mercados são uma democracia, onde cada consumidor vota com a carteira (um euro = um voto). Só que os mercados agregam uma multiplicidade de escolhas individuais sem permitir o debate e a escolha entre diferentes projetos de sociedade, como pode ser feito durante as eleições políticas, apesar de todas as imperfeições da democracia representativa.
Devemos, portanto, rearmar os consumidores. A sociedade de consumo foi pouco estudada e muitas vezes caricaturada: ela alienaria e reificaria, atiçaria os instintos e os vícios, enganaria e faria lavagem cerebral, nivelaria e uniformizaria etc.
Na realidade, os consumidores não são idiotas manipulados pelo grande capital: mesmo que não percebam, eles têm muito poder e responsabilidade. Se quisermos, podemos até nos emancipar do marketing e das empresas, escolhendo a autonomia.
Esta escolha não é fácil, é verdade. O marketing gratifica pulsões difíceis de combater (egoísmo, preguiça, busca de conforto, prazer de possuir etc.). Se o marketing adquiriu tanto poder sem ter nenhum meio de constrangimento, é porque soube explorar inclinações gravadas em nossos valores e hábitos.
É também porque se tornou uma grande engrenagem na roda do capitalismo. Em 1970, dois economistas estimaram que as funções essenciais ao bom funcionamento do comércio (atacadistas, comerciantes, marqueteiros, banqueiros, seguradoras, financistas, advogados, contadores, funcionários públicos) representavam mais de 54% do PIB americano. Em outras palavras, o marketing deixou de ser um simples meio: tornou-se um fim em si mesmo. A ponto de nos perguntarmos se acabamos consumindo simplesmente para poder trabalhar, e não o contrário.