“Como os libertários, os neoliberais temem que o Estado sufoque o potencial natural do setor privado para desencadear a inovação e o crescimento. Eles acreditam que o papel adequado do governo é atuar como um árbitro neutro, garantindo os direitos de propriedade que são essenciais para a livre iniciativa. O Ensino Social Católico, por outro lado, não tem nada a ver com o libertarianismo. Isso porque o libertarianismo repudia a ideia de um bem comum – nesse contexto, 'comum' envolve algum elemento de coerção e insistir no 'bem' negaria a liberdade. Deve-se reconhecer que a economia neoclássica não vai tão longe quanto o libertarianismo. Como seu único padrão é a eficiência, ele aprova a intervenção do governo se for comprovado que aumenta a eficiência. Por essa razão, permitirá que o governo provenha bens públicos, regule os monopólios naturais e estabeleça um preço adequado para as externalidades, como a poluição. Isso é melhor do que nada, mas não é o suficiente. Segundo o Ensino Social Católico, o bem comum na esfera econômica é o domínio próprio do governo”, escreve Anthony Annett, economista, pesquisador da Fordham University, autor do livro “Cathonomics: how catholic tradition can create a more just economy” (Georgetown University Press, 2022), em artigo publicado por Commonweal, 03-01-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Alguma coisa saiu errado nas últimas quatro décadas. Apesar dos recordes de prosperidade global, o bem comum está ameaçado mais que nunca pelas disfunções sociais e econômicas. Embora nós estejamos testemunhando ganhos impressionantes na redução da pobreza – conduzido amplamente pela China – nós ainda temos níveis enormes de pobreza, privação e exclusão em um mundo de riqueza sem precedentes. De acordo com o Banco Mundial, uma em dez pessoas vive em situação de extrema pobreza, com uma renda de sobrevivência menor que 1,90 dólares ao dia. Em torno de 6 milhões de crianças morrem todo anualmente com menos de cinco anos, e a maior parte dessas vidas poderia ser salva por intervenções médicas baratas e simples.
A desigualdade dentro dos países tem explodido nos últimos 40 anos. De acordo com o Relatório da Desigualdade Global, desde 1980 os 1% mais ricos tem lucrado duas vezes mais com o crescimento da economia que os 50% menores. Os grandes vencedores dessa era foram os super-ricos. Como porcentagem do PIB global, a riqueza dos bilionários do mundo dobrou neste período. Essa impressionante desigualdade é consequência de uma combinação tóxica de tendências. As mudanças tecnológicas beneficiaram trabalhadores altamente qualificados e proprietários de capital; a globalização permitiu que as corporações montassem acampamento em países com impostos mais baixos e menos regulamentos e proteções sociais; e a crescente captura plutocrática do sistema político levou a políticas que favorecem os ricos. O resultado foi o esvaziamento da classe média e a evisceração da classe trabalhadora nas economias avançadas. Não é de admirar que a crise financeira global, quando os banqueiros foram resgatados e as pessoas comuns deixadas para afundar, deixou um legado amargo de ressentimento em seu rastro.
Graves problemas sociais surgiram em conjunto com essa concentração de riqueza. Como Robert Putnam documentou nos Estados Unidos, os laços sociais se desgastaram nas últimas décadas, à medida que a ideologia neoliberal minou nosso senso de solidariedade. Sinais desse desgaste estão ao nosso redor. Eles incluem obesidade, abuso de substâncias e distúrbios mentais. Na verdade, esses problemas se tornaram tão comuns e graves que a expectativa de vida está caindo entre alguns grupos demográficos importantes.
Pairando sobre tudo isso está a crise ambiental existencial que ameaça destruir as condições para o florescimento humano. A maior ameaça aqui é certamente a mudança climática, que é impulsionada pela queima implacável de combustíveis fósseis para alimentar o rolo compressor de nossa economia global. A energia liberada pela queima desses combustíveis fósseis impulsionou a Revolução Industrial e lançou as bases para nossa prosperidade global. Mas o uso contínuo desses combustíveis destruirá gradualmente essa prosperidade, junto com a saúde do planeta. A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera é maior que em qualquer momento dos últimos 3 milhões de anos. Os cientistas do clima preveem que, sem uma grande correção de curso, haverá um aumento devastador nas temperaturas globais, causando mais inundações, secas, incêndios e eventos climáticos severos. Nos próximos anos, as mudanças climáticas terão enormes impactos na produção agrícola, crescimento econômico, pobreza, saúde humana, migração, instabilidade política e conflitos.
A culpa pelo atual estado das coisas pode, em grande medida, ser atribuída a uma ideologia conhecida como neoliberalismo. Essa ideologia envolve uma extensão dos valores da economia neoclássica – valores como individualismo, eficiência e competição – a todos os aspectos da sociedade. De acordo com o neoliberalismo, os livres-mercados sempre e em toda parte promovem o bem-estar, o crescimento econômico sempre irá diminuir e o setor privado precisa ser libertado das garras do governo para ser eficiente e inovador. Os serviços públicos deveriam ser privatizados, as indústrias desregulamentadas. O capital deve poder circular livremente através das fronteiras em busca das melhores oportunidades de investimento.
Mas o neoliberalismo falhou, mesmo em seus próprios termos. Como observou o economista Robert Gordon, a produtividade total dos fatores – a porção do crescimento econômico atribuível à inovação e ao avanço tecnológico – foi três vezes maior nos Estados Unidos no período entre 1920 e 1970 do que no período seguinte de 50 anos, quando as políticas neoliberais foram sistematicamente implementadas. Essas políticas simplesmente não realizaram o milagre do lado da oferta que seus campeões prometeram. E embora o crescimento tenha desacelerado em toda a linha, foram os pobres que viram o maior declínio.
O fracasso do neoliberalismo nos trouxe a uma situação perigosa. À medida que os pobres e as classes trabalhadoras são deixados para trás e os problemas sociais e psicológicos aumentam, a reação tem o potencial de ser feroz. Já estamos vendo os sinais de alerta. O senso de propósito compartilhado de que uma sociedade precisa para buscar o bem comum parece ilusório. Em vez disso, a frustração econômica e a ansiedade caem nas mãos de demagogos com respostas fáceis. Existe uma correlação estreita entre a extrema desigualdade e a perda de confiança em instituições de todos os tipos, incluindo o governo. Quando isso acontecer, a própria democracia estará em perigo. A história do início do século XX nos ensina lições claras a esse respeito.
Ainda assim, em meados daquele século, a Europa e os EUA conseguiram rastejar de volta do abismo – em grande parte abraçando a social-democracia, que uniu a economia de mercado a um Estado investidor. Três forças explicam o surgimento desta era. Primeiro, a Grande Depressão levou a uma perda de fé no poder dos mercados de autocorreção. Em segundo lugar, a experiência compartilhada do tempo de guerra deu início à solidariedade social, que se estendeu até o período do pós-guerra e levou uma geração para desaparecer. Terceiro, o mundo democrático olhou o comunismo com nervosismo e procurou maneiras de diminuir seu apelo às classes trabalhadoras. Não é por acaso que o neoliberalismo atingiu seu apogeu somente após o colapso final do comunismo.
A era da social-democracia foi marcada por Estados de Bem-Estar robustos, com regulação financeira, controle de monopólios, sindicatos fortes e barganhar coletiva, e altas taxas de imposto marginal. Essas instituições encapsularam um espírito de solidariedade e propósito compartilhado. Em contraste com a era neoliberal, o experimento social-democrata foi de enorme sucesso em ambos lados do Atlântico, marcado pelo crescimento econômico robusto, compartilhado e forte estabilidade financeira.
A questão a ser feita é essa: pode nossa atual crise ser resolvida por um novo momento social-democrata, ajustado às circunstâncias particulares do século XXI? Eu acredito que a resposta é sim, e que a solução pode ser informada pelos princípios do Ensino Social Católico. Para ver isso, é útil explorar o papel que o Ensino Social Católico desempenhou no primeiro momento social-democrata. Como observou o historiador Tony Judt, o movimento democrata-cristão europeu do pós-guerra – amplamente inspirado pelo Ensino Social Católico – encontrou uma causa comum com a social-democracia de esquerda contra o laissez-faire econômico. A democracia cristã apoiou uma “economia social de mercado” para proteger as famílias dos caprichos do capitalismo. James Chappel argumentou recentemente que, durante o século XX, o pensamento social católico foi amplamente dividido entre duas tendências: o que ele chama de catolicismo “paternal” – que se opôs vigorosamente ao comunismo e elevou a família como a unidade básica da sociedade – e o catolicismo “fraterno”, que tendia a ser mais de esquerda. No entanto, essas duas vertentes se uniram no domínio da economia durante o período do pós-guerra. Ambos apoiaram o papel do Estado na regulação da economia para promover o bem comum, fornecendo serviços sociais universais financiados por impostos e contribuições sociais, e fortalecendo os sindicatos como um baluarte contra o poder corporativo excessivo – o tipo de poder que lubrifica as rodas do fascismo.
Embora nunca tenha havido um movimento democrata-cristão nos Estados Unidos, o New Deal do presidente Franklin D. Roosevelt foi influenciado pelo Ensino Social Católico – especialmente sob a tutela do padre John A. Ryan. O New Deal limitou os excessos do mercado, encorajou relações industriais justas e harmoniosas, criou empregos públicos dignos para os necessitados e protegeu as pessoas de vários tipos de riscos de mercado. Seus objetivos se estenderam até o período do pós-guerra e foram amplamente aceitos em ambos os lados da divisão partidária. Chamado por alguns de “Tratado de Detroit”, o conjunto de instituições que combinam altos impostos sobre os ricos, salários mínimos robustos e fortes direitos de negociação coletiva ajudou a inaugurar um período notável de estabilidade industrial e prosperidade compartilhada. O presidente Lyndon B. Johnson estendeu o New Deal com sua Guerra contra a Pobreza na década de 1960, que levou à criação do Medicare e do Medicaid.
Então, quais são as perspectivas de um novo momento social-democrata informado pelo Ensino Social Católico? Para responder a essa pergunta, deve-se primeiro avaliar as diferenças entre os princípios do Ensino Social Católico e os do neoliberalismo. Estes últimos tiveram enorme influência nas últimas décadas, então faz sentido colocá-los a parte.
A primeira pergunta a fazer é o que motiva a pessoa. Na economia neoclássica – e por extensão no neoliberalismo – a resposta é o interesse próprio. Isso costuma ser atribuído à famosa frase de Adam Smith de que, sem interesse próprio, as empresas não forneceriam os bens que precisamos e queremos. Em contraste, o Ensino Social Católico eleva princípios como solidariedade, reciprocidade e gratuidade. Insiste que uma motivação humana central é desejar o bem do outro, incluindo a pessoa do outro lado de uma transação econômica. Evidências recentes da psicologia, neurociência e biologia evolutiva afirmam que há algo nessa visão – que somos criaturas profundamente sociais, afiadas para a cooperação. Mas se a sociedade enviar consistentemente a mensagem de que as pessoas são egoístas e se preocupam apenas com elas mesmas, muitas pessoas irão internalizar esses valores.
A próxima pergunta a ser feita é o que constitui o bem do indivíduo. Para a economia neoclássica, a resposta é direta: você busca maximizar suas preferências subjetivas. Resumindo, você tenta consumir o máximo que pode, de acordo com o seu gosto pessoal, com todos os recursos que estão à sua disposição. Essa resposta tem várias implicações:
Em primeiro lugar, as preferências são subjetivas e hedônicas: você gosta do que gosta e questionar o valor das preferências de outra pessoa está descartado. Sob essa estrutura, qualquer coisa que seja legal pode ser uma preferência válida, não importa o quão bem ou mal contribua para o florescimento humano.
Em segundo lugar, tende a tratar todos os bens como mercadorias, coisas a serem compradas e vendidas. Ele marginaliza os aspectos imateriais do bem-estar, incluindo os bens relacionais e espirituais.
Terceiro, a lógica de maximizar as preferências não tem limite interno. Tudo o que o impede de consumir mais é a sua renda. Isso leva à meta de crescimento econômico sem fim, que gera graves problemas em um planeta finito.
Quando o Ensino Social Católico pondera o bem do indivíduo, ele aponta para uma direção nitidamente diferente. Em vez disso, enfatiza o desenvolvimento humano integral, que é o bem de toda a pessoa e de todas as pessoas. Assim, vai além do material para enfatizar todas as dimensões do bem-estar. Em um sentido aristotélico, exige o pleno desenvolvimento do potencial de cada pessoa. Implícito nisso está uma noção mais objetiva do bem, um bem comum, a todas as pessoas, que estabelece limites naturais para suas necessidades e desejos. Não confunde felicidade com a satisfação máxima. E isso significa que não confunde nosso bem-estar coletivo com o crescimento econômico máximo.
Mas a economia neoclássica não conceitua um verdadeiro bem-estar coletivo, uma riqueza comum; isso pode ser concebido apenas como bem-estar dos indivíduos agregados, o que é medido por valores monetários. Isso explica o porquê do Produto Interno Bruto (PIB) – a soma de toda a produção de bens de mercado e serviços em uma economia interna – atuar como um substituto para o bem comum sob o neoliberalismo. Esse é um padrão aditivo (o que importa é o total) então é compatível com os níveis estarrecedores de exclusão e desigualdade. Como Stefano Zamagni aponta, o bem comum é, a este respeito, mais geométrico, o que significa que se uma pessoa é zero, tudo é zero.
Isso nos leva ao padrão normativo de julgamento. Para a economia neoclássica, esse padrão é a eficiência – mais precisamente, o Eficiente (ou Ótimo) de Pareto, o ponto em que todas as negociações voluntárias são exauridas e não é mais possível deixar alguém melhor sem deixar outra pessoa pior. Os economistas costumam argumentar que essa noção de eficiência é racional e sem valor, mas ela realmente se resume à melhor maneira de maximizar suas preferências. Observe a implicação: o Eficiente de Pareto exclui a redistribuição e, portanto, é compatível com a desigualdade extrema. Como Amartya Sen disse: “Uma sociedade ou economia pode ser o Ótimo de Pareto e ainda assim ser perfeitamente desagradável”. O Ensino Social Católico vira de cabeça para baixo esse padrão de julgamento, enfatizando a destinação universal dos bens e a opção preferencial pelos pobres. O padrão é, portanto, atender às necessidades de todas as pessoas e dar prioridade especial àquelas que estão na base.
Para a economia neoclássica, não apenas os consumidores devem maximizar a utilidade, mas as empresas devem maximizar os lucros. A economia neoclássica considera a “competição perfeita” a norma. O que isto significa? Ele pressupõe um conjunto de condições de mercado que não são comuns no mundo real: uma indústria onde nenhum produtor pode influenciar o preço do bem, onde o bem em questão é padronizado e onde há entrada e saída livre do mercado. Nessas condições ideais, o equilíbrio de livre-mercado é considerado o Eficiente de Pareto. Mas observe o número de obstáculos que os economistas precisam superar para chegar a essa conclusão – desde as suposições altamente irrealistas que dificilmente são válidas na prática até o papel do Ótimo de Pareto como o mais alto padrão de julgamento. O Ensino Social Católico não rejeita a competição de mercado de uma vez; simplesmente reconhece que a cooperação é tão – senão mais – importante, especialmente quando exercida por meio dos princípios de solidariedade e reciprocidade. Não há suporte na tradição para o planejamento central ou para jogar fora completamente os sinais de preço que vêm dos mercados.
Qual é, em tudo isso, o papel do meio ambiente? Na economia neoclássica, realmente não existe um. O ethos subjacente é o extrativismo a serviço do crescimento econômico incessante. O Ensino Social Católico, por outro lado, reconhece uma injunção positiva para cuidar da Criação, e isso inclui tomar medidas firmes para conter as mudanças climáticas. Ele eleva o princípio da ecologia integral, sugerindo que ferir o planeta significa ferir as pessoas, especialmente os pobres.
Embora a economia neoclássica venha da tradição utilitarista, ela também absorveu alguns aspectos do libertarianismo, devido à sua ênfase em mercados desimpedidos. Como os libertários, os neoliberais temem que o Estado sufoque o potencial natural do setor privado para desencadear a inovação e o crescimento. Eles acreditam que o papel adequado do governo é atuar como um árbitro neutro, garantindo os direitos de propriedade que são essenciais para a livre iniciativa. O Ensino Social Católico, por outro lado, não tem nada a ver com o libertarianismo. Isso ocorre porque o libertarianismo repudia a ideia de um bem comum – nesse contexto, “comum” envolve algum elemento de coerção e insistir no “bem” nega a liberdade. Deve-se reconhecer que a economia neoclássica não vai tão longe quanto o libertarianismo. Como seu único padrão é a eficiência, ele aprova a intervenção do governo se for comprovado que aumenta a eficiência. Por essa razão, permitirá que o governo provenha bens públicos, regule os monopólios naturais e estabeleça um preço adequado para as externalidades, como a poluição. Isso é melhor do que nada, mas não é o suficiente.
Segundo o Ensino Social Católico, o bem comum na esfera econômica é o domínio próprio do governo. E o governo pode servir melhor ao bem comum implantando os princípios gêmeos da solidariedade e da subsidiariedade. A solidariedade exorta o governo a garantir o fornecimento dos bens básicos necessários para o desenvolvimento humano integral e o bem comum, incluindo segurança de renda, empregos decentes, nutrição, saúde, educação, habitação e um meio ambiente sustentável. É importante notar que o mercado, deixado à sua própria sorte, tende a sub-fornecer muitos desses bens. Isso significa que o Estado deve assumir um papel mais ativo se as pessoas quiserem obter o suficiente do que precisam. Isso não significa que o Estado sempre precise fornecer esses bens por conta própria. Às vezes, pode terceirizar as provisões para o setor privado, mas de uma forma ou de outra deve garantir que esses bens sejam fornecidos. E, devido aos princípios da destinação universal dos bens e da opção preferencial pelos pobres, os mais pobres devem ter precedência especial na formulação de políticas.
A subsidiariedade exige que as associações de ordem superior, incluindo o Estado, promovam, mas não usurpem as responsabilidades das associações mais baixas. Exige um equilíbrio adequado das escalas, com o apoio do governo para o que John Kenneth Galbraith chamou de instituições de poder de compensação – incluindo sindicatos, pequenas empresas, organizações de consumidores, cooperativas e bancos regionais e locais. Ao estabelecer as regras do jogo, o governo deve se esforçar para respeitar, atender e promover os interesses de todos os participantes da economia, não apenas os interesses dos ricos e bem conectados.
O Ensino Social Católico também tem muito a dizer sobre os papéis relativos do Capital e do Trabalho. A economia neoclássica não. Como observado, a economia neoclássica assume que o único papel da corporação é maximizar os lucros, tipicamente igualados ao valor para o acionista e, portanto, que a corporação não tem um papel social mais amplo – essa visão foi afirmada com mais vigor por Milton Friedman. Nesse contexto, o trabalho é simplesmente um fator de produção. No equilíbrio do mercado de trabalho, que novamente se apoia fortemente no pressuposto de mercados competitivos, o trabalhador é pago em termos de sua contribuição para a produtividade. Mais uma vez, a economia neoclássica encontra um aliado natural no libertarianismo como não apenas eficiente em termos de salário, mas também justo, porque o salário representa o resultado das escolhas livres entre trabalhador e empregador e o trabalhador é pago de acordo com sua contribuição.
O Ensino Social Católico tem uma perspectiva diferente. Sob os seus princípios, o papel das empresas, assim como do Estado, é promover o bem comum. Isso tem inúmeras implicações.
Em primeiro lugar, convoca as empresas a produzir bens e serviços que promovam o genuíno florescimento humano, em vez de apoiar a mera satisfação de preferências. Isso sepulta moralmente muitos bens em nossa economia moderna, incluindo produtos viciantes, publicidade, marcas de luxo, pornografia e a indústria de combustíveis fósseis.
Em segundo lugar, as empresas devem apoiar o trabalho decente, colocando essa meta acima dos lucros – o Ensino Social Católico reconhece a prioridade do trabalho sobre o capital. O trabalho também é visto como uma vocação, pois as pessoas alcançam seu pleno potencial por meio de um trabalho digno e significativo. O lucro não pode ser o critério número um, um argumento central contra o princípio de maximização do valor para o acionista.
Da mesma forma, o Ensino Social Católico afirma que as empresas devem apoiar uma gama mais ampla de interessados do que apenas os acionistas – incluindo trabalhadores, fornecedores, clientes, a sociedade em geral e o meio ambiente. Sugere um modelo pelo qual as empresas podem ter lucro e promulgar um benefício social, na forma de empresas híbridas. Ao mesmo tempo, as empresas são chamadas a promover e proteger o mundo natural, evitando causar danos ao meio ambiente e apoiando soluções de desenvolvimento sustentável.
O Ensino Social Católico também tem muito a dizer sobre o papel do trabalho. Parte-se da premissa de que o trabalhador não é apenas um fator de produção, mas um ser humano que possui dignidade e agência. Nessa perspectiva, o trabalho decente é um caminho para a realização e o florescimento, dimensões centrais do desenvolvimento humano integral. Uma prioridade fundamental, então, deve ser a promoção de um emprego seguro e digno como objetivo central da política pública. Um salário justo é fundamental para o conceito de trabalho digno. Com efeito, um salário justo é considerado uma das principais formas de alcançar a destinação universal dos bens na prática. E, o mais importante, um salário justo não é sinônimo de salário de mercado. Junto com o salário justo, o Ensino Social Católico reconhece uma série de direitos para o trabalhador. Isso inclui pensões, seguro-desemprego, assistência médica acessível ou mesmo gratuita, apoio à família, descanso adequado, tempo de férias e ambientes de trabalho seguros. Crucialmente, o Ensino Social Católico também respeita o direito de formar sindicatos e de negociar coletivamente.
O Ensino Social Católico também afirma o direito dos trabalhadores de participar tanto dos lucros quanto da gestão da empresa. As cooperativas de trabalhadores são um exemplo do primeiro; o último é evidente no modelo de co-determinação encontrado na Alemanha e em outros países da Europa continental. O modelo alemão de relações laborais baseia-se na representação dos trabalhadores em conselhos de administração, conselhos de trabalhadores que dão aos trabalhadores uma participação na tomada de decisões e na negociação salarial a nível regional ou setorial sustentada por sindicatos fortes.
O neoliberalismo, em contraste, valoriza muito o que chama de “mercados de trabalho flexíveis”. A lógica é direta: se os salários são o resultado de mercados de trabalho competitivos, qualquer interferência no mercado de trabalho prejudicaria a eficiência e apenas geraria desemprego. Assim, o neoliberalismo se opõe ao que vê como interferência excessiva nos mercados de trabalho – incluindo salários mínimos, proteção contra a demissão de trabalhadores, benefícios sociais e sindicatos. No entanto, a realidade é diferente. Como os trabalhadores carecem de poder e opções, os mercados de trabalho flexíveis tendem a gerar empregos de baixa remuneração e inseguros, mais recentemente na chamada gig economy. Nesse sistema, flexibilidade é sinônimo de insegurança, injustiça, desinteresse e declínio na confiança no local de trabalho. É um substituto insatisfatório para as instituições centradas na negociação coletiva, na participação nos lucros e na co-determinação – que podem ser simultaneamente produtivas, competitivas, democráticas e equitativas.
Agora estamos em uma posição melhor para mapear os contornos de um novo movimento social-democrata modelado nos princípios do Ensino Social Católico. Mas antes de fazermos isso, seria útil lembrar o que levou o modelo social-democrata do pós-guerra a se desfazer. O economista e historiador francês Thomas Piketty lista três coisas:
1. o fracasso em desenvolver uma abordagem mais justa para a propriedade;
2. a dificuldade de sustentar impostos progressivos sobre a renda; e
3. a riqueza e o fracasso em lidar com a desigualdade de educação dentro da meritocracia neoliberal.
No que diz respeito aos dois primeiros itens dessa lista, o Ensino Social Católico oferece um caminho atraente para o futuro. Para começar, promove um papel vigoroso para o Estado na garantia das bases materiais do desenvolvimento humano integral – incluindo alimentação, moradia, saúde, educação, proteção social, trabalho decente, lazer e tempo para a família e um ambiente seguro. Para financiar isso, os governos têm amplo espaço para aumentar os impostos sobre pessoas de alta renda, detentores de grande riqueza e grandes corporações – uma política que reduziria a desigualdade e diminuiria a probabilidade de nosso governo ser controlado por interesses ricos. Dada a centralidade do trabalho decente, faz sentido promover o pleno emprego como objetivo da política, e talvez até mesmo oferecer emprego público garantido a todos que o desejam com o salário mínimo vigente. Aqui, um impulso heroico para descarbonizar a economia e mudar para a energia renovável – possivelmente sob os auspícios de um New Deal Verde – certamente acarretará enormes oportunidades de emprego. Para resolver o último problema da lista de Piketty, também será importante investir pesadamente em educação e treinamento vocacional. Na verdade, os governos podem querer considerar a possibilidade de tornar algumas formas de educação superior, treinamento vocacional e educação infantil baratas ou mesmo gratuitas.
Também será importante enfocar nas instituições que vão além da educação e da redistribuição – áreas onde o Ensino Social Católico oferece muita orientação. Para começar, os governos devem garantir que os sindicatos sejam suficientemente fortes para permitir a negociação coletiva por salários, benefícios e condições de trabalho justos. Devem promover a democracia no local de trabalho, por meio da representação dos trabalhadores nos conselhos de administração e na gestão interna das empresas. Devem também promover cooperativas de trabalhadores e outras formas de participação nos lucros. Ao mesmo tempo, os governos devem implementar reformas de governança corporativa para garantir que as empresas sejam responsáveis, não apenas aos acionistas, mas também a todas as outras partes interessadas.
Uma prioridade absoluta deve ser resolver a crise climática e outras preocupações ambientais. Este é um desafio global. Exigirá a descarbonização do nosso sistema energético até meados deste século, o mais tardar. Caso contrário, teremos pouca esperança de evitar que as temperaturas globais aumentem para mais de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais. Isso minaria a própria base do florescimento humano.
Respeitar os bens comuns globais é um componente crucial de uma abordagem ética da globalização. No entanto, essa abordagem vai muito além da mudança climática. Uma globalização ética seria baseada mais uma vez nos princípios gêmeos de solidariedade e subsidiariedade – solidariedade porque a responsabilidade de cuidar do outro tem uma dimensão global, e subsidiariedade porque o nível apropriado de tomada de decisão às vezes é multilateral. Uma globalização ética teria várias dimensões. Isso implementaria proteções ambientais. Combateria as pandemias, em parte garantindo a distribuição equitativa das vacinas. Isso reduziria os paraísos fiscais (como o G-20 está finalmente tentando fazer). Ele criaria mecanismos para aliviar o excesso de dívida soberana. Financiaria o desenvolvimento sustentável em países pobres. E regularia o comércio e os fluxos de capital de acordo com o bem comum.
Um ponto final: eu mencionei que uma falha do neoliberalismo está no seu foco sobre o crescimento do PIB como único padrão de bem-estar. O PIB certamente tem valor como uma medida e deveria não ser simplesmente descartado. Mas precisa fazer um trabalho melhor de responsabilidade para fatores distribucionais. Uma forma de fazer isso é calcular o crescimento de renda dos ricos, classe média, e pobres – e usar esses cálculos como índices de bem-estar econômico e guia para políticas. Mais imaginativamente, isso poderia ser complementado com amplas medidas de bem-estar, incluindo estudos de felicidade que as pessoas perguntam para avaliar a satisfação das suas vidas. Tais estudos mostram que, além do PIB per capita e saúde, as pessoas se preocupam com o apoio social e a confiança nas instituições. No contexto dos EUA, embora a renda per capita tenha triplicado desde 1960, os níveis de felicidade têm caído. Os problemas sociais têm multiplicado mesmo com o poder de aquisição ter crescido amplamente. Um foco restrito sobre o PIB perde tudo isso, embora um foco sobre a felicidade e bem-estar contaria melhor para todos os vários fatores que tem a ver com o desenvolvimento humano integral.
Este roteiro político é fortemente influenciado pelos valores do Ensino Social Católico. No entanto, essas prescrições podem ser adotadas por católicos e não católicos. Tudo o que é necessário é uma apreciação do fato de que o sistema atual está falhando e que novos valores são necessários. Eu argumentaria que as circunstâncias exigem um envolvimento mais completo tanto com os princípios do Ensino Social Católico quanto com as políticas inspiradas por ele, que foram rigorosamente desenvolvidas ao longo do século passado. Ordenar a economia global segundo essas linhas neutralizaria os excessos do neoliberalismo e compensaria alguns dos danos sociais e ecológicos que causou. Também pode nos ajudar a salvar nossa democracia.