23 Outubro 2021
"Suicídio tem múltiplas causas mas o trabalho é um potencial detonador e nos faz refletir sobre o momento de enorme tensão em que os bancários estão trabalhando. Nossa categoria está triste, pressionada, com medo do futuro e com alto índice de adoecimento psíquico", escreve Mauro Salles, Secretário de Saúde CONTRAF/CUT, em artigo publicado por Sul 21, 21-10-2021.
“O Banco é algo diferente dos homens. Acontece que cada homem num banco detesta o que o banco faz, e mesmo assim o banco faz. O banco é algo maior que os homens, podem acreditar. É o monstro. Foram os homens que o fizeram, mas não podem controlá-lo”. (John Steinbeck – As vinhas da ira)
Recentes casos de suicídios de bancários reforçam a necessidade de que medidas sejam tomadas para proteger a integridade física e mental dos colegas. Suicídio tem múltiplas causas mas o trabalho é um potencial detonador e nos faz refletir sobre o momento de enorme tensão em que os bancários estão trabalhando. Nossa categoria está triste, pressionada, com medo do futuro e com alto índice de adoecimento psíquico.
Segundo estudo do DIEESE, que analisou os dados da Previdência, se compararmos os afastamentos por causas mentais dos bancos em relação aos demais setores de atividade econômica, verifica-se uma situação grave: do total de afastamentos em todos os setores por doenças com causas mentais e comportamentais nos anos de 2012 a 2017, somente os bancos são responsáveis por 15% desse total. A proporção aumenta para 16% se considerar os afastamentos por depressão. Enquanto nos demais setores a elevação de benefício por Transtorno Mental foi de 19,4% entre 2009 e 2013, no setor bancário ficou em 70,5%. Provavelmente, a situação atual está mais grave.
De 1996 a 2005 ocorreu um suicídio a cada vinte dias entre os bancários. Em muitas situações, nos próprios locais de trabalho. Conforme o psiquiatra francês Christophe Dejours, o fato de as pessoas irem suicidar-se no local de trabalho tem obviamente um significado. Os suicídios nos locais de trabalho são reveladores de profunda degradação da vida e da solidariedade, fato que não pode ser banalizado. É uma mensagem extremamente brutal e aponta ligação com as situações de trabalho.
Em matéria do El País, Llorens Serrano, pesquisadora da Universidade Autônoma de Barcelona e do Instituto Sindical de Trabalho, Ambiente e Saúde (ISTAS), se referindo a uma metarrevisão de 72 estudos mundiais nos últimos dez anos, afirma que quando se trabalha em condições deficientes e com baixo poder decisório sobre as tarefas, a possibilidade de cair em depressão é de 77%. Se a insegurança trabalhista é elevada, a possibilidade é de 71%, e de 77%, no caso da ansiedade.
Uma recente pesquisa sobre Teletrabalho, realizada pelo DIEESE, mostra alto índice de pessoas com medo de ser esquecidos/dispensados (56,8%); ansiedade (65,4%), entre outras questões preocupantes.
Nos dados preliminares de pesquisa sobre sequelas da Covid-19, realizada pela UNICAMP, também aparecem questões preocupantes. Não me sinto alegre (45%); cabeça cheia de preocupações (67,1%). São dados que ilustram a situação de alerta, a qual devemos estar atentos.
Vivemos um momento de alto risco de que aconteçam ainda mais tragédias contra os trabalhadores. A pressão exercida pelos bancos para garantir resultados, utilizando métodos perversos, está deixando os bancários em um nível de sofrimento extremo. Isto tem levado a um número crescente de adoecimento psíquico. Também, no extremo do desespero, produz nível elevado de suicídios.
No contexto atual, ocorre uma conjunção de fatores, que está potencializando tragédias.
Um mal estar da civilização com desemprego, desigualdade, falta de perspectiva, medo de perder emprego, de não estar à altura, de não poder sustentar sua família.
Mudanças profundas no mundo do trabalho bancário, com reestruturações permanentes, mudanças, modelo de negócio, demissões, descomissionamentos. A concorrência no setor aumenta pressão sobre os bancários na qual a exigência de resultados com metas abusivas e a proliferação do assédio moral têm impactado na saúde.
A pandemia agrava a situação. Mais uma vez o medo. Medo do contágio, de adoecer, necessidade de proteger familiares, em um convívio diário com a morte que está a nossa volta. Agravando a situação vemos os bancos intensificarem a pressão sobre os trabalhadores em um momento de crise sanitária.
Soma-se a isso, as instituições hostis. Um governo federal que faz de tudo para ferrar os trabalhadores com constantes ataques aos nossos direitos, desmontando a fiscalização do trabalho e dificultando o acesso aos direitos previdenciários. O Congresso votando medidas contra os direitos com retrocessos poucas vezes vistos. E a balança do judiciário pende para favorecer o capital.
A CPI da Covid-19 tem mostrado a postura de setores médicos que são movidos por motivos outros que não o da saúde das pessoas. Nos serviços médicos dos bancos essa lógica prospera; a lógica dos negócios é absorvida por profissionais que buscam descaracterizar as doenças apesar de inúmeras comprovações, sempre a serviço das áreas comerciais e da alegada segurança jurídica. Desprezam a segurança e condições dignas de trabalho numa postura de afronta à necessária ética profissional.
Os bancos adotam métodos sofisticados para impor seus objetivos de redução de custos, lucratividade crescente; agradar os acionistas é o mantra, desprezando o fator humano. Para isso adotam uma política de RH impessoal, estimulando o individualismo, a competição entre todos, buscando capturar a subjetividade dos trabalhadores, impondo seus imperativos sem pudor.
Esse mecanismo adoecedor é constituído por uma série de políticas: metas abusivas, assédio, avaliação de desempenho, remuneração variável, ameaças de demissão, descomissionamento e demissões consumadas em grande número, caso não sejam entregues os resultados impostos.
Estas, e outras medidas com a mesma lógica, estão arrebentando com a saúde dos bancários. O relato de dois gerentes deixa cristalina a perversidade dessa engrenagem adoecedora.
“Pra aguentar eu uso Ritalina e moduladores de humor, me sinto sujo quando tenho que empurrar um produto garganta abaixo do cliente. Isso aqui é um looping! Saio do banco e desmorono, me sinto esgotado.”
“Não durmo, faço plano de negócios à noite pra atingir minhas metas… à noite faço listas do que preciso dar conta, vou madrugada adentro, no dia seguinte, não sei por onde começar.”
Como inúmeras pesquisas indicam, há estreita ligação do adoecimento com as políticas de pessoal. Como prescreve a legislação, precisamos exigir dos bancos políticas efetivas de prevenção, monitoramento e controle da saúde dos bancários, nas quais o imperativo seja o reconhecimentos dos riscos ergonômicos, psicossociais e, agora, biológicos.
Da mesma maneira é essencial que haja uma atenção aos colegas que adoecem, garantindo condições para tratamento. E, acima de tudo, o fim das metas abusivas, o consequente assédio moral e a pressão pelos resultados.
Não podemos deixar de apontar a necessidade de cobrar a responsabilidade dos bancos em relação às sequelas da Covid-19 em colegas infectados, pois elas impactam a vida profissional e a saúde. Ainda mais quando temos notícias de colegas trabalhando sem as condições plenas de saúde. Sem esquecer que vamos conviver com a pandemia por um tempo indeterminado e devem ser mantidas as medidas protetivas dos ambientes de trabalho e dos trabalhadores.
É necessário registrar essa situação trágica para podermos, ao conhecer e reconhecer a realidade, podermos transformá-la, responsabilizando quem despreza a saúde e a vida das pessoas, em todas as esferas sociais. Estamos avisando que estes riscos psicossociais levam a inúmeras situações de adoecimento. Precisamos enfrentar a situação na qual os empregadores têm responsabilidade.
Através da luta comunitária, reatando nossos laços solidários, os homens e as mulheres podem e devem controlar os bancos. Só assim poderemos evitar as tragédias cotidianas que assolam nossa categoria.
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Bancos produzem tragédias. Artigo de Mauro Salles - Instituto Humanitas Unisinos - IHU