18 Fevereiro 2020
"A alteração na duração do trabalho dos bancários é notoriamente decorrente da subserviência do governo federal aos banqueiros e acionistas", escrevem Luiz Eduardo Barbieri Bedendo e Vinicius de Araujo Silva, em artigo publicado por CartaCapital, 10-02-2020.
A legislação trabalhista brasileira estabelece que os trabalhadores em geral têm direito à duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais (Constituição, artigo 7º, XIII, e CLT, artigo 58).
Tal limitação horária não existe por acaso. Em linha com os ideais de valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, e em atenção aos direitos e garantias individuais (direito ao descanso, convívio familiar, lazer, cultura, educação etc.), o legislador deve conformar a jornada de trabalho em limites que propiciem ao homem a realização desses direitos, visando à preservação de sua saúde e à busca de progresso econômico, social e moral, individual e coletivo.
E por despertar disputas de interesses entre quem trabalha para sobreviver e quem desenvolve atividade econômica explorando trabalho humano, a jornada de trabalho sempre foi assunto objeto de intensa atividade legislativa. Inclusive, a CLT estabelece diversas regras de jornada de trabalho, para diferentes categorias profissionais.
O artigo 224 da CLT é um dos que regulam a duração do trabalho, aplicável aos bancários. Desde o início da vigência da CLT, ele sofreu diversas alterações. A partir de 01/01/1987, até novembro de 2019, por força de alteração promovida pela Lei nº 7.430/85, dispunha que “A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana. ”
Com a entrada em vigor da medida provisória 905/2019, houve sensíveis alterações no regime de trabalho da categoria bancária.
Neste sentido, o caput do artigo 224 passou a prever que “A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, em casas bancárias e na Caixa Econômica Federal, para aqueles que operam exclusivamente no caixa, será de até seis horas diárias, perfazendo um total de trinta horas de trabalho por semana, podendo ser pactuada jornada superior, a qualquer tempo, nos termos do disposto no art. 58 desta Consolidação, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, hipóteses em que não se aplicará o disposto no § 2º.”.
Com a mudança, os bancários que estavam submetidos à jornada especial de seis horas diárias, à exceção dos caixas, poderão ser enquadrados na regra geral da jornada de oito horas diárias, com intervalo mínimo de uma hora e com a possibilidade de trabalho aos sábados, até o limite de quarenta horas semanais.
Além disso, com a inclusão do § 3º ao artigo 224 da CLT, que universaliza a jornada de oito horas para os bancários, os bancos não mais estarão obrigados a pagar gratificação de função a esses empregados, nem a eles delegar os pretensos poderes de gestão, para exigir labor de oito horas diárias.
E ainda, pela nova regra, gerentes bancários poderão ser excluídos dos limites de jornada, pois, segundo o § 2º do art. 224, alterado pela MP 905, a nova regra geral (jornada de oito horas) não se aplicará aos bancários exercentes de funções de confiança. Ou seja, estes “altos empregados” passarão da antiga jornada especial de oito horas para a ausência de controle de jornada, sem direito a horas extras.
Com a drástica alteração nas regras de duração do trabalho dos bancários, haverá aumento da jornada desses trabalhadores.--
E caso não haja aumento salarial proporcional ao número de horas que tais empregados passarão a trabalhar, inegavelmente se estará diante de redução salarial, em ofensa ao artigo 7º, VI, da Constituição e artigo 468 da CLT.
Não se pode perder de vista que a alteração da jornada de trabalho do bancário vai de encontro com a própria razão de existir da MP 905, que seria, supostamente, o combate ao desemprego. Isso porque, ao aumentar a jornada de trabalho dos bancários, por via de consequência, serão necessários menos trabalhadores para a mesma demanda de trabalho.
Com o avanço da tecnologia, determinados departamentos dos bancos simplesmente extinguiram empregos, substituindo a mão-de-obra humana por caixas eletrônicos, aplicativos e outras soluções informatizadas.
O bancário, a cada ano, tem se tornado cada vez mais polivalente, por ter que executar um número de tarefas cada vez maior. É, sem dúvida, um dos que mais sofreu com a sobrecarga laborativa e, historicamente, sempre foi exposto a ritmo de trabalho mais cansativo, enervante e esgotante, obrigado a ter concentração acima da média.
Tal constatação se dá por dados.
Segundo dados do INSS, de 2009 a 2017, a quantidade de bancários afastados por transtornos mentais cresceu 61,5%.
Em contrapartida, os dados revelam que os quatro maiores bancos brasileiros registram aumento no lucro nos últimos anos. Para citar dados, apenas de 2018, tem-se que:
– O maior crescimento foi do Santander, cujo lucro saltou 52,13% de 2017 para 2018, atingindo R$ 12,166 bilhões;
– O Itaú foi a instituição com maior lucro absoluto (R$ 24,977 bilhões), com um aumento de 4,22% em relação ao ano anterior;
– O lucro do Bradesco aumentou 30,2%, para R$ 19,085 bilhões;
– O lucro do Banco do Brasil subiu 16,81%, para R$ 12,862 bilhões.
Diante desses números, outra conclusão não se pode chegar, senão a de que a alteração legislativa promovida na duração do trabalho dos bancários é notoriamente decorrente da subserviência do governo federal aos banqueiros e acionistas, que serão ainda mais beneficiados pelo incremento de trabalho dos bancários.
De outro lado, a desvalorização do trabalho e a deterioração da saúde desses trabalhadores são escancaradas, frente à lucratividade dos bancos.
Assim, impõe-se ampla mobilização social para que essa famigerada MP 905 seja rejeitada pelo Congresso Nacional, com a limitação do trabalho bancário a seis horas diárias.
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A jornada de trabalho dos bancários frente à MP 905/2019 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU