11 Dezembro 2021
“Há uma expressão em latim, Mutatis mutandis, que significa “mudando as coisas que devem ser mudadas”. O Vaticano, a meu ver, é hoje o cenário de uma guerra aberta entre aqueles que acreditam que deve ser assim e os que preferem não mexer em nada, conservando privilégios e perpetuando tradições seculares. Quem vencerá a batalhar final?”, escreve Vicens Lozano, jornalista e escritor, em artigo publicado por El Diario, 10-12-2021. A tradução é do Cepat.
Entender o Vaticano não é fácil. Requer anos de experiência, muitos contatos de todas as tendências e certa capacidade analítica livre de preconceitos ideológicos. Não obstante, é muito mais tolerável e inclusive popular falar – muitas vezes sem conhecimento de causa – da Igreja com leveza, muita paixão, cultivando os tópicos e, por fim, estabelecendo argumentos a favor ou contra com a ideologia como bandeira.
Tentei durante 35 anos exercer um jornalismo respeitoso às pessoas de fé, mas não por isso alheio às duras realidades que surgiam a cada passo. Acredito em um jornalismo o mais objetivo possível, rigoroso e honesto.
No livro “Intrigas y poder en el Vaticano” (Roca, novembro 2021), depositei uma grande quantidade de experiências pessoais, entrevistas, situações. Um privilégio que agora quero compartilhar e que permitem abordar, em uma viagem à qual convido o leitor a me acompanhar, os temas mais polêmicos que compõem a atual realidade da Santa Sé. Muita informação que na televisão, pelo espaço curto e a necessidade de imagens que exige (durante quase quatro décadas, fui o enviado especial da TV3 ao Vaticano), sempre foi difícil apresentar.
Agora, posso oferecer dados e transcrever opiniões de protagonistas anônimos ou muito conhecidos que ficaram no tinteiro e que, sinceramente, acredito que permitem ao leitor compreender as tramas e os mecanismos que movem a instituição e também o mundo em torno da equação poder, dinheiro e sexo. Mostro também exemplos claros dos abusos de poder (corrupção, pedofilia...) que se manifestam como reflexo de uma cultura marcada por uma impunidade secular.
Nada me é alheio porque não deve ser para um vaticanista. A realidade, em muitas ocasiões, supera a ficção e essas certezas da realidade devem ser contatas por mais duras que sejam. A realidade de um universo muito desconhecido e apaixonante onde se encontra verdade, bondade, coerência e espiritualidade, mas também mentira, maldade, hipocrisia e mundanidade.
Abordo sem rodeios, descobrindo pouco a pouco, muitos episódios ocultos dos pontificados de João Paulo II, Bento XVI e Francisco. O pacto para destruir o comunismo, como e por que Wojtyla foi eleito, o segredo de sua popularidade, Vatileaks 1 e 2, as razões da renúncia histórica e corajosa de Ratzinger, as chaves de assassinatos e sequestros na Santa Sé, a misteriosa morte de João Paulo I com um testemunho de exceção, a infiltração da Máfia no banco vaticano... Falamos também com um agente dos Serviços de espionagem vaticano, com Giulio Andreotti, guardas suíços, funcionários e cardeais da Cúria..., com convencidos defensores das reformas de Francisco e também com seus inimigos.
E é agora, sobre esse último tema, que quero brevemente tratar, uma vez que, embora fujo absolutamente de lendas e teorias da conspiração, sim, é possível afirmar que atualmente existe um autêntico complô internacional contra o atual Papa argentino. Os dados falam por si.
Bergoglio, após sua recente internação hospitalar para uma operação no colón, surpreendeu com uma declaração enigmática: “Alguns me queriam morto”. Pude analisar a fundo essa realidade objetiva oculta a partir da existência de um complô externo e interno, cujo objetivo é neutralizar a enorme influência de Francisco como um líder ético e moral do século XXI que vai na contracorrente.
O pontífice argentino significa, neste momento, uma incômoda pedra no sapato daqueles que desejam um mundo com muros, nacionalismos excludentes, negacionistas da mudança climática e a COVID, sem direitos para a mulher e os homossexuais, com as liberdades e conquistas sociais cerceadas. Em suma, um mundo onde a justiça e o controle são exercidos pelos poderosos contra os mais vulneráveis que Francisco define como “descartados”.
Em nível exterior, personagens como Steve Bannon projetam, com enormes recursos econômicos, controle de fake news e estratégias de manipulação social, uma nova ordem mundial pós-pandemia. Agem suavizando os neofascismos que almejam levar ao poder, dotando-os com uma nova linguagem populista e fácil que não apenas as elites, mas também as classes populares assumem com entusiasmo.
Esse projeto tem os seus seguidores radicais entre os bispos norte-americanos alinhados ao setor em que está o ex-presidente Donald Trump. Outros, em todo o mundo (incluindo muitos responsáveis por dioceses na Espanha), somam-se com entusiasmo a essas alas de protesto.
Além disso, dentro dos muros vaticanos, cardeais como Raymond Burke, Robert Sarah, Gerhard Müller... tentam unir à sua causa, com um discreto resultado, o Papa emérito Bento XVI e buscam constantes desculpas (inclusive teológicas) para desprestigiar o atual pontificado, que qualificam sem o menor constrangimento de herege e usurpador. Para isso, não descartam soluções drásticas ou mais moderadas, como conduzir Bergoglio a uma renúncia.
Em definitivo, tentei escrever uma crônica pessoal de meu trabalho profissional intramuros vaticanos. Para a minha surpresa e infinito agradecimento aos leitores, a edição em catalão do livro se tornou um best-seller, com sete edições, desde a sua publicação em fevereiro deste ano.
Meu único desejo foi lançar um pouco de luz sobre a obscuridade, abrir um debate que sempre considerei rico em detalhes e argumentos. Construir um texto que os leitores possam ler com facilidade e interesse, sejam ou não crentes, e que almejem descobrir um fascinante e surpreendente mundo ainda muito nebuloso.
Há uma expressão em latim, Mutatis mutandis, que significa “mudando as coisas que devem ser mudadas”. O Vaticano, a meu ver, é hoje o cenário de uma guerra aberta entre aqueles que acreditam que deve ser assim e os que preferem não mexer em nada, conservando privilégios e perpetuando tradições seculares. Quem vencerá a batalhar final? Não sou vidente. Apenas um simples jornalista.
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O complô oculto contra o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU