18 Março 2014
"Cabra Marcado para Morrer, lançado no final de 1984 como documentário, é a obra-prima na qual Coutinho reencontra seus personagens e confronta os novos registros com as imagens que sobraram de 1964", escreve Marcelo Perrone, jornalista, em artigo publicado no jornal Zero Hora, 15-03-2014.
Eis o artigo.
No 1º de abril de 1964, em que se concretizou o golpe militar no Brasil, as notícias da deposição do presidente João Goulart chegaram truncadas ao Engenho Galileia, região rural da Paraíba onde Eduardo Coutinho filmava Cabra Marcado para Morrer. Mas logo o boca a boca e o rádio confirmaram que não houve a resistência que alguns ali pensaram estar em curso, e jipes do Exército levantaram poeira à caça de trabalhadores rurais engajados na luta pela reforma agrária – e, por tabela, de Coutinho e sua equipe. Era o fim das filmagens de Cabra Marcado para Morrer, ficção interpretada por atores locais que contaria a história de João Pedro Teixeira, líder camponês assassinado em abril de 1962 a mando de fazendeiros.
Em uma entrevista de 1976, que integra o volume biográfico Eduardo Coutinho (Cosac Naify, 2013), organizado por Milton Ohata, o documentarista, que morreu de forma trágica em 2 de fevereiro passado, relembra o episódio: “Essas filmagens foram feitas, e um mês e pouco depois de começadas foram interrompidas pelo golpe de 1964. Houve prisões da equipe (...), o equipamento foi todo apreendido (...) Perdeu-se praticamente tudo. (...) Tenho nove latas de filme negativo que consegui retirar do laboratório. Isso que tenho guardado é inútil. Não sei se um dia poderá ser aproveitado. (...) O filme se tornou impossível porque vivia de uma realidade que acabou em 31 de março de 1964”.
Quase 20 anos depois, Coutinho aproveitou o material filmado para dar uma guinada na sua trajetória e na história do cinema nacional. Cabra Marcado para Morrer, lançado no final de 1984 como documentário, é a obra-prima na qual Coutinho reencontra seus personagens e confronta os novos registros com as imagens que sobraram de 1964.
– Coutinho fez o maior e mais simbólico filme sobre a ditadura: Cabra Marcado para Morrer – afirma a crítica e pesquisadora de cinema Maria do Rosário Caetano. – Um grande e emocionante filme, que mapeou a ditadura militar de seu nascedouro (o golpe que destruiu as Ligas Camponesas, a UNE e seu CPC, as organizações sindicais, etc) até seu controvertido final (um “final” à brasileira, que viu tomar posse como primeiro presidente civil um dos mais fiéis defensores da ditadura militar). E fez isto tudo contando a história de uma camponesa, viúva de um líder da Liga de Sapé, na Paraíba, que viu seus filhos se desgarrarem, viveu como lavadeira, escondida sob nome clandestino. O filme devolveu a cidadania a ela, Dona Elizabeth Teixeira – comenta.
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Marcado para morrer: como a obra-prima de Eduardo Coutinho se tornou símbolo do impacto do golpe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU