06 Dezembro 2021
"A alegria lembra porque você está aqui, ajuda você a se manter humano, faz você redescobrir a empatia quando você pensava que a tinha perdido. Não conheço um jeito diferente de viver, os Médicos Sem Fronteiras me ensinaram a valorizar cada dia, cada vida, cada amanhecer", escreve Martina Marchiò, Agente dos MSF (Médicos sem Fronteiras), em artigo publicado por Avvenire, 05-12-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Causa-me um sorriso quando penso no meu "eu" de cinco anos atrás com um emprego permanente na Itália, uma vida estável e uma infelicidade crônica. A primeira vez que voltei a respirar de verdade estava na República Democrática do Congo: e sentada no jipe dos Médicos Sem Fronteiras me senti pela primeira vez no lugar certo na hora certa. Muita água passou por baixo da ponte, e o que repito para mim mesma, missão após missão, viagem após viagem, é que tenho sorte.
Agradeço todos os dias, embora as apostas sejam sempre altas, porque trabalhar como enfermeira em uma organização humanitária significa jogar uma moeda antes de cada partida, sem saber como estaremos quando voltarmos. A mudança é inevitável, alguns seres humanos sentem-se mais à vontade do que outros, acolhem-na com naturalidade e a tornam parte da sua vida.
Muitas pessoas pensam que tenho superpoderes que me permitem manter os nervos firmes, que me garantem uma reserva infinita de energia, que o bom humor e o amor ao próximo são algo inerente a mim. A verdade é que a vida real é dura, o sofrimento é difícil de aceitar e em alguns momentos se perde a lucidez nas garras do cansaço. Não existem super-heróis, apenas seres humanos que decidem dedicar parte de sua vida e de suas competências para o bem dos outros. Nem sempre há vitórias, há dor, perda de esperança, resignação, aceitação.
Estou na minha oitava missão, nos últimos anos tenho vivenciado o sofrimento nas mais diferentes formas. A epidemia de sarampo e a malária nas aldeias congolesas no meio da floresta, acessíveis somente depois de horas de viagem de moto, a pé ou com canoas de madeira. A difteria e a violência em Bangladesh no campo de Kutupalong, o maior do mundo, onde vivem 900.000 refugiados Rohingya. A desnutrição, a cólera e a febre hemorrágica na Nigéria no local dilacerado pela violência do grupo fundamentalista islâmico Boko Haram. A extrema pobreza e a falta de tudo no Sudão do Sul, onde lutamos com as chuvas, os rios nas cheias, a lama e as inundações para garantir assistência médica.
As atrocidades do campo de Moria na Grécia, onde a violência domina e não existe dignidade humana. O México, aquele lugar obscuro na fronteira com os Estados Unidos controlado pelos cartéis de drogas mais poderosos do mundo, onde a vida humana não tem valor e a violência física, sexual e psicológica fazem parte do cotidiano. Por fim, a Etiópia atingida pelo conflito, idosos e jovens com armas nos ombros, o olhar desesperado de quem tudo perdeu.
Vocês podem estar se perguntando por que faço isso, por que continuo com esta vida. A verdade é que existem muitos desafios e dias difíceis, mas depois vem a alegria. A alegria chega quando parece que você perdeu a esperança, que você não tem mais um pingo de força, que perdeu Deus. Quando na floresta você estabiliza uma criança afeta de pneumonia aguda e no dia seguinte ainda está viva, quando uma mulher chega com vida ao hospital após dias de caminhada, graças aos tratamentos recebidos, quando muitas crianças recebem gratuitamente uma vacina, quando uma garota vítima de violência sexual agradece o apoio, quando um pai sorri para você e oferece um chai em sua tenda.
A alegria lembra porque você está aqui, ajuda você a se manter humano, faz você redescobrir a empatia quando você pensava que a tinha perdido. Não conheço um jeito diferente de viver, os Médicos Sem Fronteiras me ensinaram a valorizar cada dia, cada vida, cada amanhecer.
Afinal, não importa onde você mora, a cor da sua pele, suas convicções políticas ou religiosas, o que importa é que cada uma possa sempre receber atendimento de qualidade, e tenho orgulho de estar em uma organização que torna tudo isso possível.
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Estar no lugar certo na hora certa para permanecer humano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU