20 Janeiro 2022
No próximo sábado será celebrada em El Salvador a beatificação do jesuíta religioso e dos leigos Manuel Solórzano e Nelson Rutilio Lemus, assassinados com ele em 12 de março de 1977 e do franciscano Cosma Spessotto. O historiador e biógrafo Rodolfo Cardenal: a contribuição mais importante desses mártires é ter estado ao lado dos pobres em um momento de crise e violências.
A reportagem é de Manuel Cubías, publicada por Vatican News, 19-01-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No dia 12 de março de 1977, por volta das cinco da tarde, Rutilio Grande juntamente com Manuel Solórzano (72 anos) e o jovem Nelson Rutilio Lemus (15), estavam se dirigindo com seu veículo, chamado zafari, para El Paisnal, um vilarejo cerca de 40 quilômetros de San Salvador, para celebrar o último dia da novena em honra de São José, padroeiro da comunidade. Em El Paisnal, a igreja estava pronta para a festa, mas o padre "Tilo", como os camponeses o chamavam, nunca chegou.
Em uma emboscada um grupo de homens armados dispararam contra o zafari; o carro capotou e os três corpos permaneceram dentro. O relatório forense afirmou que o padre Rutilio foi atingido doze vezes. Todos que esperavam o padre para celebrar a Eucaristia, ao ouvir a notícia, correram para o local do assassinato. Um grupo de agentes da então Guarda Nacional não deixou ninguém chegar perto dos corpos.
O padre Rutilio - que será beatificado no próximo dia 22 de janeiro em San Salvador junto com Solórzano, Lemus e o franciscano Cosma Spessotto - foi executado por seu empenho pelos pobres de El Salvador. A partir de 1970, a sociedade salvadorenha, caracterizada por enormes desigualdades, começou a dar passos em direção a uma maior organização camponesa para reivindicar seus direitos.
Esses anos foram caracterizados pelo confronto entre os vários grupos de poder e organizações sindicais, mas também pela dura repressão do governo em um crescendo de violências que atingiram principalmente membros da Igreja, acusados de incitar os camponeses e as pessoas mais pobres. Em 1992, no final da guerra civil que eclodiu em 1980, foram mortos mais de 20 sacerdotes, quatro freiras, centenas de catequistas e também o arcebispo Óscar Romero.
Naqueles anos, Padre Grande atuou para que a vida e os direitos dos camponeses fossem respeitados, como lembra o padre jesuíta Rodolfo Cardenal, autor do livro “Vida, pasión y muerte del jesuita Rutilio Grande" (2016). O sacerdote seguia um ideal de fraternidade para a Igreja e o mundo, aquele que descreveu plasticamente em uma homilia de 13 de fevereiro de 1977, em Apopa: “Toalhas de mesa compridas, uma mesa comum para todos, banquinhos para todos e Cristo no meio! Ele que não tirou a vida de ninguém, mas a ofereceu pela causa mais nobre... A construção do Reino, que é a fraternidade de uma mesa comum, a Eucaristia”.
Vida, pasión y muerte del jesuita Rutilio Grande
Padre Rutilio também tinha adotado uma abordagem inovadora para a formação de seminaristas, bem como de leigos - homens e mulheres - quando foi designado para a paróquia de Aguilares. Dizia: “Agora não vamos mais esperar por missionários de fora. Mas seremos nós mesmos missionários”.
Nesse esforço, Padre Grande e seus companheiros jesuítas começaram a visitar pessoas tanto nas comunidades rurais como nas populações urbanas. A proximidade com os camponeses e seus sofrimentos seria um dos pontos principais do trabalho pastoral. Com o tempo, sua abordagem pessoal atraiu as pessoas para a celebração da Eucaristia, para os sacramentos e para o estudo da Bíblia, dando origem a uma vibrante comunidade de cristãos que participam ativamente da vida paroquial.
O Padre Cardenal afirma que a beatificação dos quatro mártires coloca a Igreja salvadorenha e latino-americana no caminho da Igreja mártir: “Rutilio Grande está associado a Monsenhor Romero. E Monsenhor Romero não pode ser entendido sem Rutilio Grande. Ele e outros sacerdotes trabalharam para preparar o caminho pastoral que Romero depois seguiu e levou adiante”. Por outro lado, segundo o biógrafo jesuíta, o padre Grande e os outros três mártires são o símbolo de "uma exigência de verdade e justiça num país onde as mentiras são estruturais, onde vigora a impunidade e onde os crimes de guerra não foram investigados ou julgados".
A contribuição mais importante desses mártires, relata o historiador, é a de ter estado ao lado dos pobres em um momento de conflito e dificuldade: "É o que o Papa Francisco chama agora de 'Igreja em saída', que vai para as periferias. Eles foram para as periferias. Esse era o sonho do Padre Grande, ele queria que a criação fosse compartilhada por toda a humanidade, que ninguém declarasse como próprio, algo que é comum a todos. Ele promoveu a criação de comunidades onde cada um tivesse seu próprio espaço”.
Rodolfo Cardenal insiste na importância da contribuição e experiência pastoral do padre Rutilio Grande, em particular na ideia de consolidar uma “pastoral de conjunto” que enfatiza o exercício da pastoral em equipe. “O que, em essência, é o que o Papa Francisco chama de via sinodal”. Grande lutou por isso, assim como "por uma sociedade em que os seres humanos pudessem viver em plenitude". A Igreja salvadorenha está se preparando para a celebração desses quatro mártires almejando que a verdade seja conhecida e seja feita justiça.
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Rutilio Grande, beato em 22 de janeiro, “símbolo de um país que pede verdade e justiça” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU