23 Novembro 2021
O nome oficial é Ordem dos Pregadores, mas a maioria das pessoas reconhecem essa congregação religiosa como Dominicanos.
Fundada no século XIII pelo padre espanhol Domingos de Gusmão, essa ordem mendicante hoje inclui freis (padres e irmãos), irmãs enclausuradas, irmãs apostólicas e associações de leigos.
O atual mestre da Ordem é o frei Gerard Francisco Timoner, teólogo e padre filipino de 53 anos.
Eleito para o posto em julho de 2019, ele é o primeiro asiático a servir como sucessor de São Domingos.
Nessa entrevista, o frei Gerard Francisco Timoner falou sobre os desafios que a Igreja e a Ordem dos Pregadores estão enfrentando.
A entrevista é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 20-11-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Você é Mestre da Ordem Dominicana desde julho de 2019, sucedendo o francês Bruno Cadoré. Como você decidiu se tornar um dominicano?
É uma longa história... Sou filho das províncias das Filipinas. No final do ensino médio, eu queria entrar no seminário, mas meus pais, apoiados pelo padre de minha paróquia, acharam que eu era muito jovem.
Algum tempo depois, mudei-me para Manila, a capital, com a ideia de ingressar nos jesuítas. Minha avó e sua irmã foram contra, porque temiam que eu fosse enviado como missionário para o outro lado do mundo.
Como elas recusavam, decidi ir para a Universidade São Tomás, em Manila, onde seminaristas de várias dioceses estavam reunidos.
Para isso, precisava de uma carta de apoio de meu bispo. Mas na carta, seu secretário não escrevia à Universidade de “São Tomás”, mas aos dominicanos de “São Domingos”. Eu tinha 17 anos, não sabia de nada.
Às vezes, eles dizem que Deus escreve direito com linhas tortas. No meu caso, Deus cometeu um erro tipográfico!
Então, foi quando entrei nos dominicanos que realmente os conheci. E foi então que disse a mim mesmo: é assim que quero a vida.
Você é o líder da Ordem dos Pregadores. O que isso significa em um mundo que vive uma espécie de crise da palavra?
Nosso carisma é participar, como queria São Domingos, da Igreja mística de Cristo, pregando a Boa Nova.
Isso não significa que somos os únicos a fazer isso. Alguns padres diocesanos são melhores pregadores do que os dominicanos!
Mas enfatiza que a pregação é um dos carismas da Igreja.
Isso significa que os dominicanos fazem boas homilias?
Não. Não somos uma ordem de “homilistas”, mas de pregadores.
A homilia é uma pregação litúrgica, mas existem muitas outras formas de pregação. O frei Angelico, quando pintava, pregava à sua maneira.
O mesmo se aplica a todos aqueles que oferecem pregação por meio de seu trabalho de caridade.
Este também foi o caso de nossos mártires na China, Japão e Vietnã. E é o caso de nossos alunos da École Biblique em Jerusalém, e de nossos irmãos que estão engajados nas fronteiras existenciais, como aqueles que estudam árabe e o Alcorão para dialogar com os muçulmanos.
Às vezes, tem-se a impressão de que os dominicanos são um conjunto de personalidades muito brilhantes, mas independentes, para não dizer individualistas. O que dá unidade à Ordem?
É claro que se um vídeo mostrasse sucessivamente Yves Congar escrevendo, São Martinho de Porres alimentando os pobres, Bartolomé de las Casas defendendo os direitos dos povos indígenas e Santa Catarina de Sena falando ao papa, seria de se perguntar o que eles tinham em comum.
No entanto, o que os une é que todos eles descobriram sua vocação nas pegadas de São Domingos e usaram seus talentos para pregar a Boa Nova de Jesus Cristo à sua própria maneira.
Venho de um país, as Filipinas, composto por muitas, muitas ilhas. Se você olhar para elas, elas parecem estar separadas uma da outra. Mas se você for ao fundo do mar, você as verá conectadas nas profundezas.
Os dominicanos são um pouco assim. O que nos une é a nossa profissão de fé de São Domingos e o nosso carisma de pregadores. Nossa vida também é conduzida pela oração comum e pelo estilo de governo sinodal e comunitário.
Quem são os jovens que desejam entrar na Ordem?
Depende de onde eles vêm.
Nos Estados Unidos, muitos conhecem a Ordem pela internet. Alguns vêm de famílias não praticantes e estão redescobrindo a Igreja.
Na África e na Ásia, eles costumam nos procurar após terem conhecido uma comunidade dominicana.
É difícil generalizar, mas o que podemos notar é que alguns jovens sentem falta de algum tipo de passado glorioso.
Alguns preferem, por exemplo, a forma extraordinária do rito ou o antigo rito dominicano.
Isso às vezes pode causar tensão com a geração mais velha, especialmente aqueles que viveram durante o Vaticano II e implementaram suas reformas.
Dito isso, é normal que haja alguma tensão entre uma geração e a anterior.
Isso não é ruim em si, porque cada um tem algo válido e específico a dizer. Mas torna-se prejudicial quando uma geração pensa que é o melhor sem levar em conta o resto.
Como você lida com isso?
Estamos todos no mesmo caminho para Deus. Mas alguns caminham do lado esquerdo da estrada, outros à direita.
A polêmica não nos ajuda a perceber que o caminho é muito largo e que há espaço para diferenças.
A dificuldade é fazer os de um lado admitirem que estão no mesmo caminho que os do outro.
Você acha que este será o desafio do processo sinodal lançado pelo Papa?
Sim, como disse o papa, o objetivo da sinodalidade é realmente a comunhão e a superação das oposições que possam existir, inclusive entre cardeais ou bispos que às vezes se criticam abertamente.
Que conselho você pode dar para o sucesso deste processo sinodal?
O importante é escutar os outros.
Na maioria das vezes, as pessoas discordam porque apenas ouvem a si mesmas. E para se escutarem, é preciso admitir que às vezes vocês são um pouco diferentes uns dos outros. Isso só é possível entre pessoas que estão reconciliadas umas com as outras.
Temos esta progressão em cada Missa: primeiro o perdão, depois a escuta da Palavra de Deus e depois o envio em missão.
Nós realmente escutamos a Palavra de Deus antes de escutar os outros? Retemos apenas o que nos convém ou realmente retemos as palavras de Deus?
Estar no sínodo não é apenas nos reunirmos para nós mesmos, é fazê-lo para que possamos ser melhor enviados ao mundo.
Como vocês estão na luta contra o abuso sexual?
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que por iniciativa do frei Bruno, meu antecessor, todas as nossas províncias têm agora uma política de “salvaguarda” e um protocolo de luta contra os abusos sexuais.
Alguns foram adaptados de acordo com o país e levam em consideração os imperativos dos bispos locais ou as regras das jurisdições civis.
Quando esses eventos ocorrem, eles são levados muito a sério.
No passado, podemos ter visto o abuso infantil como um pecado perdoável. Erramos: é um crime que deve ser levado aos tribunais civis.
Como você vê o futuro da Ordem e mais amplamente da Igreja? Ainda está na Europa?
O futuro da Igreja está onde o Evangelho deve ser proclamado.
Quanto à Europa, que foi Igreja missionária, provavelmente deve reconhecer que agora é território de missão.
Venho de um país que celebra este ano os 500 anos do primeiro batismo e da primeira missa. Isso foi possível graças aos missionários que atravessaram os oceanos.
Muitos morreram, muitos sofreram. Não percebemos o que eles passaram.
Somos gratos, mas também devemos perceber que as terras de onde eles vieram agora são terras de missão.
A maioria dos católicos não está mais na Europa. O mesmo padrão é verdadeiro na Ordem: quase metade dos 4,8 mil padres da Ordem são europeus.
Mas, dos 752 alunos em formação para serem padres, a proporção de europeus é de 32%. Quanto aos 165 noviços, apenas 48, ou 29%, nasceram na Europa.
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“A Europa precisa reconhecer que agora é território de missão”. Entrevista com Gerard Timoner, mestre da Ordem Dominicana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU