14 Outubro 2021
Duas vezes, em outubro de 2012 e junho de 2013, o santuário de Lourdes foi submerso por torrentes de lama vindas das alturas dos Pireneus. Havia sido declarado estado de calamidade natural. Tudo havia sido contaminado, exceto a estátua da Virgem Imaculada. Eles tiveram que limpar tudo.
O comentário é do padre francês Pierre Vignon, juiz eclesiástico afastado por ter pedido a renúncia do Cardeal Philippe Barbarin (na época em julgamento pela gestão de casos de abusos e posteriormente absolvido), publicado por Adista Notizie n° 36, 08-10-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
É sobre este episódio relativamente recente que pensei na sexta-feira passada, quando soube, antes de todos, os números da estimativa dos abusos sexuais cometidos dentro da Igreja na França. 216.000 pelo clero, número que sobe para 330.000 se somarmos os abusos cometidos pelos leigos nos movimentos juvenis. Fiquei chocado. Uma verdade devastadora teria sido trazida à luz no coração da Igreja. A seguir, voltei a pensar nas palavras do cartuxo Guigues I nas suas Meditações, uma das obras-primas do século XII: “A verdade deve ser colocada no centro como um belo objeto. Se alguém fica horrorizado com ela, não o julgueis, mas tenham piedade dele”. As conclusões da Comissão presidida pelo estimado Jean-Marc Sauvé, um dos grandes servidores do Estado na França durante 30 anos, não podem ser questionadas. Ele soube se cercar do melhor que as Ciências Sociais podiam oferecer.
Os números foram identificados com as devidas garantias científicas e com as necessárias aproximações: 50 mil vítimas a mais ou menos; a taxa de cerca de 3% de padres pedófilos coloca-se na faixa mais baixa em comparação com países que realizaram levantamentos semelhantes.
Um dado externo à Igreja francesa congela o sangue: o de 5,5 milhões de vítimas francesas de abusos. É realmente colossal. Meu Deus, estamos realmente rodeados de sofrimentos ocultos! O fato é que depois da família, é na Igreja, na França, que a maioria dos crimes é cometida.
Como já disse em várias entrevistas, tudo isso revela que o corpo da Igreja - não o corpo místico, mas o corpo institucional - está gravemente doente. E é preciso reconhecer que a parte mais doente do corpo é a cabeça, ou seja, o conjunto dos bispos. Daí a ineficiência de suas reações. Quase todos estão decididos a fustigar-se na praça da sua catedral para praticar um ato de arrependimento, mas não são capazes de dizer que é a Igreja-instituição que deve pagar o que é devido para ressarcir pelo menos as vítimas.
No entanto, o que revelaria mais elegância e seria mais condizente, seria a renúncia coletiva imediata. Eles ainda podem fazer isso para sua próxima assembleia plenária em Lourdes, em novembro. Eu duvido que eles o façam. O que agrava a dor é que os bispos não são capazes de responder de uma forma que esteja à altura da situação. Por que eles são incapazes? Porque, a meu ver, na maioria das vezes nomeamos bispos ex-seminaristas amigáveis e obsequiosos, escolhidos por sua docilidade. Desde o motu proprio de Bento XVI de 2007, também tinha se tornado necessário que eles tivessem a fibra tradicionalista para celebrar a missa segundo o vetus ordo. Infelizmente, a história não se faz com pessoas que para a sogra se assemelha ao genro ideal.
A Igreja não pode mais escapar da reforma proposta pelo Papa Francisco. Nessas condições, o início do Sínodo sobre a sinodalidade torna-se providencial. A Igreja tem o dever urgente de se reformar a partir do vértice. Atualmente o corpo da Igreja está na sala de cirurgia. A boa notícia, apesar de tudo, é que o cirurgião é Deus. Como disse Sauvé ao final de sua apresentação: a esperança permanece.
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Lama na sala de cirurgia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU