29 Junho 2020
Em 1904 nasceu Yves Congar, em Sedan, na França. No ano de 1925 professa como dominicano e cursa seus estudos em Le Saulchoir, onde ensina eclesiologia a partir de 1932. É ordenado sacerdote em 1930.
“A unidade da Igreja” é o tema de sua tese de doutorado em teologia e em 1950 lança um de seus livros mais emblemáticos: “Verdadeira e falsa reforma na Igreja”.
Em 22 de junho de 1995 falecia, aos 91 anos, no hospital "Les Invalides", em Paris, Yves M. Congar, um dos grandes teólogos do século XX e um dos artífices do Vaticano II.
Ocorre que a melhor homenagem que podemos lhe prestar, há 25 anos de sua partida, é recordar, contando com a ajuda de seus diferentes diários, alguns dos momentos mais importantes da sua vida.
Uma vida surpreendente e admirável, não somente pela consistência de seu pensamento, mas também pela fortaleza de espírito.
Neste primeiro capítulo, veremos a primeira sanção que recebeu, provocada pela "ortodoxia de seu trabalho" e o primeiro dos "três exílios" que sofreu, e que lhe vão marcar espiritual e teologicamente, em Jerusalém, 1954.
O artigo é de Jesús Martínez Gordo, publicado por Religión Digital, 26-06-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A partir desta publicação incrementam-se os rumores e os alertas sobre a ortodoxia do seu trabalho.
É condenado dois anos depois (1952) pelo Santo Ofício: proíbe-se reeditar e traduzir esta obra, além de ter que submeter todos seus trabalhos teológicos à censura prévia do Mestre Geral da Ordem.
Esta decisão não afeta o livro, que já estava pronto para impressão, sobre “Cristo, Maria e a Igreja”, mas provoca o atraso de “Marcos para uma teologia do laicato” e adia “sine die” a reedição de “Cristãos desunidos” – voltando a ser impresso, sem sofrer modificações, somente em 1964.
Este primeiro confronto, ao mesmo tempo que deixa o dominicano perplexo, permite-lhe perceber as dificuldades que o Santo Ofício tem para tolerar um mínimo de pluralismo e seu receio diante de qualquer apelação ao pluralismo, por entender que compromete seriamente o magistério eclesial.
A infeliz consequência disso tudo é que acaba se assumindo como magistério inquestionável uma proposta teológica discutível: “o trágico da situação atual e da forma como se exerce concretamente o magistério ordinário romano, dirá, é que este magistério faz constantemente teologia e apresenta, como revestidas da autoridade do magistério católico, posições de escola teológica”.
Esta maneira de proceder do Santo Ofício, juntamente com as medidas tomadas contra ele, alimenta seu desprezo para com a instituição, até o ponto de satanizá-la: “aceito a Deus, sua visita (...). Não aceito a Gestapo (...). Não tenho direito de sacrificar o serviço à verdade”.
Em outubro de 1952 se levanta a sanção, de maneira imprevista e sem mediar explicação alguma. A província dominicana da França recupera, a partir deste momento, a censura dos escritos de Yves Congar.
No entanto, o levantamento da punição não anula o processo aberto contra o dominicano: deixa-o latente e continua se engrossando pouco a pouco.
Prova disso é que, em fevereiro de 1954, ele foi retirado do ensino novamente, iniciando, como ele mesmo diz, uma jornada de "três exílios" que o marcarão espiritual e teologicamente: o primeiro, em Jerusalém (abril de 1954), depois em Roma (novembro de 1954) e finalmente em Cambridge (de fevereiro a dezembro de 1956).
“Eu cumpri meus três exílios – dirá mais tarde – no espírito da fé de Abraão e Moisés; na fé no Deus vivo; em aderir à agonia e à cruz de Cristo. Minha 'oração', à qual tenho sido fiel, consistiu apenas nisso: adesão à vontade de Deus e à cruz. Digo a missa neste espírito: tomo minha cruz para a jornada e uma com a de Cristo; ao fazer isso, assumo, nele e em relação a ele, minha parte da dor do mundo, especialmente daqueles a quem amo e desejo fazer o bem, ou daqueles a quem, mesmo sem saber, posso ser 'enviado'. Eu tento manter a calma, paciência, me distanciar para ver as coisas”.
O ano de 1954 é particularmente difícil para o catolicismo francês e, até certo ponto, também para Yves M. Congar.
Em fevereiro, começa o que será conhecido como o “expurgo” dominicano. O mestre-geral Suarez muda-se para a França e exige a renúncia dos três provinciais a quem substitui por religiosos nomeados sem eleição prévia. Além disso, reforça a supervisão de revistas e publicações e distancia quatro teólogos de Paris (entre eles Congar).
É um “expurgo” que deve ser posto no contexto de uma crise mais ampla entre Roma e o catolicismo francês pela chamada “Nouvelle Théologie” (tentativa de integrar o método especulativo com o método histórico no estudo da teologia) e que tem seu clímax no apelo aos padres-operários para deixarem as fábricas antes de 1º de março do mesmo ano.
As consequências mais imediatas dessas decisões são a saída do dominicano de Le Saulchoir, sua subsequente atribuição à Escola Bíblica de Jerusalém, a proibição de ensino e o retorno, novamente, de seus escritos à censura da Cúria Geral.
Surpreendentemente, nosso autor vive esse primeiro exílio com muito mais serenidade do que na sentença de 1952. Muito provavelmente, por ter sofrido, dois anos antes, seu batismo por fogo, bem como por se sentir acompanhado (não sendo o único envolvido) e, acima de tudo, por causa das radicalmente infundadas (e até absurdas) acusações feitas contra eles: publicações desobedientes, heréticas e pregação e inspiração da resistência dos padres-operários.
O teólogo dominicano entende que a raiz de todos os seus males é a hipertrofia que atormenta o magistério romano: “Estou horrorizado ao ver que em todos os tipos de campos há uma ruptura entre aqueles que, por um lado, respondem validamente às reais questões dos homens, mas que são oficialmente reprovados e sancionados e, por outro, as instâncias oficiais, cujas respostas são frequentemente consideradas pelos homens como inválidas”.
No conteúdo e na forma, sustenta, a Cúria do Vaticano promove um modelo marcadamente autoritário da Igreja que se limita a pedir obediência e subordinação e, como consequência, procura enfraquecer o papel de seus dois contrapesos históricos: a autoridade apostólica dos bispos e a isenção de ordens religiosas.
A batalha com os bispos já foi vencida: “eles estão absolutamente imersos em passividade e servidão; com respeito a Roma, eles mantêm uma devoção sincera e filial. Poderíamos dizer: pueril, infantil”. Portanto, ele diz, “os bispos são pobres homens, que não pensam em nada e de quem nada se é esperado”.
No exílio de Roma, ele explicará onde está a chave para a “vitória” do Vaticano: “esta tarde li a encíclica 'Ad signarum gentes' (7 de outubro de 1954): mais uma vez, o Papa expõe a tese historicamente insustentável de que os bispos recebem sua jurisdição ('iure divino') do papa. Não!”.
Uma vez que os bispos estão isolados e sem organização colegiada, há apenas um último obstáculo para alcançar o fim desejado: arruinar a isenção religiosa e suas práticas eletivas.
A consequência de tudo isso é, ele conclui, o estabelecimento de um regime policial, autocrático, totalitário e cretino.
Como Congar lida com essa situação eclesial?
Reconhecer, antes de tudo, que o desânimo o visita e provoca: “tudo isso me deixa infinitamente doente, insondável. Não sei onde tudo vai acabar; onde vou acabar”. “Não há um dia ou uma hora em que, acima dessas águas poderosas, as rajadas de tempestade não quebrem e cresçam os mares de desespero, fadiga (estou fisicamente exausto) e desconforto”. “Às vezes”, ele admite em outra ocasião, “quero mandar tudo para o espaço, mas para isso precisaria de força, até força física, que não tenho, e porque não a terei mais”.
Ele anseia pela proximidade das pessoas que lhe dizem que nem tudo está perdido. Mas, na verdade, ele confessa: “Não recebo muitos testemunhos a esse respeito”. Em vez disso, acontece que é “alguém que se encontra nas trevas dos desígnios de Deus, tendo nada mais que a fé e a esperança completamente desnudas” e experimentando um “tipo de abandono órfão”.
O encontro com Deus em oração leva-o a viver esse exílio, em segundo lugar, “sob o signo da vontade de Deus e da Cruz”, como “penitência pelos meus pecados” e como um preço a pagar por servir “à Verdade através da contradição”. Não faltam momentos em que ele experimenta tudo o que está acontecendo com ele “como um mal que, no entanto, permite que o bem exista, um mal que deve ser sofrido enquanto durar”.
Em outra ocasião, ele reconhece que a balança pode não ser tão pejorativa: “Acostumei-me a saber que tudo será desaprovado, mal avaliado, suspeito; Acostumei-me a apelar apenas à minha consciência diante de Deus e, à letra, não esperar nada além d’Ele. Acho que purifiquei, simplifiquei e me aprofundei de maneira aceitável, especialmente depois da minha peregrinação à Terra Santa e graças à ela”.
Talvez, por esse motivo, a crise que estava passando também fosse, em terceiro lugar, uma magnífica oportunidade não apenas para se purificar, mas também para renovar as forças e voltar ao caminho: “Sei que a Providência tem caminhos que às vezes levam completamente ao imprevisível, ao final que ela quer”. E esse fim, no caso dele, persevera, apesar de tudo, no caminho percorrido: “Devo lutar: tanto por minha liberdade e por minha honra, quanto por sim, isto é, contra aquele escritório abominável e nada cristão que é a inquisição romana”.
É uma luta – dizia para si mesmo – que tem sua marca e santo na suposição e reforço de atitudes reais e autenticamente evangélicas (traduzindo-as em palavras e gestos); em dizer a verdade, aconteça o que acontecer; em animar e apoiar os leigos e, finalmente, em expressar a rejeição causada pelas mentiras do sistema patrocinado e defendido pela Cúria do Vaticano.
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“Não necessito de bondade, mas de justiça”. Yves Congar, o teólogo perseguido e reabilitado, o primeiro exílio em Jerusalém - Instituto Humanitas Unisinos - IHU