29 Março 2022
Papa Francisco estará recebendo por quatro dias povos indígenas do Canadá, que sofreram décadas de abusos físicos e sexuais nas escolas de administração católica do país.
A reportagem é de Alexis Gacon e Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix, 28-03-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Uma delegação mista de indígenas e bispos católicos do Canadá começou uma visita excepcional de cinco dias ao Vaticano, a qual incluirá quatro reuniões separadas com o Papa Francisco.
O propósito da visita dos canadenses é para informar pessoalmente ao papa sobre o gigante escândalo que se revelou há poucos anos sobre os abusos físicos e sexuais que crianças indígenas sofreram entre 1830-1996 em escolas administradas pela Igreja Católica.
Esse número incomum de encontros que eles terão nesta semana com o papa mostra o quão seriamente Francisco está levando o processo de reconciliação.
Aproximadamente 130 mil crianças pertencentes aos povos Inuit, Métis e “First Nations” – termos que são usados desde 1970, em vez do mais depreciativo “índios” – foram colocados em 130 instituições de fundos governamentais para “assimilar crianças nativas na cultura euro-canadense”.
Cerca de 70% dessas escolas eram administrados pela Igreja Católica. A maioria dos outros 30% eram operadas por outras comunidades cristãs.
Mas em todo caso, pelos testemunhos identifica-se um amplo sistema de maus tratos.
Nas escolas localizadas na capital Ottawa, em torno de 5,3 mil agressões sexuais foram identificadas. E também houve um número excessivo de mortes prematuras devido às condições brutais de vida.
Entre 3,5 e 10 mil residentes morreram de tuberculose e influenza nessas escolas superlotadas e mal ventiladas.
“Canadá diz que as crianças precisam ser retiradas de suas famílias para se tornarem bons canadenses. E um bom canadense era um bom cristão”, explicou Marie-Pierre Bousquet, diretora do programa de Estudos Indígenas no Departamento de Antropologia na Universidade de Montreal.
“Eles foram retirados dos seus pais e de suas culturas. Muitos eram proibidos de falar em suas línguas nativas. Havia uma disciplina militar na escolas”, disse ela.
A situação foi denunciada pela primeira vez em 1905 por Peter Bryce, um médico de Ontário.
Mas foi apenas nos últimos anos que toda a extensão do escândalo começou a ser revelada, graças ao trabalho realizado entre 2008-2015 por uma Comissão de Verdade e Reconciliação.
No entanto, foi apenas recentemente, no verão de 2021, com a descoberta de 215 restos mortais em vala comum nas dependências da Kamloops Indian Residential School, na Colúmbia Britânica, que o público canadense está se conscientizando do fenômeno.
“Pela primeira vez, as pessoas se comoveram”, diz Bousquet.
“Várias grandes cidades do Canadá cancelaram as celebrações do feriado nacional neste verão”, ressalta ela.
Desde a publicação do relatório da Comissão da Verdade e Reconciliação em 2015, representantes dos povos indígenas pediram consistentemente ao Papa Francisco que falasse em nome da Igreja Católica e fizesse “um pedido de desculpas aos sobreviventes, suas famílias e comunidades afetadas pelos problemas espirituais, culturais, abuso emocional, físico e sexual”.
O governo canadense apoiou ardentemente esse pedido e, em demonstração de solidariedade, adiou repetidamente a nomeação de um novo embaixador junto à Santa Sé desde outubro de 2018.
É uma política do vácuo, destinada a fazer Roma sentir uma forma de descontentamento.
Mas a diplomacia canadense, liderada em Roma por um encarregado de negócios sem o posto de embaixador, está trabalhando ativamente para convencer o Vaticano.
O governo de Ottawa conta com a proximidade do papa com os povos indígenas, o que ele demonstrou em 2019, quando realizou uma assembleia especial do Sínodo no Vaticano com foco na Amazônia.
E está confiante que Francisco dará um passo decisivo.
“O abuso era conhecido, pelo menos por uma certa parte da hierarquia da Igreja Católica no país, talvez no Vaticano também”, acredita Brian Gettler, professor associado de história da Universidade de Toronto.
“Para seguir em frente, os povos indígenas buscam uma resposta forte e clara. O pedido de desculpas do papa pode ser uma”, diz Gettler, cuja área de especialização é a história do colonialismo.
Durante sua semana em Roma, os membros da delegação (tanto os indígenas quanto os bispos) serão divididos em três grupos diferentes para reuniões iniciais na segunda e quinta-feira com o papa e funcionários do Vaticano.
Isso permitirá que eles ouçam separadamente os membros de três comunidades: Métis, Inuit e First Nations.
Em seguida, Francisco se reunirá com todos na sexta-feira.
O papa, que “expressou sua tristeza”, mas nunca se desculpou, oferecerá um pedido de desculpas? Ninguém pode afirmar com certeza.
Mas o certo é que Francisco visitará o Canadá nos próximos meses, como o Vaticano já anunciou em outubro de 2020.
O encontro com os povos indígenas pode ser uma oportunidade para anunciar as datas exatas da visita papal.
Duas opções estão sendo consideradas. A visita pode ocorrer entre meados e final de julho, depois que Francisco retornar de uma viagem à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul. Ou poderia ser realizada no outono europeu.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Canadá. Indígenas chegam a Roma nesta semana, esperando pelas desculpas papais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU