19 Novembro 2021
Nos últimos cinco anos, De Olho nos Ruralistas mostrou a resistência no estado onde se originou a Marcha das Margaridas, as manobras golpistas dos deputados hoje governistas e a história agrária da família do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Foto: Reprodução | De Olho nos Ruralistas
A reportagem é de Nanci Pittelkow, publicado por De Olho nos Ruralistas, 17-11-2021.
Vêm da Paraíba duas importantes representantes da resistência camponesa: Elizabeth Teixeira, retratada no filme “Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho, e Maria Margarida Alves, a sindicalista assassinada que virou símbolo de luta das camponesas em todo o país. O mesmo estado onde o presidente Jair Bolsonaro sentiu-se à vontade para oferecer fuzil aos ruralistas contra os “marginais do MST”. E onde a família do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, processou camponeses por uma invasão em terras que não aconteceu. Entre os ruralistas paraibanos que se reelegeram, Wellington Roberto (PL), Hugo Motta (PRB) e Efraim Filho (DEM) defendem as pautas de Bolsonaro no Congresso.
Esses lados diversos da questão agrária na Paraíba foram descritos durante os cinco anos de existência do observatório. De Olho nos Ruralistas publica, desde setembro, uma retrospectiva desse período. Os primeiros foram os estados do sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, e depois o Sudeste, pela ordem: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco foram os primeiro estados do Nordeste.
Em 2018, 7 dos 12 deputados federais pela Paraíba faziam parte Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), quando este observatório trouxe o perfil agrário do grupo, durante a cobertura eleitoral. Seis disputaram eleição, três se reelegeram. O histórico da maioria vai do apoio incondicional a Eduardo Cunha à forte presença no governo Bolsonaro, sempre a favor dos ventos.
Líder do Centrão, o deputado Wellington Roberto (PL-PB) chegou a agredir fisicamente o deputado Zé Geraldo (PT-PA), que reclamava da “turma do Cunha” no Conselho de Ética da Câmara. Como articulador do centrão, o deputado demorou, mas fechou apoio a Arthur Lira (Progressistas – AL) para a presidência da Câmara, e cada vez mais se aproximou de Bolsonaro. Seu apoio garantiu frutos. Seu filho Bruno Roberto foi nomeado assessor especial do presidente do Banco do Nordeste. Sua mulher Deborah Roberto, diretora de Saúde Ambiental da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
Em 2020, em plena pandemia, tentou passar uma emenda permitindo a continuação de missões religiosas dentro de comunidades indígenas. Empresário e dono de uma fazenda de 934 hectares no oeste da Bahia, Wellington entrou na política em meados dos anos 90 e viu sua fortuna dobrar em vinte anos, chegando a R$ 3,69 milhões em 2018. Está em seu quinto mandato consecutivo e acumula acusações de corrupção.
Relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, Hugo Motta trabalha de acordo com que o presidente manda. Junto com Arthur Lira, Motta foi acusado por parlamentares de violar regras do regimento para conseguir a aprovação da proposta. Em 2010, foi o mais jovem da história do país a se eleger deputado, aos 21 anos. Mas sua família entrou na política em 1956. Foi reeleito, mesmo sendo reconhecido como “ferramenta legislativa” de Eduardo Cunha.
Outro integrante da FPA reeleito foi Efraim Filho (DEM), defensor das vaquejadas e filho do ex-senador Efraim Morais, dono de 1.314 hectares de terra no estado. O deputado está na articulação do União Brasil, partido que pretende unir a ala de ACM Neto no DEM com o PSL, enquanto rechaça o impeachment de Bolsonaro.
O atual ministro da Saúde, Marcelo Cartaxo Queiroga Lopes, vem de uma família paraibana de médicos que também são políticos e fazendeiros. Entre eles, o médico Márcio Cartaxo Queiroga Lopes: “Irmão de Queiroga processou MLST por ocupação de terra que não houve“. De Olho nos Ruralistas contou que ele conseguiu na Justiça a condenação do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST).
Em 2017, um ano antes da ação do irmão do ministro contra os camponeses, o então deputado Bolsonaro já incitava a população contra movimentos sociais de luta pela terra. Em campanha no estado, Bolsonaro falou em dar fuzil contra os “marginais do MST“, “porque cartão de visita para invasor é o rifle 762”.
Durante a pandemia, a truculência se voltou também contra jornalistas. Roberto Cavalcanti Ribeiro, dono do Sistema Correio de Comunicação, que inclui ao menos 15 emissoras de rádio e uma TV afiliada à Rede Record, defendeu em uma de suas rádios que os jornalistas que divulgam notícias sobre as mortes causadas pelo coronavírus deveriam ser “apedrejados” nas ruas. O ruralista entrou para a política em 2002, como primeiro suplente do senador José Maranhão, e responde a mais de cem processos apenas na Justiça Federal da Paraíba, a maioria por sonegação de imposto: “Dono de TV que falou em apedrejar jornalistas responde a mais de cem processos na Paraíba”.
Em 2019, o observatório publicou uma série de reportagens sobre a luta das mulheres camponesas na Paraíba. Em parceria com a Marco Zero Conteúdo, descreveu a 10ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia realizada pelo Polo da Borborema — rede de treze sindicatos de trabalhadores rurais. Realizada anualmente no Dia Internacional da Mulher, em 08 de março, em 2019 a manifestação foi deslocada para o dia 14 de março em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), executada um ano antes no Rio de Janeiro.
Na reportagem “Margaridas e Marielles: quatro histórias de luta camponesa na Paraíba”, é possível conhecer as trajetórias de Terezinha da Silva, que conciliou sua fé em Deus e na luta. A filha de Terezinha, Maria do Céu Silva Batista de Santana, continuou o trabalho da mãe no Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais do município de Solânea (PB), mas teve de abrir mão do casamento. Anilda Batista Pereira dos Santos conquistou terra e casa em um assentamento do MST e hoje é coordenadora da Associação dos Agricultores e Agricultoras Agroecológicas do Polo da Borborema.
Ainda em 2019, aconteceu a 6ª edição da Marcha das Margaridas, com protestos contra mais armas no campo. A manifestação acontece a cada quatro anos, desde 2000, com desfecho em Brasília, para defender os direitos dos povos do campo. Em 2019 reuniu mais de 100 mil mulheres e teve como lema a “Luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça e livre de violência”.
O nome da principal manifestação de mulheres camponesas é inspirado no perfil de Margarida Maria Alves, líder retratada nesta série: “De Olho na História (I) — Margarida Maria Alves: ‘Da luta não fujo’”. Margarida foi uma das primeiras mulheres a presidir um sindicato no Brasil. Negra e camponesa, por mais de uma década batalhou para que os direitos trabalhistas urbanos valessem também para o campo. Teve êxito, mas a luta custou sua vida. A mando de usineiros, foi morta em 12 de agosto de 1983 com um tiro, na porta da sua casa, na Paraíba. Sua história também está na terceira edição do programa De Olho na Resistência.
Interior da casa de Maria Margarida Alves, assassinada em 1983 (Foto: Museu Casa de Margarida Alves)
Outra paraibana retratada na série foi “Elizabeth Teixeira, 95 anos, uma camponesa marcada pela resistência”. Ela é a protagonista de um dos documentários mais importantes do cinema brasileiro, “Cabra Marcado para Morrer”. A execução do filme se embaralha com a história brasileira recente: no ano do golpe militar, 1964, Elizabeth foi procurada pelo cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014) para que sua vida e a do companheiro, João Pedro Teixeira, morto em abril de 1962, aos 44 anos, fossem registradas em um documentário. Com a chegada da ditadura, as filmagens foram interrompidas, sendo retomadas em 1981. O filme foi lançado em 1984, com muita repercussão.
Elizabeth não teve apoio da família quando começou a se relacionar com João Pedro Teixeira, negro, operário e pobre. Aos 16 anos, saiu de casa para morar com ele. Tiveram onze filhos. Grávida do segundo, foi para Jaboatão dos Guararapes (PE), onde o companheiro ajudou a fundar o Sindicato dos Trabalhadores da Construção. A família voltou à Paraíba e lá o casal liderou a Liga Camponesa do estado. O líder camponês foi morto pelas costas, com três tiros de fuzil efetuados por policiais vestidos de vaqueiros, a mando de três proprietários rurais de Sapé (PB). .
A comemoração dos cinco anos do De Olho nos Ruralistas tem várias peças de divulgação, visando a obtenção de 500 assinaturas, por um lado, e levar as informações a um público mais amplo, por outro. É urgente a necessidade de o país conhecer melhor o poder dos ruralistas e de formar no Congresso uma bancada socioambiental, um conjunto de parlamentares que defendam direitos elementares, previstos na Constituição e nos pactos civilizatórios internacionais dos quais o Brasil é signatário.
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Na Paraíba, camponeses resistem a bolsonaristas e seus familiares - Instituto Humanitas Unisinos - IHU